quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Filmes Para Ver Antes de Morrer


Esta semana, vi uma lista de melhores filmes do século XXI em um site (não me agradou muito). Acabei lembrando que este filme, de repente, pode mesmo vir a figurar em listas do gênero. Também lembrei que, quando escrevi esta resenha, eu ainda não tinha criado o blog, razão pela qual posto agora.

Onde Os Fracos Não Têm Vez


"Três Homens em Conflito"

Ainda nos anos 60, o genial Sergio Leone nos brindou com um clássico do gênero cinematográfico criado por ele próprio, o famoso “western spaghetti”, apelido dado devido à sua origem italiana. “Três Homens em Conflito” (The Good, The Bad and The Ugly) nos apresentava três personagens em busca de um carregamento de ouro, mostrando, com estilo e bom-humor, a luta destes três homens para obter a almejada riqueza. Por trás disso, claro, Leone nos fornecia uma visão do processo de formação dos Estados Unidos da América, tema que seria ainda melhor desenvolvido posteriormente em sua obras-primas “Era Uma Vez no Oeste” e “Era Uma Vez na América”.

Algumas décadas depois, os irmãos Joel e Ethan Coen valem-se da mesma estrutura para desenvolver um longa que trata também da sociedade americana, mas não de seu passado ou de seu processo de formação. Trata, por seu turno, do processo de degradação desta sociedade, da perda dos valores mais essenciais, a qual parece conduzi-la a um lento definhar. Da mesma forma que Leone, os Coen nos mostram três homens em busca do mesmo objetivo: recuperar uma mala cheia de dólares advindos de tráfico ilícito de entorpecentes. Contudo, se no longa de Leone, os três personagens são levados basicamente pelo mesmo sentimento (cobiça), os homens de Coen parecem imbuídos, cada um, de razões próprias e bastante distintas.

Tudo começa quando Llewelyn Moss (interpretado por Josh Brolin), o típico texano que remonta aos tempos da conquista do Oeste, encontra, no local de uma carnificina entre traficantes de drogas, uma mala contendo uma pequena fortuna em dólares e passa a fugir dos seus perseguidores, entres eles Anton Chigurh, um maníaco homicida interpretado magistralmente por Javier Bardem (com um cabelo megafashion no melhor estilo “Beiçola”). Inicia-se, assim, um pega que lembra Papa-léguas entre os dois (aliás, o humor dos Irmãos Coen, embora atenuado, continua presente neste longa). À parte, o veterano xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones, em mais uma grande atuação) procura elucidar o caso, cuja carnificina lhe causa indagação e espanto.

Interessante notar que os Coen trouxeram, para este western moderno (o filme se passa em 1980), uma similaridade com o clássico de Leone: o três personagens possuem personalidades marcantes, tornando ainda mais importante o trabalho de atores. Todavia, se em “Três Homens em Conflito” esse elemento se torna um pouco mitigado devido ao motivo que imbui suas ações ser o mesmo (a ganância), aqui vemos três homens imbuídos de motivações bastante diferentes, assim como os mencionados irmãos diretores lhes atribuem personalidades ainda mais marcadas, buscando colocar em cada um os traços de uma América do passado, do presente e daquela que pode vir a ser.

Llewelyn, o cowboy que, podemos dizer, representa o americano médio, é um homem comum, ex-combatente do Vietnã, que leva sua vida simples e tranqüila com a esposa e, de repente, vê-se diante da tentação de enriquecer de forma fácil (ou pelo menos aparentemente fácil). É o homem comum que se deixa corromper, retrato da sociedade atual que, se está em parte corrompida, ainda apresenta alguns valores preservados. Já o xerife, homem de valores enraizados o qual, ao longo da caçada, acaba mais preocupado com a sorte de Llewelyn do que exatamente com a captura do dinheiro ou dos criminosos, representa um tempo que já não existe mais, onde os homens eram medidos antes de tudo por seu caráter e honradez. Valores estes hoje enterrados por aqueles que, como o psicótico Chigurh, são inteiramente amorais na busca de seus objetivos. Chigurh, em seu caminho, elimina, literalmente, todos que colocam a sua frente, utilizando-se de armas que, como realça o xerife em determinado ponto da projeção, são usadas para matar gado. Talvez, para o psicopata em questão, o prazer não esteja exatamente no objetivo a que se presta (o dinheiro), mas justamente nos meios dos quais se utiliza para buscá-lo. O dinheiro é o seu “MacGuffin” (expressão criada por Alfred Hitchcock para designar um elemento de roteiro que leva à ação do filme, mas que na realidade não tem grande importância para o que se quer de fato mostrar na tela). Aliás, no presente caso, Macguffin do próprio filme, pois que a mencionada corrida de “papa-léguas” é apenas o subterfúgio para que os Irmãos Coen nos mostrem um painel da degradação da América. Não há mais espaço para os velhos valores, encarnados pelo personagem de Tommy Lee Jones, idéia revelada já a partir do título original (No Country For Old Men), mal traduzido para o português (pra variar um pouco, né?). Não há mais lugar para os velhos homens.

De qualquer forma, cabe perguntar: a degradação da América de fato ocorreu ou sua deterioração reside na sua própria gênese? Afinal, Leone já mostrava, em seu já citado clássico, que a cobiça e falta de escrúpulos está na origem da sociedade americana. A famosa “conquista do Oeste” foi extremamente brutal e as marcas desse tempo residem até hoje em vários aspectos dessa sociedade. Assim, será possível falar em degradação, ou apenas reafirmação dos valores que motivaram sua formação? Bom, o que apenas consigo afirmar é que o cenário caótico traçado pelos Coen não apenas se restringe à terra do Tio Sam. O mundo inteiro não é mais um bom lugar para se viver.

