domingo, 28 de dezembro de 2008

Sete Vidas

Exagero

Nos últimos anos, Will Smith vem tentando mudar sua imagem. Ator de enorme sucesso, seguramente o que leva mais espectadores às salas de cinema hoje, ele tem procurado se mostrar não apenas como uma estrela, mas também como um ator capaz de interpretações realmente significativas e consistentes. Exemplos disso são filmes como “Eu Sou A Lenda” o qual, em que pese tratar-se de uma ficção científica repleta de ação, dá espaço para que Smith trabalhe seus dotes interpretativos; e, principalmente, “À Procura da Felicidade”, longa que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor ator.

E foi lembrando do sucesso obtido tanto artisticamente quanto comercialmente por “À Procura da Felicidade” que Smith resolveu apostar na mesma parceria com o diretor Gabriele Muccino. Aliás, decidiu não só repetir a parceria com o diretor como também o tom dramático da narrativa. “Sete Vidas”, o resultado desse novo trabalho em conjunto, é, tal como o anterior, um daqueles filmes para fazer você chorar, cheio de manipulações e elementos postos no roteiro para fisgar o espectador. Além de, neste caso, uma certa dose de exagero.

A trama fala de Ben Thomas (Smith, competente, embora já tenha tido atuações melhores), um auditor da Receita Federal dos EUA que busca ajudar sete pessoas. No entanto, para que elas recebam tal ajuda, ele investiga se as mesmas são merecedoras, se são ou não bons seres humanos. Muito embora esta premissa não seja corriqueira, ela, desde já, mostra-se bastante presunçosa. Afinal de contas, trata-se de um ser humano julgando outros como merecedores ou não de serem ajudados. Mas quem é Ben Thomas para se atribuir tal missão? O novo Jesus Cristo? Deus?

À parte essa discutível questão ético-filosófica, o roteiro (escrito por Grant Nieporte, em seu primeiro trabalho no cinema) é bastante eficiente em esconder, nos primeiros momentos, quais a verdadeiras intenções de Ben e suas motivações. Até mesmo pela narrativa em flashback, que inicia com o protagonista tentando suicídio em uma banheira e ligando para o serviço de emergência para informar justamente sobre o seu estado. Além disso, mostra-nos um personagem inconstante, que não nos desperta uma simpatia imediata, já que alterna momentos de agressividade com outros igualmente afáveis.

Aos poucos, Ben conhece os personagens com quem travará uma relação mais próxima no decorrer do longa, entre eles Ezra (Woody Harrelson, em boa atuação), um cego que trabalha em um serviço de atendimento por telefone, e Emily, uma mulher ainda jovem que sofre de um grave problema cardíaco que pode levá-la à morte a qualquer momento. Interpretada de forma inspirada por Rosario Dawson, Emily se mostra a personagem mais interessante da projeção. A aproximação entre ela e Ben, aliás, apesar de algumas nuances que parecem forçadas no início, é o que há de mais interessante em toda a trama. A carência da personagem, compreensível pelo seu grave estado de saúde, é mostrada sem exageros, na medida certa, e a química do casal funciona muito bem.

Contudo, à medida que avança para o seu desfecho, o filme embarca no piegas e melodramático de forma irremediável e também previsível (muitos matarão a charada algum tempo antes da mesma ser solucionada na tela). E, além do piegas, o longa envereda pelo exagero, o que faz lembrar que, ao produzir e atuar em um projeto como esse (e também a julgar pelas características dos seus últimos personagens), Smith talvez esteja querendo se passar por um novo Cristo ou algo do tipo. Melhor procurar apenas imaginar que seu personagem está sofrendo de uma depressão irremediável e que por isso comete os atos que comete. Afinal de contas, Will Smith parece ser um cara legal e não um chato pedante que quer salvar o mundo fazendo cinema.

