quarta-feira, 30 de julho de 2008

Zé do Caixão em Veneza!


E o mais recente filme de José Mojica Marins, o nosso Zé do Caixão, "Encarnação do Demônio", será exibido no 65º Festival de Veneza, que começa no próximo dia 27 de agosto. Não será exibido na mostra competitiva, mas e daí? O novo filme dos irmãos Coen, "Burn After Reading" (que conta com elenco estelar), também será exibido fora de competição, oras...

Outro longa brasileiro a participar será "A Erva do Rato", de Júlio Bressane e Rosa Dias, além de uma co-produção França-Brasil, o documentário "Puisque nous sommes nes", de Jean-Pierre Duret e Andrea Santana, ambos na mostra Horizontes.

Outros longas de destaque são o novo de Darren Aronofsky, "The Wrestler" (o diretor de "Réquiem para Um Sonho" e "A Fonte da Vida", e o próximo a assumir a franquia Robocop!), além de "Ponyo On The Cliff By The Sea", de Hayao Miyazaki, o mestre da animação japonesa criador de obras como "A Viagem de Chihiro". O evento promete!

terça-feira, 29 de julho de 2008

Filmes Para Ver Antes de Morrer

Enquanto vocês lêem a resenha, vou dar um pique subindo a escadaria mais próxima! Fui!

Rocky – Um Lutador

(Rocky)


A vida imita a arte

Anos 70. Sylvester Stallone era um ator então desconhecido, com poucas oportunidades. Havia ganhado apenas papéis em filmes sem expressão, como “Rebel” (hein?). Não contribuía o fato dele possuir paralisia em certas áreas de seu rosto, conseqüência de um parto problemático em que teve de ser retirado a fórceps do ventre materno (o que, obviamente, dificulta sua capacidade interpretativa). Ou seja, Stallone era o que a sociedade americana chama de “loser”, um perdedor, alguém sem talento ou sorte na vida, que acaba esquecido em uma existência medíocre.

Stallone residia em uma quitinete de apenas 3m x 4m, com seu cachorro, quando assistiu a uma luta entre o lendário Muhammad Ali e Chuck Wepner, o qual só é lembrado hoje em dia por ter alcançado um feito até então inédito: nocauteou Ali (mesmo tendo, no fim, perdido a luta). Foi então que surgiu a idéia de um roteiro que tivesse como centro um Zé-Ninguém que, tendo uma única e grande oportunidade, consegue sair do anonimato e, de alguma forma, tornar seu nome lembrado. O mais interessante é perceber que a vida do próprio Stalllone seguiria um caminho semelhante.

E foi assim que surgiu o personagem de Rocky Balboa, após uma série de modificações no roteiro, desde os primeiros rascunhos do futuro astro até sua versão final, tal como o conhecemos. Bateu de porta em porta, tendo sempre respostas negativas, até que se deparou com os produtores Irwin Winkler e Robert Chartoff., que acabaram acreditando no potencial do boxeador de subúrbio. Todavia, uma nova batalha teria ser enfrentada pelo candidato a astro: interpretar o papel que imaginou para si mesmo. Para poder assumir o papel do protagonista, aceitou vender o roteiro por apenas 5 mil dólares. Além disso, os produtores chegaram a lhe oferecer 405 mil dólares para que ele desistisse de assumir o personagem (seria substituído por Ryan O’Neal). Mas não teve jeito. Sly (apelido de Stallone) bateu o pé, assumiu o protagonista e aceitou trabalhar em troca de uma porcentagem nos lucros. Tendo como diretor John G. Avildsen, as filmagens foram realizadas em apenas 28 dias e o custo da produção foi de pouco mais de um milhão de dólares. Renderia 117 milhões.

Muitos, logo que ouvem o nome “Rocky”, lembram apenas de cenas de luta, sangue jorrando e rostos inchados. Nada mais falso. Rocky Balboa é um personagem fascinante e é em sua personalidade que o longa é centrado. Com um jeito durão, Rocky ganha a vida como “cobrador” de um agiota local, o que lhe rende várias inimizades. Por outro lado, faz bicos como boxeador, lutando por 15 dólares, se perder, ou 45, se vencer. Entretanto, as aparências, como quase sempre acontece, enganam. O “Garanhão da Filadélfia” (nome que criou para chamar atenção nos ringues) é um homem terno, apaixonado pela tímida balconista da loja de animais do bairro, Adrian (Talia Shire), irmã de seu amigo de caráter inconstante, Polly (Burt Young). Tímido e sem jeito, Rocky tem dificuldades em atrair a atenção da ainda mais tímida Adrian, que sequer responde às perguntas que o primeiro faz. É interessante notar, neste primeiro momento da película, que vamos descobrindo a personalidade de Rocky através de detalhes, como a sua recusa em quebrar os dedos de um dos endividados de seu patrão, a atenção e conselhos que dá a uma garota da vizinhança, a qual parece estar seguindo um mau caminho, e sua falta de tato mas perceptíveis boas intenções com Adrian. Seu sentimento por ela é verdadeiro, mas tem dificuldades em externar isso. Um homem rude, mas de bom coração.

E ele vai levando sua vida sem grandes perspectivas quando algo inusitado parece trazer-lhe uma chance de conquistar a auto-estima, além do respeito dos que lhe conhecem e, principalmente, da mulher que ama. Apollo Creed (Carl Weathers), o campeão mundial dos pesos pesados, planeja uma luta especial a ser realizada por ocasião do bicentenário da independência dos EUA. Seu desafiante no confronto, Mack Lee Green, quebra a mão e não vai poder enfrentá-lo na data marcada. Outros lutadores de renome também recusam a proposta, alegando que 5 semanas é um tempo insuficiente para uma preparação razoável para o confronto. Egocêntrico e midiático, Apollo tem então a idéia de dar uma chance a um lutador desconhecido de desafiá-lo pelo cinturão de campeão mundial, uma jogada em total consonância com a data do embate, afinal trata-se da “terra das oportunidades”, onde um homem pode adquirir notoriedade se souber aproveitá-las. Neste passo, percebe-se uma sutil crítica a este ideário norte-americano. Menos sutil é a crítica à exploração midiática de pessoas comuns, afinal, acreditava-se que Rocky jamais ofereceria problemas a Apollo Creed, tratando-se apenas de um fantoche sobre o qual muito lucro seria apurado. Contudo, a despeito da incredulidade de todos (a começar da dele próprio). Rocky decide que esta, de fato, é a oportunidade de sair do anonimato e, mais do que isso, de ser respeitado, de ter novas perspectivas. Titubeante no início, passa, dias após dia, a treinar com mais afinco, seja correndo pelas ruas da Filadélfia, seja esmurrando peças de boi no frigorífico onde Polly trabalha. Sua intenção, ademais, não é vencer, mas suportar os 15 rounds da luta.

O fato de Rocky apenas tentar resistir, sem grandes pretensões de vitória, soa deveras interessante. Sua conduta denota que ele busca tão somente o respeito próprio e daqueles que lhe são caros, não exatamente um desejo de fama e fortuna (como seria ainda bem delineado na continuação “Rocky II – A Revanche”, também um bom filme). Ser um vencedor aos olhos daqueles que ama já é lhe é suficiente. Tal aspecto de sua personalidade é mais realçado quando, em uma das últimas cenas, ao ser perguntado se haveria uma revanche, o lutador responde com um sonoro “não”.