Independente da resposta a essa indagação, o que cabe aqui afirmar é que o Oscar, de forma flagrante, está se tornando uma premiação realmente de arte e não de mercado. Ao entregar a estatueta careca para esta obra dos Coen, vemos que algo de fato está mudando na Academia, já que o mesmo está longe, bem longe, der ser um filme comercial. Não possui nem mesmo trilha sonora, sua fotografia remonta aos filmes do final dos 70/início dos 80 e seu final abrupto(inteiramente fiel ao livro que lhe deu origem) deve descontentar 90% da platéia presente. Sendo sincero: como 90% dos que vão a salas é de gente medíocre incapaz de desejar algo que não seja um imbecil final feliz, esses mesmos serão incapazes de entender o desfecho deste filme que talvez seja o melhor dos irmãos diretores (sempre difíceis, por sinal). E desculpem o meu mau-humor. É que paciência tem limite. Mas já pedi a Deus nesta Páscoa a graça de adquirir paciência, pois dá vontade de chamar o Chigurh em certas ocasiões...Às vezes, sonho com o dia em que todos valorizem filmes assim. Mas aí acordo!

Palmas para a Academia. Vaias para o tal “grande público”.


Cotação: ***** (cinco estrelas)
Nota: 10,0.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Que belo poster!

Nestes dias de contagem regressiva para a estréia de "007 - Quantum Of Solace", acabo de me deparar com esse poster sensacional do longa! Olga Kurylenko é a ucraniana maia latina que deve existir no mundo. O filme estréia dia 07 de novembro na Terra Brasilis e, a julgar pelos trailers, deve ser mesmo imperdível! Ah, e esse post foi só para justificar a presença do poster mesmo! :)

domingo, 26 de outubro de 2008

Última Parada 174

Manipulação

Um antigo comercial (quem está na casa dos 30 já tem condições de lembrar dele) comparava o produto do anúncio com aqueles que tentavam copiá-lo. Seu bordão acabou se tornando imediatamente reconhecido, caindo na boca do povo: “parece, mas não é”. Todos usavam essa frase no dia a dia, sempre que surgia alguma situação em que o cidadão se deparava diante de algo que parecia ser verdade, mas não era.

E não é que esse bordão publicitário cai como uma luva para “Última Parara 174”, o novo longa do diretor Bruno Barreto? Ao longo de toda a projeção, fiquei sempre com aquela sensação de estar vendo algo que deseja ser realidade, mas que, todavia, não consegue. A impressão que fica é a de estarmos vendo um episódio televisivo de “Cidade dos Homens”, a conhecida série exibida pela Rede Globo, apenas um pouco mais violento do que o habitualmente exibido na TV dos Marinho. Infelizmente, a minha previsão (feita há algumas semanas, aqui mesmo neste blog) de que veria na tela uma ficção querendo se passar por realidade acabou se confirmando.

E isso porque toda trajetória do personagem Sandro do Nascimento (interpretado de forma vacilante pelo estreante Michel Gomes) tal como retratada nas telas não pode ser tratada por outro nome além de ficção. Como é sabido de todos, Sandro foi o principal personagem da famosa tragédia do ônibus da linha 174 do Rio de Janeiro. Todos acompanharam, ao vivo e em rede nacional, o desenrolar daqueles acontecimentos sombrios que culminaram na morte da professora Geíza, vítima não apenas de Sandro, mas também da incompetência da operação policial. Posteriormente, o país veio a saber que Sandro havia sido menor de rua, um dos sobreviventes da chacina da Candelária, o que acabou por reacender o debate sobre a responsabilidade do Estado e da sociedade diante do surgimento de criminosos como este. Claro que Sandro não poderia ser tratado apenas como uma vítima da sociedade, mas é inegável que esta lhe deu pouquíssimas oportunidades e caminhos a escolher.

Naturalmente, claro que uma história como essa seria um prato cheio para abordagens no cinema. Contudo, o seu resultado sempre estará condicionado ao talento e intenções daquele que está por trás das câmeras. Intenções, sim, porque Bruno Barreto, passando distante de tentar entender os fatos que conduziram àquele desfecho que tão bem retratou o Brasil contemporâneo, parece apenas querer “emocionar” o público, manipulando-o, fazendo-o o tempo todo sentir pena de um personagem que não precisa de manipulações para que tenhamos pena dele. A história de Sandro fala por si só. Não necessita de adornos.

O roteiro, escrito por Bráulio Mantovani (de “Cidade de Deus”) tem seus méritos. Mas estes méritos residem exatamente nos encadeamento de fatos destinados a fazer o público sair dolorido da sala de projeção. Ou seja, Mantovani fez muito bem o que pretendia o diretor. O problema está no que este pretendia ao criar fatos e personagens irreais para acentuar o melodrama ou para fazer com que o público crie laços com o protagonista. Torna-se muito desagradável assistir a um filme em que você simplesmente não sabe o que é verdade ou é simplesmente invenção dos seus mentores para lhe fazer chorar ou sair revoltado após duas horas de exibição.

Interessante que, através de um documentário, gênero que justamente relega as emoções e romantizações para um segundo plano, já que em primeiro está a busca da realidade de um fato ou pessoa objeto do estudo, José Padilha (diretor de Tropa de Elite) tenha alcançado estes dois efeitos, levando o espectador, com seu “Ônibus 174” (um dos melhores documentários a que já assisti) a se emocionar e refletir apenas tentando mostrar os fatos tal como eles realmente aconteceram. E Barreto, mesmo com toda sua manipulação, deixa muito a desejar em ambos os quesitos. Talvez tenha ainda algum sucesso na reflexão social. As seqüências que mostram os menores dormindo nas ruas logo nos fazem lembrar que uma sociedade que permite crianças e adolescentes vivendo sem eira nem beira não pode ser levada a sério. Será que alguém que cresce desta forma pode ter um destino realmente diferente daquele de Sandro do Nascimento?