Obs. O título em inglês, “Seven Pounds”, remete a “O Mercador de Veneza”, peça de William Shakespeare, e traduz uma situação em que alguém é levado a pagar uma dívida de forma inteiramente desproporcional.

Cotação: **1/2 (duas estrelas e meia)
Nota: 6,0

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Filmes Para Ver Antes de Morrer


A Felicidade Não Se Compra
(It's A Wonderful Life)


"Quem tem amigos nunca é um fracasso"


Há algum tempo, às vésperas do Natal, eu aguardava receber um telefonema que, naquela época, seria de grande importância. Eu estava muito interessado em uma garota e, por uma série de razões que levariam muitas linhas para explicar, receber uma ligação dela naquele momento poderia significar uma aproximação ainda maior entre nós dois. Então, precisamente no dia 23 de dezembro, o meu celular toca no momento em que eu estava assistindo a um filme que há muito vinha querendo assistir. Quem me conhece sabe que detesto ser interrompido quando estou vendo algum longa (daí minha eterna preferência por ver filmes na sala escura do cinema) e levantei para atender o telefone bastante irritado. Qual não é a minha surpresa quando vejo o nome dela na tela do aparelho e, de repente, senti-me invadido por uma onda de alegria.

O filme a que eu estava assistindo era justamente “A Felicidade Não Se Compra”, clássico absoluto do cinema norte-americano dirigido por Frank Capra, um dos mais importantes diretores de Hollywood. E talvez este seja seu longa definitivo, aquele que representa melhor o seu cinema otimista imbuído dos melhores valores que caracterizaram o sonho americano.

Hoje um tanto quanto esquecido, Capra foi um dos diretores mais populares durante o período da grande depressão e da segunda grande guerra. As pessoas costumavam aguardar ansiosamente as suas estréias, sendo seus filmes grandes sucessos de público e crítica, tais como “A Mulher Faz O Homem” e “Do Mundo Nada Se Leva”. Todavia, “A Felicidade Não Se Compra”, seu primeiro filme do pós-guerra, acabou não obtendo o sucesso esperado, principalmente junto à crítica, que o considerou exageradamente otimista num tempo em que se buscavam obras com caráter mais realista e menos “manipulador”. Ao longo dos anos, entretanto, e felizmente, o reconhecimento deste belo filme foi crescendo cada vez mais. Devido a uma série de meandros jurídicos que aqui se tornam inteiramente dispensáveis, o longa caiu em domínio público de forma prematura, o que acabou levando várias emissoras a exibirem-no durante as festas de fim de ano. Fato que, por sinal, transformou-se em algo quase religioso nos EUA. Em todo Natal ele é exibido, o que o coloca como um dos filmes mais populares em todos os tempos na terra do Tio Sam. E, é bom dizer, com todos os méritos.

A narrativa trata da vida de George Bailey, personagem interpretado por um dos atores mais carismáticos do cinema, James Stewart. George é um bom homem, querido por todos em Bedford Falls, pequena cidade onde vive desde a infância. Apesar do amor que sente pela comunidade, George tem um espírito aventureiro e sonha em viajar pelo mundo. Todavia, as obrigações e seu senso de responsabilidade parecem sempre impedir a concretização de seus desejos aventureiros. Após a morte do pai e seu casamento com Mary (Donna Reed), George passa a administrar a cooperativa habitacional de Bedford Falls, tornando-se alvo do inescrupuloso Sr. Potter (Lionel Barrymore, perfeito no papel do vilão), poderoso empresário local que pretende se tornar uma espécie de dono da cidade e, obviamente, os Bailey se tornam um obstáculo neste sentido. Fazendo de tudo para atingir seus objetivos sórdidos, Potter leva George a uma situação quase inescapável, um beco sem saída. George então vai até a ponte da cidade tentar o suicídio, em uma noite de Natal, quando Clarence (Henry Travers), um anjo de segunda classe que ainda precisa ganhar suas asas, salva Bailey, muito embora não consiga demover a sua idéia de que era melhor que nunca tivesse existido. Para convencê-lo de que está errado, o anjo faz com que George veja como seriam as vidas das pessoas que o cercam caso ele, de fato, nunca tivesse existido.