Importante destacar a dedicação de toda a equipe na realização do projeto. O elenco está excepcional. Stallone mostra que Rocky é mesmo o personagem da sua vida (é o único que ele conseguiu interpretar de forma convincente em toda sua carreira). Não é à toa que acabou sendo indicado ao Oscar de melhor ator por sua performance. Talia Shire também está ótima com sua Adrian, tímida, mas adorável. Burt Young, como o inconstante cunhado de Rocky, e Burgess Meredith, como Mickey, o dono da academia onde o Garanhão da Filadélfia treina, estão ótimos e possuem um carisma impressionante, tanto que foram indicados ao Oscar como coadjuvantes. A segura e calma direção de Avildsen foi premiada com a láurea da academia de Hollywood. O longa também ganhou na categoria principal, como melhor filme, e ainda o prêmio de edição. Todavia, é possível afirmar que foi injustiçado. Merecia o prêmio de roteiro (um dos melhores de todos os tempos, segundo o American Film Institute) e, principalmente, merecia levar o careca por sua memorável trilha sonora, composta por Bill Conti. Uma das mais marcantes de todos os tempos, basta soarem os primeiros acordes que já lembramos de Rocky Balboa correndo pelas ruas da Filadélfia, subindo aquela enorme escadaria com aquele invejável pique. Eu mesmo, quando garoto, saía correndo na calçada dando socos no ar, cantarolando o tema do filme.

Sem dúvida, Rocky se tornou, ao longo dos anos, um dos personagens mais carismáticos do mundo cinematográfico. Apesar de alguns episódios bisonhos (Rocky IV, um lixo de patriotada, e Rocky V, candidato a diversos Framboesas de Ouro), continua a ter seu lugar de destaque no coração de muitos cinéfilos ao redor do mundo. E Sylvester Stallone, tal como o personagem que criou, conseguiu aproveitar a oportunidade e deixou o anonimato no passado, tornando-se uma das figuras mais lembradas de Hollywood. Como diz a famosa frase, “a vida imita a arte”.

Cotação: ***** (cinco estrelas)

Nota: 10,0.

Obs: O subtítulo em português, que não consta do original, é um dos raros subtítulos a me agradar.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Indy 5



Diante do sucesso de bilheteria do quarto episódio da série, George Lucas já está cogitando um quinto. Mais uma vez, o problema que se apresenta são as idéias sobre o roteiro. Segundo o produtor, Spielberg está muito preso ao formato anos 40/50, enquanto ele (Lucas) "está mais no futuro" (segundo suas próprias palavras em entrevista ao Times On Line). Só espero que eles não passem mais 19 anos decidindo isso. O Harrison Ford não pode esperar mais tanto tempo...

domingo, 27 de julho de 2008

Batman Novamente


E o fenômeno "Cavaleiro das Trevas" continua batendo recordes. Em apenas 10 dias de exibição, o filme atingiu a quantia de US$ 314, 2 milhões arrecadados. Também foi o filme mais rápido a alcançar o valor de US$ 300 milhões. O recorde anterior era de "Piratas do Caribe: o Baú da Morte" (16 dias). Nesta segunda-feira, dia 28, tomará o posto de Indiana Jones como maior filme do ano nos EUA. Alguns analistas já afirmam que ele se tornará o filme nº 2 em arrecadação bruta (sem valores corrigidos pela inflação), ficando atrás apenas de Titanic. O Coringa pode até não ter conseguido promover o caos, mas lucros ele está promovendo bastante...

sábado, 26 de julho de 2008

Aviso Importante!

Os comentários estão liberados mesmo para quem não tem cadastro no Google. O espaço está livre até para quem quiser postar de forma anônima, mas não custa nada se identificar, não é mesmo?

Vamos ver se agora os leitores se animam mais a realizar seus comentários.

E vamos em frente!

Abraço!

sexta-feira, 25 de julho de 2008

"Uma coisa sem nome, essa coisa é o que somos"



A imagem que vocês estão vendo acima é o mais novo pôster de “Blindness” (belo, não?), adaptação para o cinema do famosíssimo livro de José Saramago “Ensaio Sobre a Cegueira” (no Brasil, o filme terá o mesmo título do livro). Dirigido pelo nosso Fernando Meirelles, o filme abriu o festival de Cannes com pouco entusiasmo dos críticos metidos a besta. A prova de que eles são mesmo metidos a besta é que Saramago chorou ao assistir ao longa em uma exibição especial em Lisboa. Creio que Meirelles já teve sua recompensa.

Terminei de ler recentemente o livro. Sem dúvida um dos mais impactantes que já li, narra os dias em que uma epidemia de cegueira branca (“um mar de leite”) atinge uma localidade não identificada. O Estado, então, resolve isolar os contaminados em um antigo manicômio desativado. Apenas uma mulher continua a enxergar (no filme ela é interpretada por Julianne Moore). Uma obra sobre “a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam”. Extremamente forte, se o filme tiver 50% da carga do romance, é possível que muita gente se levante da cadeira e saia da sala de projeção. O lançamento no Brasil acontece em 12 de setembro. Aguardo ansiosamente! Abaixo, segue o link do Youtube para o vídeo mostrando a sessão em que Saramago chorou.

http://www.youtube.com/watch?v=7XzBkM_LdAk

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Filmes Para Ver Antes de Morrer

Continuando a série, olha o Dustin Hoffman ainda garoto.

A Primeira Noite de Um Homem

(The Graduate)

Retrato de um novo tempo


De início, logo escutamos as notas de “The Sound Of Silence”, interpretada por Simon & Garfunkel. Em seguida vemos Benjamim Braddock, personagem do então desconhecido Dustin Hoffman, caminhando em uma esteira rolante de um aeroporto, enquanto são mostrados os créditos iniciais do filme. A expressão de Ben mostra toda o medo e solidão por que está passando. É assim que somos introduzidos ao universo do personagem central de “A Primeira Noite de Um Homem”, clássico dirigido por Mike Nichols em 1967.

Logo em seguida, ficamos sabendo que Ben é um recém formado, com ótimas notas, obtendo grande destaque acadêmico. Sua família considera-o um gênio, um orgulho a ser exibido para todos os parentes e amigos. Só que Benjamim, como todos os jovens, está longe de ter a mesma confiança que seus pais.

Todos que já viveram esta situação sabem com é. A família, os amigos, conhecidos, esperam sua plena realização profissional, com os maiores louros que uma carreira possa trazer. Todavia, na realidade, sua mente é um amontoado de dúvidas e incertezas. O que fazer dali em diante?

Em meio a todo este turbilhão, Ben conhece Mrs. Robinson (Anne Bancroft, ótima, em um dos papéis femininos mais famosos do cinema), esposa do sócio de seu pai. E esta, utilizando-se de todas as armas de mulher experiente, seduz com relativa facilidade o marinheiro de primeira viagem que é o nosso protagonista.

Ocorre, então, o rito de passagem: Ben deixa de ser o adolescente inseguro, confuso, e torna-se o homem autoconfiante, a ponto de enfrentar seus pais e seguir sua vontade. Claro, isso ocorre aos poucos, ao longo dos meses em que mantém um tórrido caso com Mrs. Robinson.

Tudo complica quando Benjamim é apresentado à filha de sua amante, Elaine. A contragosto de Mrs. Robinson, ambos se apaixonam. E daqui em diante, não é bom contar mais, para não perder a graça para os que não assistiram.

O que se faz importante dizer é que Mike Nichols construiu um retrato de uma geração e, por que não dizer, de todas as futuras gerações. A descoberta do sexo e do amor não ocorreu apenas nos anos 60, mas em todas as gerações posteriores. Depois dos anos 60, a descoberta se tornou palavra de ordem. É isso que os jovens fazem até hoje: descobrir. E descobrir de verdade, com os seus próprios passos, sem as rédeas paternas, como ocorria nas décadas anteriores.

Além de toda a riqueza de significado, o filme é um exemplo de como deve ser realizada uma obra da sétima arte. Direção segura e objetiva, fotografia criativa (memorável a seqüência em que Ben, com uma máscara de mergulho no rosto, cai na piscina e nos é mostrado exatamente o ponto de vista do personagem), roteiro impecável e, talvez o melhor de tudo, a inesquecível trilha sonora de Simon e Garfunkel. Quem nunca ouviu “Mrs. Ronbinson”? E a citada “The Sound Of Silence”? Uma das melhores trilhas de toda a história do cinema, sem dúvida. Ah, e Dustin Hoffman desponta como um dos grandes atores de sua geração. Seu primeiro papel como protagonista já lhe renderia sua primeira indicação ao Oscar.