Com relação aos aspectos técnicos, nada a reclamar. Boa fotografia acompanhada de um bom som, o qual não fará os espectadores reclamarem de não terem entendido o que os personagens falavam. Afinal, um filme que já nasceu com projeto de Oscar no seu DNA não poderia pecar em seus aspectos técnicos. E aqui chegamos a mais um ponto nevrálgico deste longa. A comissão que selecionou “Última Parada 174” como o concorrente brasileiro à premiação da Academia em 2009 estava pensando exatamente em suas qualidades quando assim decidiu? Ou estaria atendendo ao lobby mais poderoso da cinematografia brasileira, o dos Barreto? Os questionamentos são pertinentes, já que “Tropa de Elite” não foi o escolhido no ano passado por se tratar de um filme “mundo cão”, bastante violento, características que não contam com a simpatia dos eleitores do Oscar na categoria filme estrangeiro. Todavia, o filme em análise compartilha com “Tropa de Elite” esses elementos “mundo-cão-violento” e nem por isso ele deixou de ser escolhido. O que resta claro é a impressionante influência da família Barreto em nosso meio cinematográfico, já que ela conseguiu emplacar até o medíocre “O Quatrilho” (e que, é bom lembrar, acabou ficando com uma das 5 indicações finais).

Dia desses, estava lendo uma matéria em uma revista semanal sobre a ausência de público para os filmes nacionais. Ora, como se pode exigir presença de espectadores nas salas com filmes dessa qualidade? “Se o filme brasileiro que concorre ao Oscar é apenas isso”, pensa o incauto assistente ao sair da sala, “que dirá o resto”. E assim, o som das pás enterrando um caixão, que se ouvem ao fim de “Ùltima Parada 174”, poderia ser o som do enterro do cinema brasileiro, um eterno morto-vivo que se levanta da cova de tempos em tempos.

Cotação: **1/2
Nota: 6,0 (estou querendo ter pelo menos um pouquinho de boa vontade com o nosso “indicado”).

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O Incansável Clint

Clint Eastwood é mesmo incansável. Recentemente, dirigiu mais um longa, The Changeling, protagonizado por Angelina Jolie e que teve sua premiére mundial no último Festival de Cannes. Agora, lá vem ele com outro filme, "Gran Torino", onde não apenas dirige, mas também atua, interpretando o papel de um racista. Segundo as palavras do próprio Eastwood, seu personagem é "ofensivo e potencialmente controverso". Na trama, Walt Kovalski (nome do seu personagem), um veterano da guerra da Coréia, é forçado a conviver com um vizinho asiático originário da China. Mas ele se vê obrigado a criar um vínculo com o vizinho estrangeiro por causa de seu carro, um Gran Torino ano 72. Este que você vê ao lado é o primeiro cartaz do longa, que estréia em 25 de dezembro nos EUA. Pela proximidade com o fim do ano, Eastwood mais uma vez deve estar com pretensões de Oscar.

Mais uma vez na expectativa. Pelos dois filmes, já que "The Changeling" nem estreou no Brasil ainda. Eastwood vem, ano após ano, recompensando os amantes do cinema com filmes memoráveis (basta lembrar de "Menina de Ouro" e "Cartas de Iwo Jima"). Prova de que a velhice só chega se você permitir que ela chegue.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Thor

Nas últimas semanas, várias notícias foram divulgadas sobre a adaptação do poderoso Thor para as telas do cinema, idéia que me agrada muito, por sinal. Sempre considerei Thor como um dos personagens mais interessantes do quadrinhos. Um deus, punido por seu pai, que passa anos vagando entre os simples mortais sem saber de sua condição "diferenciada", vivendo como o médico Donald Blake. Thor faz com que qualquer um, seja criança, adolescente ou adulto, acabe se interessando por mitologia, não só a nórdica, mas também a grega, persa, eslava ou sei lá mais que civilização antiga. Mais uma brilhante criação (ou seria adaptação, nesse caso?) de Stan Lee e Jack Kirby.

Minhas expectativas subiram ainda mais quando foi divulgado que o diretor mais cotado para assumir o projeto é o shakespeariano Kenneth Branagh. Famoso por suas adaptações para o cinema das peças do bardo inglês (entre elas o "Hamlet" de quatro horas de duração). Não posso imaginar cineasta mais adequado para adaptar personagem tão nobre em espírito, modos e linguagem. Segundo sites especializados em teatro, Branagh já teria até abandonado a direção de mais uma montagem de "Hamlet", com Jude Law no papel principal, para se dedicar ao projeto do Marvel Studios (dinheiro...).

Boato forte também é a possibilidade de Daniel Craig, o atual James Bond, encarnar o deus do trovão. Mas ele já disse que não dá para encarar dois personagens "heróicos" ao mesmo tempo, além de sair por aí com um cabelo enorme. Quem sabe se oferecerem uns dólares (ou euros) a mais ele topa? Certo mesmo é que o filme já tem data de estréia para 4 de junho de 2010.

domingo, 19 de outubro de 2008

Ensaio Sobre a Cegueira


"Uma coisa sem nome, essa coisa é o que somos"

É muito difícil procurar analisar criticamente um filme que tem por base o texto de uma obra literária que você já leu. Como é sabido, já é longa e desgastante a discussão sobre se é válido adaptar obras literárias para tela do cinema. Muitos afirmam que muito da obra original irá se perder, uma vez que seria impossível transportá-la para a tela grande sem que o material seja mutilado. Além disso, a literatura é uma forma de expressão eminentemente imaginativa. Cada leitor concebe os personagens de uma determinada forma, além das situações apresentadas, o que acaba impregnando a obra literária de uma enorme subjetividade, enquanto que o cinema lança a subjetividade a partir de imagens já previamente concebidas pelo autor. Se isso limita até certo ponto a subjetividade da platéia, por outro lado atiça com mais facilidade suas reações e emoções. Ademais, a vida humana é repleta de imagens. Nossas vidas muitas vezes parecem ser um longo filme, das quais somos os protagonistas inafastáveis.