Esta alegoria do “O que aconteceria se...” mostra-se extremamente eficaz e emocionante. Copiada muitas vezes ao longo dos anos, ela revela o quanto as ações de um ser humano, por mais banal que a vida deste possa parecer, podem afetar a vivência de outras pessoas. Ademais, Capra parece extremamente preocupado com a importância dos pequenos sonhos. Afinal, Bailey tem lá seus devaneios aventureiros, mas é naquela comunidade e no seio de sua família que ele de fato se realiza, se torna um homem feliz.

É interessante também perceber o viés crítico que Capra demonstra com relação a certos elementos do capitalismo que viriam a se tornar dominantes nas décadas seguintes, mormente na sociedade americana. O personagem de Potter representa claramente aquilo que a América viria a ser: o símbolo do dinheiro como um fim em si mesmo, ideário que se mostrou um fracasso diante da atual crise mundial do sistema. Contrapondo-se a isso, temos o personagem de Bailey, o qual representa o que poderíamos chamar de “capitalismo ideal”, em que o individual não suplanta o coletivo. Neste aspecto, é mais interessante ainda notar que o filme realmente não envelheceu, permanecendo bastante relevante (curioso como o sonho da casa própria continua sendo tão difícil depois de décadas). Cabe também destacar que o longa muitas vezes se mostra como uma comédia de costumes, tendo várias tiradas de conotação sexual.

Além de suas matizes temáticas, “A Felicidade Não Se Compra” mostra-se uma aula de cinema em seus aspectos técnicos. Com uma interessante narrativa em flashback, a qual nos mostra a infância e juventude de George até chegarmos ao momento crucial de seu desejo de suicídio, Capra demonstra como contar uma boa história prendendo o espectador do início ao fim, com um roteiro primoroso (suas eventuais elipses devem ser creditadas à edição que chegou aos nossos dias, que não é a mesma da original). As atuações também são impecáveis. James Stewart está brilhante e Lionel Barrymore, como ressaltado acima, empresta uma caracterização perfeita para o vilão Sr. Potter, mesmo que possam alguns taxá-la de caricatural, o que neste caso não é um problema. A intenção de Capra é mesmo colocar o preto-no-branco. Seus personagens são arquétipos sociais e estão postos ali para compreendermos claramente a mensagem que o diretor pretende passar.

Bem, o mais importante ao concluir esta resenha é afirmar: este é um filme realmente emocionante, daqueles capazes de fazer chorar o mais cético dos corações. Se você não se emocionar, talvez seja porque está faltando algo de humano em sua pessoa. Uma obra para a posteridade, para ser vista através de gerações, o tipo de filme que gostaríamos de ter a oportunidade de mostrar para os nossos filhos. Portanto, se você está procurando um filme “família” para ver neste Natal, não tenha dúvidas: “It’s a Wonderful Life” é insuperável neste quesito. Garanto que no próximo Natal todos desejarão revê-lo.

Ah, mas e aquela história que eu contei no início da resenha, como terminou? Bem, deu tudo errado. Hoje, praticamente nem nos falamos mais, trocando no máximo frios cumprimentos “por educação”. Mas... o que realmente importa é que naquele dia tive a real sensação de que a felicidade, verdadeiramente, não se compra (por mais clichê que isso possa parecer). Nenhum dinheiro do mundo compensaria a alegria daquele telefonema...

Obs. Frank Capra, em visita ao Brasil alguns anos depois do lançamento do filme, acabou se surpreendendo com o título brasileiro, considerando-o melhor que o original. Creio que ele tinha razão. ;)

Cotação e nota: Obra-prima.

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Um ótimo Natal e um 2009 repleto de realizações para todos!

Um abraço do tamanho de sua felicidade!

Fábio Henrique Carmo!