Bem, o que resta a dizer é que esse é um filme obrigatório para quem tem interesse na sétima arte. Uma referência essencial, para dizer o mínimo. E mesmo para quem vê cinema apenas como diversão, é melhor se divertir com esse aqui do que com qualquer outra comédia estadunidense que esteja passando em alguma sala perto de sua casa.

Bons tempos em que as comédias terminavam não com uma piada retardada e escatológica, mas com um olhar de interrogação para o futuro: e agora? Depois de tudo, da liberação de todas as amarras, do amor livre, do sexo sem culpa, da independência com relação a um mundo cheio de regras e limitações , o que faremos? Foi essa a pergunta feita a toda geração sessentista ao fim de “A Primeira Noite de um Homem”. E que nos continua sendo feita até hoje.

Classificação: ***** (cinco estrelas)
Nota: 10,0

segunda-feira, 21 de julho de 2008

US$ 155 milhões para o Cavaleiro das Trevas


E o que era esperado se confirmou. "Batman - O Cavaleiro das Trevas" superou todos os recordes de bilheteria em seu primeiro fim de semana. 155,34 milhões de dólares foi o que ele arrecadou nos EUA, superando o recorde anterior que era de Homem-Aranha 3 (com 151 milhões). Também bateu o filme de Peter Parker como a maior arrecadação no dia de abertura: 66,4 milhões contra 59,84 milhões. O número de salas em que foi exibido por lá também superou tudo: 4 366, o maior lançamento na América do Norte já realizado. E cada sala arrecadou, em média, 35,5 mil dólares (ou seja, estavam todas lotadas). O filme bateu até o número de sessões da meia-noite...(que anteriormente pertencia a "A Vingança dos Sith").

Até aqui mesmo, em Natal, eu senti que a estréia seria da pesada. Eu peguei a sessão das 15:15 no Moviecom achando que o público seria reduzido. A verdade é que a sessão estava cheia, com vários nerds comentando cena a cena (já estavam em polvorosa com o trailler de Hellboy 2). Santa paciência, Batman! Mas, como mostrei na resenha, o filme é mesmo sensacional!

"Why so serious?"



Estou com a impressão de que essa frase se tornará a mais pop do ano. Ontem entrei no MSN e várias pessoas estavam com ela em seus respectivos nicks. Aliás, o Coringa de Heath Ledger está correndo o risco de se tornar o personagem mais pop da década...

domingo, 20 de julho de 2008

Batman - O Cavaleiro das Trevas


O verdadeiro Batman chega às telas

Talvez este seja o filme mais aguardado do ano. Também por isso, vou iniciar esta resenha de uma forma um pouco diferente, tecendo alguns pormenores sobre a HQ homônima que deu origem ao filme “Batman – O Cavaleiro das Trevas”. Desde já alerto que Batman é um dos meus personagens favoritos nos quadrinhos e não estranhem se lerem alguns comentários cheios de “arroubos”. Acompanhe, se tiver paciência (o texto deve resultar um tanto longo).

O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller

Nos anos 80, surgia nos quadrinhos o nome de um novo autor que iria revolucionar o gênero: Frank Miller. Seu estilo inovador, com arte minimalista, mas que ao mesmo tempo remetia à fotografia cinematográfica, e texto repleto de conflitos psicológicos começou a transportar as HQs ao status de “arte” (ou pelo menos foi a partir dele que muitos céticos, que achavam que quadrinhos eram coisa de criança, começaram a observar com mais atenção a arte seqüencial). Miller foi erguido ao status de ídolo ao trabalhar com o Demolidor, da Marvel Comics, criando para este uma coadjuvante histórica: Elektra, a ninja assassina.

Foi então que a arqui-rival da Marvel, a DC Comics, contratou Miller para um projeto ousado com um personagem que se encontrava em decadência: Batman, o homem-morcego que, em parte pelos efeitos nocivos de sua série de TV, encontrava-se ridicularizado, servindo de chacota em piadas sobre homossexuais ou mostrado com um pançudo metido a engraçadinho. O dito projeto se chamou “O Cavaleiro das Trevas” e, provavelmente, foi bem além do que os editores da DC imaginavam. Nele, Miller nos mostra Gotham City em um futuro próximo totalmente dominada pela criminalidade. Batman está aposentado, afinal Bruce Wayne já é um cinqüentão. Alguns criminosos de outras épocas também parecem estar “fora de combate”, como o Duas-Caras e o Coringa. Todavia, Bruce Wayne não encontra refúgio para as angústias que remontam à sua infância no álcool ou nas mulheres e, desta forma, o seu lado sombrio, externado pela persona do Batman, acaba por retornar. E com o Batman retornam seus antigos oponentes.

Sombria ao extremo, psicologicamente perturbadora, a obra de Miller mostrou que quadrinhos poderiam ser, definitivamente, coisa para adultos. O autor, ademais, não só deu maturidade psicológica aos personagens, como colocou a própria natureza do herói em xeque: afinal, poderia Batman fazer “justiça com as próprias mãos”? A sociedade poderia aceitar um justiceiro atuando à margem da legalidade? Outro ponto interessante: Miller abordou a idéia de que vilões como o Coringa só existiriam devido a própria existência Homem-Morcego. Isso fica claro quando o Coringa, que está internado no asilo Arkham, “desperta” de sua letargia ao ver uma notícia na televisão sobre um possível retorno de Batman.

A mini-série alcançou um sucesso estrondoso nos EUA, sendo rapidamente publicada no Brasil pela Editora Abril. Eu lembro que tinha 8 ou 9 anos quando ela foi lançada por aquie praticamente obriguei meu pai a adquirir aquele exemplar luxuoso, como eu nunca tinha visto antes. Mesmo, obviamente, não compreendendo muitas de suas nuances em razão de minha pouca idade (também confesso que a violência ali presente também era excessiva para alguém tão jovem), eu fiquei fascinado pela trama engendrada por Frank Miller, de quem me tornei fã incondicional. Jamais esqueci os últimos quadrinhos do primeiro capítulo da mini-série, quando Batman pergunta a um plastificado Harvey Dent (cirurgiões plásticos haviam conseguido reconstruir seu rosto) porque ele havia voltado a cometer crimes. É então que Harvey pede a Batman para que veja além de suas feições, para vislumbrar como ele realmente está por dentro e, num dado momento, o Cavaleiro das Trevas vê que Harvey, na verdade, está deformado inteiramente em sua alma. E ele responde: “eu vejo um reflexo, Harvey... Só um reflexo...”.

O Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan

E assim, ao longo de muitos anos, esperei ver este Batman, que sempre considerei o verdadeiro, transposto para as telas. E quase sempre fui amargando decepções. Muito embora eu respeite muito Tim Burton, seus dois episódios de Batman são muito cartunescos, infantis até. Ele desrespeitou o personagem para realizar um exercício de estilo. Escalou como Bruce Wayne um ator inexpressivo como Michael Keaton e (não sei se ele ou a produção) colocou Kim Basinger na trama para chamar a marmanjada para a sala de cinema. Um filme pífio, que só se salva pela presença de Jack Nicholson na interpretação do Coringa. Três anos depois, Burton comete outro equívoco com “Batman – O Retorno”, talvez ainda mais insosso que o seu antecessor, desta vez só conseguindo algum alento na sensualíssima presença de Michelle Pfeiffer como a Mulher-Gato. Mas o pior ainda estava por vir. Joel Shumacher conseguiu assassinar a franquia com seu péssimo “Batman – Eternamente”. Mas o que é ruim pode sempre ficar ainda pior e ele cometeu “Batman & Robin”, uma espécie de filme de super-herói-gay, um atentado à sétima arte, um dos piores filmes de todos os tempos.