A verdade é que esse embate entre cinema e literatura me dominou por completo durante a sessão de “Ensaio Sobre a Cegueira”, a adaptação de Fernando Meirelles para a obra do prêmio Nobel de Literatura José Saramago, o único autor em língua portuguesa a receber a honraria até hoje. Eu, como um dos admiradores do romance do escritor português, aguardei ansiosamente, ao mesmo tempo que “medrosamente”, a adaptação para as telonas desde que o projeto foi anunciado. A promessa era boa, pois que Meirelles é um diretor descompromissado com os interesses do cinema de mercado, além de ser um cineasta que leu a obra em sua língua natural, e não através de traduções (as quais sempre acabam perdendo algo da obra original). O filme acabou tendo sua premiére mundial no festival de Cannes deste ano, gerando simpatias e antipatias imediatas. A versão que chega ao circuito comercial restou diferente da exibida em Cannes e também das pré-exibições de teste realizadas no Canadá, as quais levaram uma parte do público a se retirar da sala de exibição na seqüência do estupro coletivo.

Mas, voltando ao meu dilema pessoal: já faz algum tempo que resolvi estabelecer como parâmetro para classificar um filme que se baseia em uma obra literária como bom ou ruim não o apego excessivo do roteiro ao texto original, mas sim a fidelidade do primeiro aos sentimentos e idéias que o segundo tenta transmitir. A essência em detrimento da forma, portanto. Mesmo assim, a tarefa não é fácil. Ainda mais quando se trata de uma obra extremamente complexa como é “Ensaio Sobre a Cegueira”. De qualquer forma, prometo que até o fim desta resenha chegarei a uma conclusão.

Se você não leu o livro e nem acompanhou as notícias do filme ao longo dos últimos meses, “Ensaio Sobre a Cegueira” trata de uma epidemia de uma estranha cegueira branca (“um mar de leite”) que contamina toda uma cidade indefinida (ou talvez um país ou o mundo inteiro, não se sabe ao certo). Devido ao alto contágio da doença, as autoridades resolvem isolar os infectados em um antigo manicômio abandonado, surgindo ali um microcosmo da sociedade onde, com o passar do tempo, as relações vão se tornando cada vez mais animalizadas. Apenas uma mulher continua a enxergar e ela começa a se sentir responsável por todos os outros que se tornaram limitados pela incapacidade visual. Vários são os subtextos apontados ao longo dos anos para a trama engendrada por Saramago. Alguns falam de sua defesa do socialismo, da dominação por aqueles que encontram algum instrumento de poder, da relação masculino x feminino... Na realidade, mesmo com todas essas metáforas plausíveis, creio que Saramago busca encontrar o humano, este ser que se encontra perdido em meio a sentimentos daninhos como a ganância, egoísmo, cobiça, opressão. Existem até mesmo elementos bíblicos a serem observados, já que o apóstolo Paulo converteu-se ao cristianismo após uma cegueira momentânea gerada por uma forte luz.

Transpondo estas idéias para as telas, Meirelles optou, para imergir o espectador também em um ambiente repleto de uma cegueira branca, por usar uma fotografia onde o branco predomina de forma abundante, que restou cinematograficamente muito interessante, muito embora a cor branca transmita uma idéia de “limpeza” que destoa do mundo caótico e imundo que Saramago descreve no livro. Apenas na seqüência do estupro coletivo e em uma certa cena no depósito de um supermercado temos a predominância dos tons escuros na fotografia. Por sinal, a tão comentada seqüência do estupro, que teria sofrido cortes por afastar o público das salas (segundo declarações do próprio Meirelles), resultou menos prejudicada do que vinha imaginando. Creio que o que é mostrado é suficiente para traduzir a atrocidade da situação. Mais do que isso poderia se tornar desnecessário. O público é inteligente, não precisa de tudo escancarado para entender os fatos narrados.

Um ponto que me trouxe incômodo foi a pressa do roteiro (escrito por Don McKellar) em chegar à situação do isolamento. O filme se beneficiaria de mais alguns minutos mostrando o contágio da população e, principalmente, apresentando os personagens que, mais tarde, exercem papel de destaque, como a Rapariga dos Óculos Escuros (interpretada por Alice Braga) e o Velho da Venda Preta (Danny Glover). Mesmo o Médico (Mark Ruffalo) tem sua vida e características apresentadas de maneira muito rápida. Ao longo do filme, a força e relação entre esses personagens acabam fazendo falta. Assim, o roteiro acaba por apresentar um lado “thriller” que talvez seja um “tique” do diretor brasileiro, já que o mesmo acostumou-se demasiadamente ao gênero. Mas, se a introdução é mais comprometida, alguns outros momentos também acabaram prejudicados, como a seqüência em que as mulheres tomam banho de chuva juntas (no livro a cena é mais longa, bela e emocionante). É bom que se diga: como um todo, uma meia hora a mais de duração cairia muito bem.