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Indicados ao Globo de Ouro

Foi divulgada hoje a lista de indicados ao Globo de Ouro 2009, o mais importante prêmio da indústria norte-americana depois do Oscar. Na minha última postagem, noticiei que a campanha de marketing da Warner para a premiação póstuma de Heath Ledger começava a gerar seus frutos. E aqui temos mais uma prova: o falecido ator encontra-se entre os finalistas na categoria melhor ator coadjuvante-drama. Mas aqui também vai uma crítica: não só o Globo de Ouro, como alguns outros prêmios de gabarito (por exemplo, o da Associação de Críticos de Nova York) vêm ignorando solenemente "O Cavaleiro das Trevas" em outras categorias, como filme, à exceção da Associação de Críticos de Los Angeles, que colocou Batman em segundo lugar entres os melhores filmes de 2008 (perdeu para Wall-E) . E eu só posso atribuir essa atitude a puro preconceito com os filmes baseados em HQs de super-heróis. Como também me parece preconceito a ausência de Benício Del Toro nessas premiações. Talvez premiar uma interpretação de Che Guevara ainda seja demais para os americanos.

Bem, mas falando especificamente do "Globo de Ouro", que está em sua 66ª edição, os filmes com mais indicações na categoria drama foram "O Curioso Caso de Benjamin Button" , de David Fincher, "Frost/Nixon", de Ron Howard, e "Dúvida" de John Patrick Shanley. Na categoria comédia, destaca-se "Vicky Cristina Barcelona", com 4 indicações, que já resenhei aqui no blog (confira mais abaixo). Por sinal, a Penélope Cruz está papando todos os prêmios até agora como atriz coadjuvante. Confira a lista completa dos indicados na área de cinema (não me venham pedir séries, por favor):

Melhor filme - Drama
Apenas um Sonho
O Curioso Caso de Benjamin Button
Frost/Nixon
The Reader
Slumdog Millionaire

Melhor filme - Comédia ou musical
Na Mira do Chefe
Mamma Mia!
Queime Depois de Ler
Simplesmente Feliz
Vicky Cristina Barcelona

Melhor diretor
Danny Boyle (Slumdog Millionaire)
Stephen Daldry (The Reader)
David Fincher (O Curioso Caso de Benjamin Button)
Ron Howard (Frost/Nixon)
Sam Mendes (Apenas um Sonho)

Melhor atriz (drama)
Anne Hathaway (O Casamento de Rachel)
Angelina Jolie (A Troca)
Kristin Scott Thomas (Il y a Longtemps que je T'aime)
Meryl Streep (Dúvida)
Kate Winslet (Apenas um Sonho)

Melhor ator (drama)
Leonardo DiCaprio (Apenas um Sonho)
Frank Langella (Frost/Nixon)
Sean Penn (Milk – A Voz da Igualdade)
Brad Pitt (O Curioso Caso de Benjamin Button)
Mickey Rourke (The Wrestler)

Melhor atriz (comédia ou musical)
Rebecca Hall (Vicky Cristina Barcelona)
Sally Hawkins (Simplesmente Feliz)
Frances McDormand (Queime Depois de Ler)
Meryl Streep (Mamma Mia!)
Emma Thompson (Last Chance Harvey)

Melhor ator (comédia ou musical)
Javier Barden (Vicky Cristina Barcelona)
Colin Farrell (Na Mira do Chefe)
James Franco (Segurando as Pontas)
Brendan Gleeson (Na Mira do Chefe)
Dustin Hoffman (Last Chance Harvey)

Melhor filme estrangeiro
The Baader Meinhoff Complex (Alemanha)
Everlasting Moments (Suécia)
Gomorra (Itália)
Il y a longtemps que je t’aime (França)
Waltz with Bashir (Israel)