Depois disso, já não esperava mais ver o herói adaptado de forma ao menos decente para a telona. Alguns anos se passaram e a Warner Bros. (detentora dos direitos de adaptação de Batman para o cinema), entusiasmada com o sucesso que a Marvel vinha obtendo após a boa adaptação dos X-Men por Brian Singer, resolveu apostar novamente suas fichas no Morcegão, só que desta vez encarando-o com um personagem sólido, com real potencial dramático, não um brinquedinho para entreter crianças. Para tanto, escalou como diretor Christopher Nolan, o qual havia se tornado “cool” com o sucesso de público e crítica “Amnésia”. O elenco também foi de primeira: o talentoso Christian Bale como Batman/Bruce Wayne, além das presenças de Michael Caine, Morgan Freeman, Gary Oldman e Liam Neesson. O longa foi intitulado “Batman Begins”, como para deixar claro que todos os projetos anteriores eram página virada e que aqui se apresentava um novo Homem-Morcego para o cinema. Lembro que fui assistir todo desconfiado, afinal todas as adaptações anteriores haviam sido muito frustrantes. Todavia, o filme acabou por me agradar bastante. Mesmo não sendo a adaptação perfeita que sempre imaginei, Batman finalmente era um personagem levado a sério. Também já era perceptível que Nolan havia lido os trabalhos de Miller com o herói e levou isso para as telas. Ademais, o elenco, como era de se esperar, realizou um trabalho ótimo, chamando atenção o Bruce Wayne/Batman de Bale (finalmente interpretado de forma decente) e o sargento Jim Gordon, em grande performance de Gary Oldman. E “Batman Begins” deixou um gostinho de “quero mais” tremendo, ainda mais com a pista deixada na conclusão de o vilão que surgiria em sua continuação seria ele, o Coringa!

E eis que chegamos a 2008. “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, continuação de “Batman Begins” tornou-se o filme mais esperado da temporada de blockbusters devido a dois fatores: 1) O marketing massivo realizado pela Warner, utilizando a chamada campanha “viral” na Internet, além de extravagâncias como o batsinal projetado em ruas de grandes cidades (é, isso mesmo...); 2) a morte prematura de Heath Ledger, um dos mais talentosos atores da nova geração (apenas 28 anos), que interpretou o papel do Coringa e, segundo comentários que circularam à época do seu falecimento, o personagem teria piorado seu estado mental, obrigando-o a realizar tratamento com tranqüilizantes (os quais o levariam à overdose que causou sua morte).

A expectativa estava alta, altíssima. E ela enfim, foi recompensada. Pode-se afirmar que finalmente estamos diante de uma autêntica HQ do Homem-Morcego transposta para a tela de cinema.

Neste novo episódio, Gotham City continua, mais do que nunca, dominada pelo crime. A presença de Batman, ademais, faz surgir um novo problema: estimulados por suas ações, vários cidadãos passam a combater o crime por conta própria, utilizando “bat-uniformes” e perseguindo bandidos. Além disso, a legitimidade de Batman como combatente do crime passa a ser questionada pela população e pela mídia (como realçado no início deste texto, idéia explorada por Frank Miller em sua HQ). Afinal, ele é um justiceiro que atua à margem da legalidade. Em contraposição a este “Cavaleiro das Trevas”, Gotham assiste à ascensão do idealista promotor de justiça Harvey Dent (Aaron Eckhart, muito bem no papel), o “Cavaleiro Branco”, que busca efetivar a justiça e limpar Gotham da criminalidade, mas seguindo os limites da legalidade. O próprio Bruce Wayne/Batman (mais uma vez Christian Bale, competente) começa a enxergar em Dent o herói que a cidade precisa, um herói sem máscara, que não precisa se ocultar na escuridão noturna para realizar suas ações de combate ao crime. Os dois ainda dividem o mesmo interesse romântico: a promotora Rachel Dawes (Maggie Gyllenhaal, com bem mais presença interpretativa que a careteira Katie Holmes, que fez a personagem no filme anterior). Ambos também contam com a ajuda de, agora tenente, Jim Gordon (Gary Oldman, excelente!), um dos raros policiais incorruptíveis de cidade.

Incomodados pelos prejuízos causados por Batman, os maiores mafiosos da cidade resolvem contratar uma espécie de maníaco psicopata que anda chamando atenção nos noticiários para dar cabo do Homem-Morcego: o Coringa! E aqui chegamos ao personagem interpretado pela falecido Heath Ledger. O seu Coringa em quase nada lembra aquele feito por Jack Nicholson no primeiro filme de Tim Burton. A interpretação de Ledger é completamente visceral, conseguindo transpor para tela o Coringa concebido por Frank Miller em sua HQ genial. Com suas frases cortantes, marcantes e faladas em tom de ironia e perversão, o Coringa é o personagem que, em muitas seqüências, acaba roubando a cena. Macabro como nenhum outro vilão da arte seqüencial antes levado à telas, ele se torna o maior tormento de Batman, já que, em suas próprias palavras, ele só existe porque Batman existe e estarão condenados a eternamente se enfrentarem, já que Batman jamais conseguirá simplesmente eliminar seu oponente e este tem sua existência condicionada à de Batman. Com uma maquiagem borrada que esconde cicatrizes em seu rosto (maquiagem concebida pelo próprio Ledger), o Coringa representa a encarnação da morte, não agindo por dinheiro, mas para apenas promover o caos. A verdade é que a atuação de Ledger é tão impactante que muitos, capitaneados por Nolan e Bale, já estão fazendo campanha para sua indicação ao Oscar vindouro e premiação póstuma. Quem assistir ao longa verá que isso não é uma idéia descabida.

Em meio a esse caos surgirá um novo vilão, o Duas-Caras, cuja identidade não vou revelar aqui para não perder o interesse para aqueles que ainda não viram o filme (aqueles que conhecem os quadrinhos sabem de quem se trata). Com metade do rosto deformado, ele decide a vida de suas vítima jogando uma moeda ao ar: o acaso será o responsável pelo destino. Vale dizer que os efeitos especiais responsáveis pelo rosto do Duas-Caras são muito eficientes.

E aqui é o momento para fazemos uma abordagem sobre os elementos técnicos do longa. É uma pena que mais de 90% dos espectadores (dos quais eu faço parte) não poderão vê-lo nas telas Imax, já que algumas de suas seqüências foram concebidas para este tipo de projeção, como aquela em que Batman voa sobre Hong-Kong. Aqueles que viram afirmam que a sensação que o espectador tem é de estar voando junto com o personagem. Por outro lado, alguns têm reclamado da edição um tanto quanto acelerada, fazendo com algumas seqüências de ação se tornem um pouco confusas. Creio que isso não se deve a alguma incompetência de Nolan para dirigir esse tipo de cena. A verdade é que muitas cenas foram editadas e amenizadas para que o filme não ultrapassasse a classificação PG-13 nos EUA, tida como limite para um blockbuster que pretende faturar alto. “O Cavaleiro das Trevas” é, sem dúvida, um filme violento, nada adequado para crianças pequenas. Aliás, creio que mesmo a classificação etária que ganhou no Brasil, 12 anos, ainda é bem tolerante. Creio que a mais adequada seria 14 anos, até mesmo porque a violência presente no filme não é apenas visual, mas também psicológica. O Coringa é de meter medo mesmo em uma criança mais crescida. O som e efeitos sonoros também são de arrepiar. Eu mesmo cheguei a dar um pulo da cadeira em determinada seqüência, tal a eficiência de ditos efeitos sonoros.