Por outro lado, não se pode negar que o cinema trouxe alguns benefícios para a obra. Meirelles é um excelente artífice de imagens. Além da “fotografia branca”, ele nos traz vários enquadramentos marcantes, que acabaram acrescentando uma maior carga emocional ou até mesmo crítica ao texto. A seqüência em que [SPOILER]o primeiro cego recupera a visão resultou belíssima (belo momento interpretativo de Yusuke Iseya, que não tinha me parecido muito convincente no restante do longa)[FIM DO SPOILER], algo que somente pode ser concebido através do cinema. E a idéia de diretor de [SPOILER] colocar as instruções apresentadas aos confinados através de uma televisão foi mesmo genial (no livro as instruções são passadas através de um sistema de som) [FIM DO SPOILER]. E, é bom ressaltar, há ocasiões em que imagens valem mais que 1000 palavras. O maior exemplo disso no longa são as cenas da cidade devastada (São Paulo como jamais alguém viu antes). Por mais que possamos imaginar ao ler o livro como é uma cidade habitada por semi-zumbis, o impacto das imagens não possui equivalente.

O filme conta ainda com boas atuações de Alice Braga, Mark Ruffalo e Gael Garcia Bernal (como o “rei” da ala 3). Mas quem rouba a cena mesmo é Julianne Moore, como a mulher do médico (até mesmo pela importância que lhe é atribuída pelo texto). Confesso que nunca fui muito fã dela (estou fugindo à regra, eu tenho consciência disso), mas Julianne realmente ficou perfeita na pele da personagem. E é interessante como sempre imaginei a personagem no livro com uma aparência semelhante à da atriz. Já Danny Glover, apesar de seu talento, acaba tendo pouca chance durante a projeção, já que o roteiro, de maneira até inexplicável, acabou diminuindo a participação do seu personagem. Uma pausa para um comentário adicional: não vi qualquer problema nas pequenas narrativas em “off” na voz de Glover em momentos específicos do longa. Alguns críticos diziam que soava “redundante” e “piegas”. Talvez por desconhecerem o livro não saibam que são trechos narrativos do mesmo. Essa implicância me pareceu coisa de “crítico chato” que, por não ter algo melhor a dizer, acabou falando bobagem (como costuma acontecer com freqüência, vale dizer).

Mas, você deve estar se perguntando, “e aí? O filme é bom ou ruim?”. Vamos à reposta que prometi algumas linhas acima: “Blindness” é um filme que tem problemas, como já salientado acima. Entretanto, antes de escrever esta resenha, conversei com algumas pessoas que viram o filme sem ter lido o livro antes. A impressão delas foi muito positiva e isso significa que o filme alcançou seu intento, qual seja, transportar o impacto e emoção do livro para a tela grande. Eu mesmo cheguei a me emocionar em algumas cenas e, se um filme consegue produzir isso mesmo em quem de antemão já conhecia todas as nuances de sua trama, ele com certeza é dotado de muitos méritos. De qualquer forma, o melhor crítico-juiz deste longa é José Saramago, sem dúvida. E é bom você saber que o Nobel de literatura chorou ao fim da sessão.

Cotação: **** (quatro estrelas).
Nota: 9,0

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Inglorious Bastards


Acima você está vendo o primeiro poster do novo filme de Quentin Tarantino: "Inglorious Bastards". Ou melhor, "Inglourious Basterds". A polêmica já se estabelece desde o título, pois Tarantino entregou o roteiro com as palavras grafadas desta última forma, com erros ortográficos e tudo (a sinopse oficial também trazia o título com os erros). Falando em sinopse oficial, confiram abaixo:

"Inglourious Basterds começa na França ocupada pelos nazistas, onde Shosanna Dreyfus (Mélanie Laurent) testemunha a execução de sua família pelas mãos do coronel nazista Hans Landa (Christoph Waltz). Shosanna consegue escapar e foge para Paris, onde cria uma nova identidade como dona de um cinema. Enquanto isso, também na Europa, o tenente Aldo Raine (Brad Pitt) organiza um grupo de soldados judeus para atacar alvos localizados. Conhecido por seus inimigos como Os Bastardos, o esquadrão de Raine se junta à atriz alemã e agente infiltrada Bridget Von Hammersmark (Diane Kruger) em uma missão para derrubar os líderes do Terceiro Reich. Os destinos convergem para o cinema onde Shosanna está planejando a sua própria vingança."

Como já ficou dito acima, Brad Pitt encabeça o elenco, que ainda conta com Mike Myers, Eli Roth e Daniel Brühl (o protagosnista de "Adeus, Lênin", lembram-se?).

Há muito tempo Tarantino prometia o seu "filme de guerra". Sabendo do gosto do diretor por cenas de violência, já dá para ter uma idéia de como será esta sua próxima realização que, por sinal, ele está prometendo a estréia para o festival de Cannes de 2009. As filmagens começaram esta semana e terão locações em Berlim e Paris. Mais um filme que todos devem acompanhar com atenção.

Mas, vou aqui repetir a pergunta: quando veremos "Death Proof" no Brasil??????!!!!!!!!!

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Aviso: "Blindness" em Natal!


Para os navegantes natalenses: "Ensaio Sobre a Cegueira" finalmente será exibido na Cidade do Sol, tanto no Cinemark quanto no Moviecom, a partir desta sexta-feira 17/10. Já não era sem tempo, hein? E não preparem a pipoca, pois esse não é filme para se ver comendo pipoca! Só resta agora esperar por "Linha de Passe". Aos poucos, a gente chega lá!

domingo, 12 de outubro de 2008

4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias

"A vida apenas, sem mistificação"

Aborto é, de fato, um dos temas mais complexos em debate nos dias que correm. Longe de ser apenas uma questão religiosa (quem afirma isso está sendo extremamente simplório) o tema mexe com aspectos também filosóficos, morais, éticos, jurídicos e mesmo científicos, já que a ciência até hoje não conseguiu resolver o centro dessa discussão: quando começa a vida de um ser humano? Será a partir da fecundação? Ou seria partir da nidação (fixação do óvulo fecundado no útero)? Alguns afirmam que seria a partir do início da formação do sistema nervoso central, entre outras hipóteses. Até mesmo a formação cultural de cada indivíduo acaba por influenciá-lo em sua posição relativa ao tema, um verdadeiro vespeiro, não há como negar. E é nesse vespeiro que Cristian Mungiu resolveu se meter com seu “4 meses, 3 semanas e 2 dias”.