Melhor filme de animação
Bolt - Supercão
Kung Fu Panda
Wall-E

Melhor atriz coadjuvante
Amy Adams (Dúvida)
Penelope Cruz (Vicky Cristina Barcelona)
Viola Davis (Dúvida)
Marisa Tomei (The Wrestler)
Kate Winslet (The Reader)

Melhor ator coadjuvante
Tom Cruise (Trovão Tropical)
Robert Downey Jr. (Trovão Tropical)
Ralph Fiennes (A Duquesa)
Phillip Seymour Hoffman (Dúvida)
Heath Ledger (Batman – O Cavaleiro das Trevas)

Melhor roteiro
O Curioso Caso de Benjamin Button
Dúvida
Frost/Nixon
The Reader
Slumdog Millionaire

Melhor trilha sonora
O Curioso Caso de Benjamin Button
Defiance
Frost/Nixon
Slumdog Millionaire
A Troca

Canção

“Down to Earth”, música de Peter Gabriel, letra de Peter Gabriel e Thomas Newman) - Wall-E
“The Wrestler” música e letra de Bruce Springsteen - The Wrestler
“I Thought I Lost You”, música e letra de Miley Cyrus e Jeffrey Steele - Bolt - Supercão
"Gran Torino", música de Clint Eastwood, Jamie Cullum, Kyle Eastwood, Michael Stevens, letra de Kyle Eastwood, Michael Stevens - Gran Torino
"Once in a Lifetime", música e letra de Beyoncé Knowles, Amanda Ghost, Scott McFarnon, Ian Dench, James Dring, Jody Street - Cadillac Records

Para concluir: 1) Tom Cruise indicado como coadjuvante por "Trovão Tropical"...????; 2) Não confiem no Globo de Ouro como termômetro para o Oscar. Já faz um tempo que isso deixou de ser verdade. A entrega do prêmio está marcada para 11 de janeiro.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Já Começou


A campanha promovida pela Warner para que Heath Ledger seja premiado postumamente pelo seu desempenho em "Batman - O Cavaleiro das Trevas" já começou a dar seus frutos. Ele foi escolhido como melhor ator na premiação da AFI, o instituto de cinema australiano, em uma categoria que engloba atores de todo o mundo. Ele foi aplaudido de pé enquanto sua irmã, Kate, lhe representava recebendo o prêmio. A Warner vem até pagando anúncios nas principais revistas de cinema para promover a candidatura de Ledger ao Oscar. Pelo que podemos vislumbrar, a próxima edição da premiação da Academia de Hollywood será disputadíssima no quesito melhor ator. Além de Ledger, serão possíveis indicados Benício Del Toro, por Che; Clint Eastwood, por Gran Torino e Mickey Rourke, por The Wrestler. Mas é provável que Ledger seja indicado como coadjuvante, (como denuncia a imagem acima, um dos anúncios) o que praticamente lhe garantiria a láurea. Aguardemos.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Dica de Livro


Esta semana adquiri um exemplar do livro "1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer". É bastante interessante o apanhado realizado nesta obra, trazendo filmes dos primórdios do cinema, como "Viagem à Lua", até obras contemporâneas como a trilogia "O Senhor dos Anéis". Todavia, o que mais me chamou a atenção foi o fato de, mesmo em uma lista com 1001 filmes, ainda ocorrerem grandes injustiças e até absurdos. O mais notável neste quesito é a ausência "O Grande Ditador", um dos filmes mais famosos de Charles Chaplin, genial e até inquestionável e "Um Dia Muito Especial", de Ettore Scola, um dos mais belos filmes da história do cinema. Contudo, também fiquei espantado com a quantidade de filmes brasileiros presentes, até porque entre os críticos responsáveis pela seleção não há um brasileiro sequer. Recomendo a todos, tanto aos iniciantes quanto aos graduados. Essas listas sempre servem como referência e o preço é bem em conta (principalmente se levarmos em consideração a quantidade e qualidade de suas páginas).

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Vicky Cristina Barcelona


Esse inconstante ser humano...