O roteiro merece um destaque especial. Resolveu alguns problemas do “Begins” como o humor um tanto forçado, encarnado principalmente pelo mordomo Alfred (Michael Caine, sempre eficiente) e pelo engenheiro Lucius Fox, responsável pelas engenhocas usadas por Batman (Morgan Freeman, com seu velho carisma). Agora, as tiradas de humor estão muito encaixadas ao tom sombrio do filme, mais orgânicas, sem “forçar a barra”. A trama também, apesar de complexa, está muito bem amarrada, além de afastar qualquer previsibilidade. Por outro lado, o que chama mais atenção é mesmo o potencial dramático atribuído a todos os personagens. Bruce Wayne no dilema de ser um herói fora-da-lei; Jim Gordon sabendo que não pode confiar nem mesmo nos policiais que integram sua equipe; Harvey Dent sentindo a pressão de ter de combater o crime com apenas as armas que a lei lhe fornece; Rachel Dawes tendo de decidir entre os dois homens que a amam... Ademais, vários conceitos de Frank Miller, como os cidadãos que se vestem de Batman e passam a combater o crime, além dos debates e notícias televisivos sobre os acontecimentos, mostram-se interessantes e inteiramente eficazes. Vale dizer que o ritmo frenético não cai um minuto, não há tempo para que você respire. Batman também não se mostra como um herói politicamente correto, tomando atitudes que seriam impensáveis para outros heróis dos quadrinhos, como o Homem-Aranha (outro elemento da obra de Miler).

A direção de arte também é sensacional. Gotham nunca se mostrou tão real (Chicago muito bem filmada). Mesmo nas cenas diurnas sentimos um clima soturno, que inspira apreensão. Ou seja, estamos diante de uma cidade amedrontadora, mas real, totalmente diferente daquele clima “fake” de Burton e Schumacher.

Bem, se você conseguiu chegar até aqui, vou sintetizar a minha impressão sobre o filme: Batman finalmente chega às telas! Longa vida ao Homem-Morcego. Já aguardo ansiosamente a sua continuação. Pena, apenas, que Heath Ledger não poderá mais nos brindar com sua fantástica atuação. Um grande peso recairá sobre o próximo Coringa.

Classificação: ***** (cinco estrelas)

Nota: 10,0.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Filmes Para Ver Antes de Morrer


Continuando a série, um clássico de Roman Polanski:

O Bebê de Rosemary
(Rosemary's Baby)

Muitos devem lembrar de Januário de Oliveira, narrador esportivo que fez sucesso na Bandeirantes dos anos 90, quando esta emissora passava todos os jogos de futebol que era humanamente possível transmitir (desde a final de uma Copa do Mundo até um desimportante Botafogo x Olaria ou Palmeiras x Mogi-mirim). Januário criou bordões futebolísticos que até hoje estão na memória dos amantes deste esporte, sendo os mais conhecidos o “Crueeeeeeeeeeeeeelllllll!!! Muiiito Crueeeeeellll”, quando um jogador marcava um gol ou fazia uma grande jogada e o “Siniiiiisssstro!!!! Muuuuuuuiiiiiiiiiitoo sinistro!!!!!!!!!!”, quando alguém perdia um gol feito ou realizava um jogada bisonha (dia desses fiquei chocado quando soube que o Januário perdeu as pernas e é por isso que ele deixou a narração de jogos...). Bem, mas por que começo esta resenha falando sobre algo tão distinto do cinema? Ora, porque a primeira palavra que me veio à cabeça quando acabei de assistir a “O Bebê de Rosemary” foi justamente o adjetivo “sinistro”! Não no sentido irônico e cômico usado pelo antigo narrador, mas em seu sentido literal. Esse filme é mesmo sinistro, muito sinistro!

Produção de 1968, “O Bebê de Rosemary” acabou se tornando um marco do gênero terror, estabelecendo um novo parâmetro para as produções posteriores. Dirigido por Roman Polanski, em seu primeiro filme no cinema americano, ele apresenta um viés extremamente psicológico que perturba e angustia o espectador. É tão psicológico que parece muitas vezes se afastar do “terror” para entrar no “suspense”, ao melhor estilo Hitchcock. Essa nova dimensão veio enriquecer largamente o gênero. Suas influências são sentidas, por exemplo, em “O Exorcista”, que apresenta também uma temática “demoníaca” e com nuances psicológicas muito bem trabalhadas; em “O Iluminado”, de Kubrick, onde também sentimos seus ecos (tal como o edifício onde Rosemary vive, o hotel onde Jack vai passar o inverno com sua família é mais um personagem da trama); ou mesmo em “A Hora do Pesadelo” de Wes Craven, com seus sonhos assustadores e canções infantis tenebrosas.

Baseado no romance de Ira Levin, o roteiro, também de Polanski, nos fala de um jovem casal que está de mudança para um novo apartamento em Nova York. O edifício onde ele se situa, no entanto, tem má fama, sendo conhecido na cidade por casos de assassinato e bruxaria que teriam acontecido anos atrás (na “vida real”, o edifício usado foi o famoso Dakota Building, que dispensa apresentações). Logo quando se instalam no novo lar, eles conhecem um outro casal, bem mais idoso, que se mostra bastante solícito e simpático (simpáticos até demais) e não tardam em oferecer um jantar aos novos moradores do prédio. Ao voltar para seu apartamento, Rosemary percebe uma estranha “empolgação” de seu marido - que é um ator ambicioso, mas cuja carreira parece destinada ao fracasso - em freqüentar o idoso casal, afinal eles são “ótimos vizinhos”. A partir de então, alguns fatos estranhos começam a acontecer. Primeiro, seu marido consegue um papel que já estava perdido porque o ator que estava escalado perde repentinamente a visão...(?!?!). Mas isso não parece importar, pois o que ela quer mesmo é realizar o sonho de ser mãe. Após uma noite de pesadelos estranhos, Rosemary se descobre grávida. A partir daí, ela própria começa a apresentar um comportamento estranho, que muitas vezes parece ser resultado das dúvidas e sensações de uma mãe de primeira viagem, mas em outras oportunidades parecem ir muito além disso.

É exatamente esta dúvida que permeia todo o filme: será que Rosemary está tendo abalos psíquicos conseqüentes da grande ansiedade da gravidez ou há algo realmente de errado com o filho que espera? A suposição de que seus vizinhos são bruxos merece crédito ou é apenas uma paranóia decorrente de sua gestação complicada?

Polanski nos conduz ao longo de toda a narrativa sem desfazer essa dúvida, que só é elucidada nos últimos minutos de projeção e isso sem que se utilize de artifícios como criaturas sobrenaturais, espíritos, monstros etc. Há apenas uma única cena em que uma criatura “estranha” aparece na tela e, mesmo assim, praticamente vemos apenas os seus olhos. Ou seja: “O Bebê de Rosemary”, como bem definiu o desenhista de produção Richard Sylbert, é “um filme de terror sem terror”. Portanto, não é bom vê-lo esperando se deparar com uma série de imagens sanguinolentas ou cheias de criaturas sobrenaturais. Todo o horror da situação nos é apresentado tendo em vista as sensações e impressões da personagem central.

É importante ressaltar também os aspectos técnicos da obra. Como dito acima, o edifício é mais um personagem da trama. O filme não seria o mesmo sem o Dakota, isso é uma verdade (fico até imaginando como John Lennon e Yoko Ono conseguiam morar nesse endereço). Ele por si só transmite um ar de mistério e sobrenatural que suplanta um monte de efeitos visuais realizados hoje em dia. O elenco está muito bem, com destaques para Mia Farrow (curiosidade: ela era a então Sra. Sinatra), ainda uma principiante no papel central, e Ruth Gordon, que faz a sempre solícita e atenciosa vizinha, trabalho que inclusive lhe rendeu o Oscar de atriz coadjuvante. O único que deixa um pouco a desejar é John Cassavetes, que faz o esposo de Rosemary. Não que ele esteja ruim, mas sua interpretação fica um pouco abaixo das demais, tendo alguns momentos que, sob um olhar rigoroso, soam como “excessivos” (e ficamos mais frustrados quando imaginamos que Jack Nicholson foi bastante cotado para o papel). Mas nada que prejudique significativamente o resultado final. E a trilha sonora conta com uma canção de ninar, a qual abre e fecha o filme, que é simplesmente sinistra (para repetir mais uma vez esse adjetivo). Aliás, esse “lá lá lá” é uma das coisas mais perturbadoras e quando o filme termina ele parece ficar ressoando na sua cabeça, dando a impressão de ter sido criado realmente para ninar o filho do tinhoso (vamos bater três vezes na madeira: Toc! Toc! Toc!).