Vencedor da Palma de Ouro em Cannes 2007, o filme é mais um dos grandes representantes do cinema romeno atual. Mas, ao contrário de outras produções do país de Nadia Comaneci, geralmente com um tom leve e bem-humorado (como “A Morte do Senhor Lazarescu”, de Cristi Puiu), Mungiu nos oferece uma obra pesada, áspera, tanto quanto o tema que pretendeu abordar. Assim, de antemão os espectadores devem estar avisados que não estão diante de uma versão romena de “Juno”, a famosa produção com Ellen Page que concorreu a vários Oscars este ano. O longa sequer possui trilha sonora e toda ação transcorre ao longo de um único dia nas vidas de Otilia (interpretada por Anamaria Marinca) e Gabriela (Laura Vasiliu), amigas que dividem o mesmo quarto na república estudantil onde moram.

A primeira cena já nos mostra um despertador em cima de uma mesa, elemento que faz o espectador perceber que o tempo terá uma influência significativa ao longo da projeção. As duas amigas planejam realizar algo que não pode ser dito abertamente, isso fica claro desde o início. Com uma câmera nervosa, que acompanha os passos das protagonistas em longos planos-seqüência (e também quase sempre fixada em seus rostos, estejam elas sentadas ou em pé), Mungiu nos mostra o caminho tormentoso das jovens numa Romênia (o ano é o de 1987), que ainda se vê às voltas com a carência de itens de consumo típicos do mundo capitalista. Não é necessário ser muito inteligente para entender que caminho tormentoso estou mencionando. Gabriela está grávida e procura fazer um aborto, sendo ajudada por Otilia. Falar mais do que isso sobre o roteiro do longa se torna perigoso, pois posso acabar revelando elementos da narrativa que, preferencialmente, não devem ser conhecidos por aqueles que ainda não a viram. O que posso mencionar é que o roteiro fará com que a platéia repense constantemente seus julgamentos, sejam eles “conservadores” ou “liberais”.

Alguns afirmam que a posição do diretor romeno resulta contra a uma Romênia antiquada, não apenas com relação ao sistema político-econômico, mas também com relação aos seus valores. Essa visão me parece extremamente simplista. Mungiu, em nenhum momento parece agir apaixonadamente. E as circunstâncias passadas pelas mulheres ao longo da trama, até mesmo no seu final (bastante irônico e sutil), poderiam resultar críveis em várias sociedades, seja a brasileira, americana, sueca, francesa, japonesa...

Talvez o grande tema de “4 meses, 3 semanas e 2 dias” seja a questão da responsabilidade. Em vários momentos do filme, os personagens são levados a se defrontar com a realidade de que todos aqueles eventos e situações são resultado de suas ações, sejam elas pensadas ou não. E, sob este aspecto, a obra se mostra extremamente feliz. Por mais que muitos tentem negar, uma gravidez indesejada é resultado de nossas escolhas. Vale dizer: toda nossa vida é feita de escolhas. Até os alimentos que você consome hoje trará conseqüências, seja num futuro próximo ou distante. E é interessante ver até que ponto pode ir um ser humano buscando fugir das responsabilidades decorrentes de suas atitudes. O individualismo exacerbado acaba por admitir que possamos nos livrar de um outro ser humano, mesmo que ainda em fase de formação, apenas com o intuito de não assumir uma responsabilidade para com ele. É como nos discurso tosco das feministas: “o corpo é da mulher e ela tem o direito de fazer o que quiser com ele”. Resposta: o corpo também era dela quando foi pra cama com um homem. A não ser que ela tenha sido estuprada, ninguém a obrigou a ter relações sexuais e hoje existem inúmeras formas contraceptivas aptas a evitar uma gravidez. Transformar o aborto em mais uma dessas formas é de um egoísmo monstruoso. Você deve estar pensando: “esse aí é contra a legalização do aborto”. Sim, sou inteiramente contra, pelo mesmo motivo que sou contra a pena de morte. Não pode ser dado a um ser humano tirar a vida de outro. E minha posição não tem origem religiosa, mas filosófica, moral e ética.

Mongiu, todavia, parece não querer assumir posições. Ele nos mostra a narrativa de forma objetiva e, ao fim da sessão, todos podem tirar suas próprias conclusões pró ou contra aborto. As ações dos personagens parecem se desenvolver sem qualquer interferência do cineasta. É como se estivéssemos ali assistindo, de forma privilegiada, aos fatos vivenciados pelas garotas, sem as mesmas tenham conhecimento disso. "A vida apenas, sem mistificação", como no famoso poema de Carlos Drummond de Andrade que coloquei como epígrafe desta resenha. Muito embora, em determinada seqüência (bastante forte, diga-se de passagem) eu tenha sentido que o diretor assume uma posição, a qual entendi próxima à minha. Mas será que entendi assim devido à minha prévia posição anti-aborto? Essa é exatamente a grande riqueza da película. Não trazer respostas prontas e desenrolar situações que podem fazer o assistente tomar ou não um partido. Muitos antes de oferecer respostas, nos traz questionamentos.

Contudo, um certo aspecto, até simples de ser resolvido, acabou me incomodando durante a projeção. O corpo magrinho de Laura Vasiliu está incoerente com o tempo de gravidez de sua personagem. Parece um aspecto banal, mas a verdade é que se trata de algo que qualquer espectador médio percebe. E isso incomoda. Acaba, em certos momentos, fazendo com que percamos a credibilidade nas cenas, apesar da grande atuação das duas protagonistas. E isso acaba tirando alguns pontos na minha cotação. De qualquer forma, o prêmio em Cannes lhe caiu muito bem.

Cotação: ****1/2 (quatro estrelas e meia)
Nota: 9,5.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Festival do Rio: Premiação

Saiu a premiação do Festival do Rio nesta última quinta-feira (09/10). O vencedor do prêmio de melhor longa de ficção, no júri oficial, foi "Se Nada Mais Der Certo" de José Eduardo Belmonte. Mas a grande sensação, de fato, foi o longa "Apenas o Fim", de Matheus Souza, um estudante de cinema da PUC - Rio. O filme levou o prêmio de melhor longa de ficção no voto popular e ainda a menção honrosa do júri oficial. Leiam sinopse oficial:

"Garota decide abandonar o namorado e fugir para lugar desconhecido. Antes de partir, ela decide encontrá-lo, mas eles têm apenas uma hora para fazer um balanço bem humorado de suas vidas. O roteiro traça um retrato da geração crescida nos anos 90, bombardeada por influências da cultura pop e avanços tecnológicos. É um filme com temática jovem, executado por jovens e representado por atores da nova geração do teatro e do cinema".

O filme já tem distirubuidora, a Estação , que lançará o filme em circuito ainda em data a ser definida.

Outro destaque foi o prêmio da Federação Internacional de Imprensa, dado para "A Mulher Sem Cabeça", da cineasta argentina Lucrécia Martel. Segue abaixo a lista completa:

VOTO POPULAR

Melhor Longa ficção: Apenas o Fim, de Matheus Souza


Melhor Longa documentário: Loki - Arnaldo Baptista, de Paulo Henrique Fontenelle


Melhor Curta: Urubus têm asas, de André Rangel e Marcos Negrão

JÚRI OFICIAL - Presidido por Wieland Speck e composto Camila Pitanga, Jorge Duran e Lita Stantic

Melhor longa-metragem de ficção: Se nada mais der certo, de José Eduardo Belmonte


Melhor longa-metragem documentário: Estrada real da cachaça, de Pedro Urano


Melhor direção ficção: Matheus Nachtergaele (A festa da menina morta)


Melhor direção documentário: Helena Solberg (Palavra (En)cantada)


Melhor ator: Daniel de Oliveira (A festa da menina morta)


Melhor atriz: Caroline Abras (Se nada mais der certo)


Melhor curta de ficção: Blackout, de Daniel Rezende


Melhor curta documentário: 69 - Praça da Luz, de Carolina Markowicz, Joana Galvão


Prêmio especial do júri: Jards Macalé - Um morcego na porta principal, de Marco Abujamra, co-direção de João Pimentel


Menção honrosa: Apenas o Fim, de Matheus Souza

Prêmio FIPRESCI - Júri da Federação Internacional da Imprensa:

A Mulher Sem Cabeça, de Lucrécia Martel


Prêmio melhor filme da Mostra Geração

Somos todos diferentes (Taare Zameen Par), de Aamin Khan - Juri Popular

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Estréia de "Blindness" nos EUA

E a estréia de "Ensaio Sobre a Cegueira", a adaptação do livro de José Saramago para as telas realizada pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles, foi um fracasso nos EUA. O filme ocupou apenas a 12ª posição em seu primeiro fim de semana, com apenas 2 milhões de dólares arrecadados e a pior média por sala. Mas, o que esperar do público americano? O campeão do fim de semana foi "Beverly Hills Chihuahua" (no Brasil, o filme terá o título "Perdido pra Cachorro"), sobre uma mimada cadela chihuahua que, como diz o título, mora em Beverly Hills... Alguns vão dizer "ora, mas é filme voltado para crianças". Pode até ser, mas vocês não tenham dúvidas que muitos adultos por lá preferem assistir a isso a um filme como "Blindness". É por essas e outras que eu ando muito satisfeito vendo a quebradeira generalizada na economia USA. Pelo menos, o filme de Meirelles está sendo um sucesso no Brasil...

Obs. Perdoem meu mau-humor, mas é que estou revoltado com o resultado das eleições em Natal.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Filmes Para Ver Antes de Morrer

Se Meu Apartamento Falasse


Wilder não envelhece

Billy Wilder é um dos mais geniais diretores de todos os tempos. Sim, vamos utilizar o verbo no presente, pois, apesar de falecido em 2002, Wilder mostra-se eterno a cada a nova visita à sua obra. E é interessante como ele conseguiu registros memoráveis em quase todos os gêneros cinematográficos, seja no drama (“Crepúsculo dos Deuses”), em películas de guerra (“Inferno nº 17”, onde repetiu com William Holden a feliz parceria do citado “Crepúsculo”) ou na comédia maluca, como em “Quanto Mais Quente Melhor”, um filme realmente lendário, em que o trio Jack Lemmon, Tony Curtis e Marilyn Monroe protagoniza algumas das cenas mais hilárias da história do cinema.

O maior talento de Wilder foi a sua perspicácia social revelada através da mais fina ironia. Talvez por ser um “estrangeiro” (de origem austríaca, chegou aos EUA fugindo do nazismo na Europa), o diretor, produtor e roteirista, via como ninguém a hipocrisia reinante na moralista sociedade norte-americana e, com uma ousadia muitas vezes espantosa até para os padrões atuais, dava um tapa na cara da platéia sem que esta se desse conta do golpe que lhe estava sendo desferido. Muitas vezes até fazendo-a rir, como no mencionado “Quanto Mais Quente Melhor” ou ainda em “O pecado Mora ao Lado” (lembram do filme em que a saia de Marilyn sobe? É esse mesmo!). E também neste “Se Meu Apartamento Falasse” (feliz título brasileiro para “The Apartment”), sem dúvida um dos mais ácidos de sua obra, ao mesmo tempo em que demonstra ainda acreditar no caráter de um ser humano.