Lembro que, a primeira vez que vi essa película, eu tinha então 15 anos e passou em um Domingo Maior (salvo engano), na Globo. Fiquei morrendo de medo e nem consegui dormir direito. O tempo passou e, mesmo mais velho, com muito mais barba no rosto, o filme continua impressionando. A seqüência final, então, é mesmo de arrepiar! O que mostra que essa é daquelas obras que não envelhecem, se perpetuam no tempo. E continua sinistra, muito sinistra!!!


Cotação:

Nota: 10,0

terça-feira, 15 de julho de 2008

Filmes Para Ver Antes de Morrer



Abro aqui uma nova "sessão" no blog, onde indico filmes que você realmente não pode deixar de ver pelo menos uma vez na vida. É óbvio que muitos clássicos se farão presentes, o que não impede que filmes mais recentes também dêem as caras por aqui. Vamos começar com um filme recentemente relançado em DVD em edição comemorativa de seu 30º aniversário:

O Expresso da Meia-Noite
(Midnight Express)


Em 1973, Franklin J. Schaffner, dirigiu “Papillon”. O filme contava com a presença de dois astros: o já veterano Steve Mcqueen, no papel principal, e o astro em ascensão e talentosíssimo Dustin Hoffman, que fazia o melhor amigo do personagem título. Baseada em fatos reais, a trama mostrava o inferno dos condenados à “Ilha do Diabo”, situada na Guiana Francesa, para onde eram levados os criminosos mais “perigosos” da França, sentenciados com prisão perpétua.

O filme mostrava com um realismo inédito as agruras destes condenados, o tratamento humilhante, degradante que sofriam (clássica a cena em que Henri Charrière, o“Papillon” – borboleta em francês e apelido do personagem por ter uma tatuagem com esta forma – é obrigado a comer baratas para não morrer de fome).

Tal realismo não era fato isolado no cinema americano de então. Os anos 70 seriam uma das décadas mais revolucionárias da história do cinema, principalmente do americano. Jovens diretores surgiam com idéias inovadoras, diferentes, quebrando todas as regras dos famigerados “estúdios”. Era a década que veria a ascensão de diretores como Francis Ford Copolla (O Poderoso Chefão, Apocalypse Now), Martin Scorcese (Taxi Driver), Steven Spielberg (Tubarão, Contatos Imediatos de Terceiro Grau), além da consagração cada vez maior de cineastas como Stanley Kubrick (Laranja Mecânica).

Foi um tempo em que se criou uma “estética da violência” no cinema (que teve Sam Peckinpah como precursor na década anterior). Nunca a violência havia sido mostrada de forma tão crua e pungente, com sangue jorrando pela tela sem pudores. Até mesmo Spielberg dá sua contribuição com seu “Tubarão” (estética que mais tarde, nos anos 90, seria mais uma vez revolucionada por Quentin Tarantino). Ademais, os protagonistas estavam longe de ser “heróis”, “mocinhos”, de “índole exemplar”. Basta lembrarmos de Táxi Driver, cujo protagonista é um neurótico com tendências homicidas que não suporta mais a sua vidinha medíocre no subúrbio de Nova York. Ou como em “O Poderoso Chefão”, no qual os personagens centrais são mafiosos que eliminam aqueles que atrapalham seu caminho (Marlon Brando na atuação mais brilhante da história da sétima arte).

E é nessa esteira que, em 1978, o então jovem diretor Alan Parker nos apresenta um novo “filme de presídio”. Influenciado pelo seu antecessor de 1973, trata-se de uma obra que também mostra a realidade de uma penitenciária, com suas agressões, condições subumanas, violência, falta de perspectivas. Todavia, ele vai mais longe do que “Papillon” em sua proposta.

O longa de Schaffner, muito embora não relegue o psicológico de seus personagens, tem uma preocupação eminentemente narrativa, ou seja, em mostrar os fatos, as peripécias e reviravoltas que levam o fugitivo a alcançar a liberdade. Há momentos em que se assemelha a um longa “de aventuras”, tais os “malabarismos” mostrados na tela.

Em “O Expresso da Meia Noite”, Parker mostra os fatos mais por necessidade do roteiro, para que o espectador entenda a situação. O verdadeiro foco de sua obra, entretanto, é a análise do quão perturbadora pode ser a experiência de viver em um mundo fechado, com regras próprias e bastante distintas das regras da sociedade “livre”.

O roteiro narra a história, também real, de Billy Hayes, jovem americano, típico filho de classe média, que está passando férias na Turquia com a namorada. Inconseqüente, compra alguns quilos de haxixe para levar à sua terra e distribuir com os amigos. Ele leva a droga presa ao corpo, sob a roupa, e já está para embarcar quando é abordado pela polícia turca. Os policiais, que estavam na verdade procurando suspeitos de terrorismo, acabam encontrando a “muamba” de Billy. Detido, este é “convidado” a colaborar para a prisão dos traficantes que lhe venderam a droga, em troca de uma pena mais branda e outras regalias. Todavia, Billy acaba fugindo, o que complica bastante seu caso.

Logo, é levado para um presídio cuja situação lembra muito a dos nossos brasileiros, com instalações precárias, guardas violentos e corruptos, leis impostas pelos próprios detentos. O inferno aparece claro aos olhos do jovem. E se torna ainda maior quando a suprema corte turca lhe impõe um aumento bastante considerável da pena...

Parker retrata a lenta evolução do desequilíbrio de Billy, que o leva às portas da loucura. O clímax é mostrado em uma cena extremamente marcante em que este, dominado pela insanidade, mutila um outro detento que havia delatado seu plano de fuga com mais dois colegas de cela (não vou descrever a cena para não perder o impacto).

Vale destacar um aspecto: Billy, em todos os momentos, procura resistir a qualquer forma de degradação moral. Evita entrar em confusões, revidar agressões e, em um primeiro momento, até mesmo não tenta a fuga. Somente adere a esta possibilidade quando vê suas chances de deixar aquele inferno de forma “legal” se esvaírem. Seguindo esta linha, é interessante notar um ponto: o filme parece insinuar que o homossexualismo é uma forma de degradação moral, já que Billy (numa atitude de cabra verdadeiramente macho!) também recusa as investidas homoeróticas de um de seus colegas mais próximos (no mais respeitoso “fora” a um gay já visto nos cinemas). De qualquer forma, isso mostra o grau de transtorno do personagem no citado momento da mutilação: sua sanidade havia chegado ao limite.

Outras questões também são abordadas, como a diferença cultural entre o Ocidente e o mundo islâmico, mostrando que isso é um tema que já vem de algum tempo. Em solo americano, Billy certamente teria facilidades bem maiores para ver-se livre.

Os aspectos técnicos do filme também são importantíssimos. O som que imita as batidas de um coração nos momentos especialmente tensos é um recurso genial, que nos transmite muito da dramaticidade da cena, deixando-nos completamente envolvidos. A fotografia escura ajuda a compor o cenário de perturbação e desesperança e a trilha sonora é um caso a parte. Magnificamente criada por Giorgio Moroder, é extremamente marcante, sendo conhecida até mesmo por muitos que não viram o filme. E o roteiro é de um então desconhecido Oliver Stone, que já demonstrava sua tendência para abordar situações-limite. Cabe também destacar a excelente atuação de Brad Davis no papel principal. Pode onde anda este rapaz?