Talvez este seja também seu filme mais equilibrado, dosando bem elementos de comédia, drama e romance, além do já citado viés anti-moralista do diretor, que sempre sofreu com a censura reinante em Hollywood. O roteiro, de autoria do próprio Wilder em parceria com Izzy Diamond (e que teria sido baseado em um escândalo envolvendo estrelas de Hollywood à época), mostra a vida de C. C.Baxter (interpretado pelo genial JackLemmon), um funcionário que trabalha no 19º andar de uma importante seguradora em Nova York. Ele seria apenas mais um dos muitos empregados não fosse um fato curioso: o seu apartamento, que se situa a algumas quadras dali, é usado por seus superiores para encontros com amantes. Em troca deste favor, Baxter conta com a ajuda dos chefes para galgar postos mais altos nos escalões da empresa. Oportunidade ainda maior surge quando o sr. Sheldrake (Fred MacMurray), o presidente da seguradora, toma conhecimento dos seus “favores” e pede a ele a chave do apartamento para um encontro amoroso. Mal sabe Baxter que a amante do todo-poderoso é a srta. Fran Kubelik (Shirley MacLaine, ótima), ascensorista pela qual sempre teve interesse romântico.

Vê-se, de antemão, que os personagens estão longe de serem unidimensionais, como acontece de forma tão freqüente no cinema "made in USA". Baxter, mesmo não sendo um mau caráter, usa de formas não muito elogiáveis para ascender profissionalmente, assim como a personagem da srta. Kubelik passa uma impressão de respeitabilidade para todos na firma, muito embora seja a amante de um homem casado. Aliás, Wilder sempre explorou a dubiedade de caráter em seus personagens, bastando lembrar o exemplo clássico do personagem de William Holden em “Crepúsculo dos Deuses”. O diretor chegou até mesmo a ser convidado a palestrar na então Alemanha Oriental por mostrar em sua obra que na sociedade capitalista todos acabam “se vendendo”.

Obviamente, Wilder não deixa o longa padecer de diálogos afiados. Sua pena está criativa como nunca, e várias falas marcantes pontuam a projeção. Memorável o diálogo em que Baxter afirma: “Você ouviu o que eu disse, srta. Kubelik? Eu simplesmente te adoro” e ela simplesmente responde “Cale a boca e dê as cartas”. As emoções dos personagens, por sinal, são, em geral, mostradas de forma contida, sem grandes arroubos. E mesmo as situações de comédia são tênues quando comparadas ao filme imediatamente anterior de Wilder, “Quanto Mais Quente Melhor”. Se neste Wilder joga para o espectador as situações mais hilariantes, fazendo-o gargalhar do início ao fim da projeção, em “Se Meu Apartamento Falasse” o riso é contido, dentro de situações que poderiam ser perfeitamente vivenciadas pelos assistentes da platéia. Talvez até mesmo Wilder não quisesse passar a ser visto como um autor escrachado, o que o fez contrapor o tom deste ao do anterior. Wilder também não deixa de utilizar elementos cênicos a seu favor, como a raquete de tênis que Baxter utiliza como escorredor de macarrão (assim como em “O pecado Mora Ao Lado” as escadas acabam tendo uma verdadeira “atuação”). Aliás, existem até vários elementos de comunicação perceptíveis entre os dois filmes, como o fato dos personagens de Lemmon e Tom Ewell (em “O Pecado...”) residirem em apartamentos e encontrarem-se solteiros (mesmo que o último apenas “momentaneamente”).

Dono de 5 Oscars (filme, diretor, roteiro original, edição e direção de arte), “Se Meu Apartamento Falasse” é mesmo um filme para ser visto e lembrado. Uma obra que será atual mesmo daqui a 100 ou 200 anos. Acima, comentei que Wilder se saía bem nos mais diversos gêneros. Em qual deles este poderia ser classificado? Provavelmente como “comédia romântica”. Todavia, sua qualidade nem de longe lembra a pobreza de conteúdo que domina esse gênero nos anos 2000. Cameron Diaz pode ser bonitinha (e gostosa!), mas o cinema tem que ter algo além da beleza de seus intérpretes. Wilder, mesmo trabalhando com belas atrizes, sabia disso. Em qual comédia romântica que hoje passa nos cinemas poderíamos ver um diálogo como este: “o espelho... está quebrado''. -''Eu sei. É assim que eu gosto. Assim também me vejo como me sinto''? E o cineasta acabou cumprindo a promessa que fez ao funcionário da embaixada americana que lhe concedeu o visto em 1934 para que permanecesse em Hollywood: “fazer bons filmes”.

Cotação: ***** (cinco estrelas)
Nota: 10,0

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Haja paciência!

É impressionante como muitos filmes demoram para chegar ao Brasil. Existe algo de espantoso na estupidez dos distribuidores. "Ponyo On The Cliff By The Sea", o novo longa de Hayao Miyazaki, o gênio da animação japonesa, terá sua estréia no Brasil apenas em junho do ano que vem. Isso depois de a Playarte não ter conseguido cumprir as exigências dos distribuidores japoneses para a exibição do longa no Festival do Rio 2008... Também está na cara que a Playarte imagina que os maiores interessados na animação sejam os pequenos (perto das férias, perceberam?) o que, todos sabem, não corresponde à realidade.

E só para pontuar meu comentário sobre esses atrasos brasileiros: onde está "Death Proof", a outra metade do projeto "Grind House", dirigida por Tarantino? Alguém, por favor, deste sistema solar ou de outro mais próximo, sabe quando teremos oportunidade de ver esse filme, nem que seja só em DVD????!!!!