Bem, a verdade é que um filme como esse apresenta inúmeras nuances que dariam margem a mais algumas páginas de texto. Mas vou ficando por aqui. Só uma ressalva: “O Expresso da Meia Noite” é um filme muito forte, que pode chocar os mais sensíveis, requerendo um bom estômago para digeri-lo. Mas com certeza, gostando ou não, você não ficará indiferente a ele. Alan Parker já estava mostrando a que veio. Alguns anos depois dirigiria outro filmaço: Coração Satânico. Mas isso já é outra história...

Cotação: ***** (cinco estrelas).
Nota: 10,0

domingo, 13 de julho de 2008

Um Beijo Roubado


Um Beijo Roubado

As cores da dor-de-cotovelo

Em meio à enxurrada de blockbusters que estão invadindo as salas de cinema (só no último fim de semana tivemos Kung-Fu Panda e Hancock, que estraçalharam nas bilheterias), nada mais saudável que buscar um pouco de “desintoxicação” assistindo a um longa, digamos assim, “diferente”, um tanto distinto daqueles que costumam ocupar os espaços do circuito. Nada contra os Iron Mans e Hulks da vida (quem me conhece de perto sabe o quanto eu tenho de nerd), mas também é necessário ver pessoas normais, sem super-poderes, expostas na tela grande e lembrarmos que não estamos sozinhos nos nossos pequenos dramas.

Muito embora seja possível acusar Wong Kar Wai de procurar justamente ser mais comercial com seu recente projeto “Um Beijo Roubado” (My Blueberry Nights, 2007), a verdade é que, mesmo sendo mais cosmético do que seu costume, Kar Wai é um dos cineastas atuais mais capazes de filmar seres humanos, na mais precisa acepção do termo. É realmente bela a forma como ele consegue colocar em sua sempre intensa paleta de cores os mais sutis e profundos sentimentos. Em Kar Wai, o amor nunca se mostra piegas, mas simplesmente o que ele é: belo! Quem conhece o diretor de outras praias, como em “Amor à Flor da Pele”, sabe do que estou falando.

Este é o primeiro longa de Kar Wai falado em inglês, com atores ocidentais e que não se passa em algum país asiático e daí talvez venham boa parte das críticas, já que ele estaria supostamente com vontade de ser exibido em sessões para gente normal nos shoppings, sem a necessidade de ser isolado em algum horário destinado a “filmes de arte” (aqui em Natal não teve jeito, acabou numa sessão dedicada a filmes para gente esquisita mesmo). É sabido que o longa foi recebido com uma certa frieza em Cannes, mas também é de conhecimento de todos que o público dos festivais costuma ser precipitado e chato, sempre querendo que um diretor de renome apresente a mais deslumbrante obra de arte desde a Pietá de Miguel Ângelo. A acusação de que ele tentou tornar-se mais “palatável” é verdadeira, mas é impossível negar que ele assim procedeu sem deixar de ser Kar Wai, continuando o mesmo cineasta preciso de sempre.

E é dentro desta ótica autoral que o diretor nos mostra as cores da dor-de-cotovelo. A trama, baseada em um curta-metragem de sua autoria (vale dizer que Kar Wai é co-roteirista junto com Lawrence Block), nos mostra a personagem Elizabeth (Norah Jones, com boa estréia na telona, valendo ressaltar que foi ela que sugeriu ao diretor a idéia para realização deste longa), a qual acabou de ser abandonada por seu antigo namorado (ou companheiro, não fica muito claro) e vai chorar suas lágrimas no lugar mais usado em todo o mundo por quem quer chorar suas lágrimas: um bar. Conhece então o dono do estabelecimento, Jeremy (Jude Law, competente), um homem que costuma guardar em um pote de vidro as chaves deixadas ou esquecidas ali por seus clientes (uma espécie de relicário de corações partidos). Sentindo-se sem rumo e necessitando urgentemente conhecer melhor a si mesma, parte em uma viagem ao longo das paisagens norte-americanas, saindo de Nova York para cidades com Memphis e Las Vegas. Ao longo de seu trajeto, encontra tipos que também vivem problemas amorosos. É então que conhecemos os personagens de Arnie (David Strathairn, excelente) e Sue Lynne (Rachel Weisz, muito bem e especialmente sensual), o quais vivem uma tormentosa separação, além de uma jogadora viciada, interpretada por Natalie Portman (competente, embora sua personagem seja a mais desinteressante do longa). Elizabeth tira proveito emocional de cada uma dessas experiências alheias e, assim, prepara-se para retornar a Nova York.

Um roteiro aparentemente simplório, meio “road movie”, mas que conta com uma enorme riqueza de diálogos e, principalmente, com os requintes visuais do diretor chinês. Suas cores fortes e expressivas estão lá presentes, principalmente o azul, que parece externar o interior de Elizabeth. Seus recursos imagéticos xiques, estilosos e, convenhamos, realmente lindos, continuam a pontuar toda a projeção (com especial destaque em um close do rosto de Norah Jones com os lábios sujos de torta bastante importante para o desenvolvimento da narrativa). Cinema, é sempre relevante reiterar, é imagem e é muito reconfortante perceber como um diretor respeita essa idéia e brinda o espectador com sua inteligência e sensibilidade. Outras marcas de Kar Wai se mostram presentes, como a sua obsessão pelo tempo como fator que, de forma inexorável, altera os seres humanos e suas relações. Se no citado “Amor à Flor da Pele” isso é mostrado através da presença e do enfoque de relógios, além da constante troca de vestidos da personagem de Maggie Cheung, aqui isso é feito por meio de legendas que nos mostram há quantos dias Elizabeth está distante de Nova York. A trilha sonora pop também se faz presente, desta vez com canções da própria Norah Jones, além de outros nomes “cool” da música atual (só para deixar registrado: eu tenho adoração por mulheres que cantam de forma educada e ao piano, como a Norah. Não há nada mais sexy! Talvez mais sexy do que isso, só se ela cantasse em francês, o que me faz lembrar da Carla Bruni, mas aí já vamos começar a divagar em excesso...).

Entretanto, o mais indubitável elemento autoral a marcar o longa é o respeito que Kar Wai tem pelos seus belos personagens. Ele nos mostra que cada vida, por mais banal que possa parecer, é repleta de pequenas tragédias e alegrias e isso faz com que cada uma seja única. Desimportante para muitos, mas nunca banal. Assim como seus filmes nunca são banais. Você pode acusá-lo de ser sentimental, mas nunca de ser piegas. Talvez você possa acusá-lo agora de tentar ser mais comercial. Mas é bom lembrar: um Kar Wai comercial é melhor do que 90% dos filmes comerciais em cartaz.

Em tempo: interessante como os títulos em inglês (My Blueberry Nights) e português (Um Beijo Roubado) são inteiramente distintos, mas também ambos perfeitamente adequados ao filme. Assista e descubra o porquê.

Cotação: ****1/2 (quatro estrelas e meia)

Nota: 9,5.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Wall - E


Wall – E


O melhor filme do ano!

A frase acima não é um exagero. Mesmo que ainda estejamos na metade de 2008, dificilmente Wall - E será superado (ou mesmo igualado) por qualquer outro longa, seja de animação ou não, em sua imensa qualidade. A estória do robozinho lixeiro, que passa seus dias compactando lixo em um planeta Terra totalmente inabitável é, simplesmente, mais uma obra-prima que os estúdios Pixar conseguiram produzir.

Gostaria até de rememorar aqui a minha resenha sobre Ratattouille, vencedor do mais recente Oscar de animação. Naquela oportunidade mencionei que é difícil qualificar um filme, de imediato, como uma obra-prima, já que muitas vezes podemos nos levar pela sensação do momento e cometer equívocos (em oportunidades posteriores, podemos perceber que o filme não era aquilo tudo, por exemplo). Sem medo de ser feliz, desafiei esta regra que costumo me impor e classifiquei o longa do ratinho Rémy como uma obra-prima. A realidade é que o estúdio criado por John Lasseter parece querer nos desafiar a cada lançamento. E me vejo de novo na situação de dar o braço a torcer e chegar à mesma conclusão a que cheguei na oportunidade anterior: estamos diante de uma obra-prima (sei que já coloquei essa afirmação mais acima, mas tornou-se inevitável repetir)! Andrew Stanton (do memorável Procurando Nemo) dirige este longa que parece ter saído da mente de um Charles Chaplin, com pitadas fortes do genial Stanley Kubrick, além de elementos típicos de Steven Spielberg. Sim, tudo isso está lá, não estou aumentando nada!

Wall – E (abreviação para Waste Allocation Load Lifter – Earth Class, que se traduz como Empilhadeira de Carga para Distribuição de Lixo – classe Terra) é um pequeno robô que tem como diretriz juntar e compactar o lixo gerado pelos humanos. O planeta já está desabitado (e inabitável também) há muito tempo (a trama se passa em 2700). Mesmo assim, ele continua cumprindo a sua função, muita embora com “peculiaridades” não programadas. Wally (é assim que o nome dele soa, afinal) costuma juntar em sua “residência” antigos objetos deixados para trás pelos humanos, mas com grande significado. Estão lá, entre as tralhas que guarda, um cubo mágico, um isqueiro de metal, uma batedeira... E também uma fita de vídeo (além do respectivo aparelho), uma cópia do clássico “Alô, Dolly!”, à qual assiste repetidas vezes, juntamente com sua baratinha de estimação. Wally parece destinado a amargar para sempre essa imensa solidão, testemunhando, com seus tristes e expressivos olhos de binóculo (observem como os traços do robô, com seus olhos grandes, pescoço comprido e “coração” luminoso, lembram o E.T. de Spielberg), o lugar lamentável em que se tornou o outrora belo planeta Terra, agora repleto de monumentos de lixo que lembram arranha-céus e pirâmides astecas.

Um belo dia, entretanto, uma nave deixa nas imediações onde vive Wally um robô feminino, Eva (qualquer semelhança com o Gênesis bíblico não é mera coincidência), dona de um “temperamento” mal-humorado, mas que logo cativa nosso solitário protagonista, o qual se utiliza do único modelo que possui de relacionamentos, aquele mostrado em “Alô, Dolly”, para conquistar a robozinha. Pausa para pensar: aqui vemos que a humanidade, a mesma responsável pela destruição do planeta, é a mesma que transmite, via arte, os mais belos sentimentos para o robô-lixeiro. O sentimento não surgiu do nada em seus circuitos, foi-lhe transmitido e adquirido por uma espécie que já esqueceu esses mesmos sentimentos. Wally é, naquele momento, mais humano que os humanos. Todavia, pouco depois Eva é retomada pela nave que a deixou e Wally encontra uma forma desesperada de segui-la (afinal, ele não pode mais “viver” sem ela). Este primeiro “ato” do filme é de um primor estético extraordinário. Com uma paleta de cores pálidas e escurecidas, temos a sensação de que Terra se transformou realmente em um lixão gigante. Ademais, a sensação de realidade é tremenda. Em várias seqüências, tinha a impressão de estar vendo um robô de verdade, e não um simulacro de animação. Também sublime o silêncio reinante. Podemos dizer que Wall – E, ao longo desta primeira metade, é praticamente um filme mudo. Não é a toa que lembra tanto os filmes de Chaplin, afinal Wally consegue uma expressividade tremenda apenas com seus olhos e movimentos de corpo. Marcante ainda a trilha sonora de Thomas Newman, que investe na melancolia, ressaltando a solidão do personagem (além da inesperada execução de uma mais do que famosa canção, na voz de um gênio do jazz que eu não vou falar qual é para não perder a graça!). Neste ato, à parte a trilha sonora, só escutamos praticamente os ruídos ambientes e dos robôs, ocasião em que o designer de som Bem Burtt dá um show (não é pra menos: ele é o criador dos efeitos sonoros de Star Wars).

Já a segunda metade, em que Wally e Eva se encontram na nave Axioma, controlada pela mega-corporação BNL, é extremamente ácida. Ela abriga o que restou da humanidade. Uma multidão de obesos devorados pelo consumismo e pelo sedentarismo. Sua inércia é tamanha que sequer são capazes de realizar atividades da mais banais, estando constantemente a se locomover através de cadeiras flutuantes. Desconhecem até mesmo a interação com os semelhantes, apenas se comunicando através das telas que cada uma dessas cadeiras possui. É neste passo que surgem as várias referências a Kubrick, principalmente ao clássico absoluto “2001 – Uma Odisséia no Espaço”. Aqueles que conhecem a obra de Kubrick facilmente irão perceber uma nova “versão” para o computador Hall 9000. E todos devem perceber a inserção de “Assim falava Zaratustra”, peça clássica de Richard Strauss que ficou mais conhecida como “o tema de 2001”. Há ainda seqüências lindas nessa segunda metade, como a que Wall-E percorre o espaço com um... Ah, não vou contar! Muito embora, nos seus últimos minutos, a trama caia um pouco em clichês de aventura e perseguição, isso não chega a prejudicar. Afinal, em alguns momentos, desde que bem colocados, até os clichês são bem-vindos.

E assim, a Pixar nos mostra como construir uma obra relevante. Transforma um robô num dos personagens mais humanos da história do cinema recente, contrapondo-o a uma humanidade totalmente desumanizada (já dizia o saudoso Renato Russo: “a humanidade é desumana”). Elabora um filme “para crianças”, mas que na realidade só será compreendido inteiramente por adultos. Aliás, já faz um tempinho que levar crianças para as salas de cinema se tornou apenas uma desculpa para pais, tios e avós poderem se deliciar com mais um longa da Pixar. Esse estúdio, vale dizer, merece todo louvor por jamais se acomodar. Depois de tantos sucessos de público e crítica, seria fácil repetir fórmulas vencedoras. Ao contrário, tem buscado inovar a cada projeto. É bom saber que o cinema americano, na melhor acepção do termo, sobrevive nas mentes dos criadores desta grande fábrica de sucessos. É bom saber que a Disney, a mega-corporação que hoje é a principal controladora do já mencionado estúdio, não está sufocando o Wally existente nessa equipe cheia de garra e idéias, que nos entrega a cada ano filmes belos e repletos de criatividade. Chaplin, esteja onde estiver, deve estar sorrindo com as peripécias de Wally. Kubrick deve estar refletindo sobre as idéias mostradas na tela. E Spielberg, claro, provavelmente irá assistir várias vezes a esta animação que possui tantas de suas “marcas”.

Não se atreva a perder.

Classificação: ***** (cinco estrelas)

Nota: 10,0

Blog - A Origem

Olá! Espero que esteja tudo bem com você!

Durante muito tempo, relutei em criar este espaço. Achava que poderia me tomar um tempo considerável mas, principalmente, não acreditava muito no meu talento como resenhista de cinema. Todavia, como aqueles que dão uma olhada nos meus textos acabam por elogiá-los, fui criando confiança e eis que me vejo aqui, nessa empreitada. Antes de tudo, gostaria de externar que os comentários serão muito bem-vindos. Estou cansado de apenas externar minha opinião sem uma contrapartida daquele que a lê. No meu sistema "mala-direta" de envio de resenhas, raros são aqueles que respondem. Espero que agora, nesse sistema mais "instântaneo" de deixar um recado, os leitores se animem mais a comentar. Comentem! Meu principal objetivo é trocar idéias sobre a 7ª arte! A bola também está com vocês!