Créditos iniciais com fundo preto, letras brancas e elenco disposto em ordem alfabética. Assim, sem nenhuma pompa ou estrelismos começam todos os filmes de Woody Allen, o genial diretor nova-iorquino, um dos grandes autores do cinema contemporâneo. Pode parecer estranho, mas foi a primeira vez que acompanhei esses créditos em uma sala de cinema. Todos os filmes anteriores de Allen tinha visto em casa, seja através de vídeo/DVD, seja nos canais de televisão. Interessante que a minha primeira experiência com a obra de Allen na tela grande tenha sido justamente com seu filme mais latino, com aquele tom “caliente” tão comum a nós, mas um tanto distante do que ele costuma apresentar em seus filmes, onde normalmente o sexo é muito mais falado que mostrado.

Não que haja exatamente cenas de sexo em “Vicky Cristina Barcelona”. Não há, pelo menos não nos padrões explícitos do cinema atual. Mas existe um incomum clima de sedução, ameno e, ao mesmo tempo, constante (tal como a trilha sonora peculiar) que permeia toda a trama, em contraste com os relacionamentos neuróticos tão comuns na obra do renomado cineasta. Todavia, tais relacionamentos neuróticos também se fazem presentes neste novo Allen. Ou seja, o velho Woody conseguiu respirar novos ares sem deixar de lado os antigos. O resultado é que temos um filme que soa atípico em sua obra, mas cheio de notas que fazem com que reconheçamos imediatamente tratar-se de um filme seu.

Tudo começa quando as amigas Vicky (Rebecca Hall, bela e talentosa) e Cristina (Scarlett Joahansson, linda, porém um tanto “bibelô”) chegam a Barcelona para uma temporada de 3 meses em que a primeira se dedicará a um curso sobre cultura catalã. Ambas partilham gostos e interesses, mas divergem em um ponto fundamental: o que esperam do amor. Vicky vê o amor de maneira tradicional. Ela está noiva de um homem que também se pode dizer tradicional ou “fabricado em série”, como diz Cristina. Já esta não sabe exatamente o que quer, o que esperar do amor, só sabe exatamente o que não quer: aquilo que pode ser definido como tradicional.

E é em Barcelona, com seu clima cheio de tempero, que as duas conhecem o artista Juan Antônio (Javier Bardem, esbanjando talento, como de hábito), um boêmio sedutor que se interessa pelas duas e as duas acabam se interessando por ele. Enquanto Vicky, a comedida e conservadora, tenta resistir às investidas do pintor, Cristina não vê qualquer problema em se entregar rapidamente ao mesmo. Juan Antônio, por sua vez, saiu de um casamento tempestuoso, com um divórcio mais tempestuoso ainda, em que sua esposa, Maria Elena (Penélope Cruz, bela e visceral) tentou matá-lo esfaqueado. Todavia, Juan Antônio ainda a ama, e o triângulo amoroso inicial torna-se um quadrado com o retorno de Maria Elena.

É interessante como Wooy Allen sabe transportar para seus tipos a atmosfera das cidades onde suas tramas de desenvolvem. Ele consegue transformar o ambiente em mais um componente essencial da trama, um verdadeiro personagem. Caso clássico é encontrado em “Manhattan” e, para citarmos um exemplo recente, Londres também se mostra uma verdadeira personagem em “Match Point”. E aqui não é diferente. O ambiente de Barcelona, alegre, boêmio e ensolarado, estimula a sensualidade dos seus moradores e visitantes e seria difícil vermos personagens tão abertos em uma cidade friorenta e macambúzia. O maior exemplo disso é Vicky, cujo temperamento comedido não resiste às novas experiências vividas na capital da Catalunha.

Suas certezas anteriores, quais sejam, um bom casamento, desenvolvimento profissional ou aquisição de um bom imóvel como sinais de felicidade caem por terra ao conhecer Juan Antônio, o pintor sedutor que lhe traz uma nova expectativa do amor. Já Cristina, que nunca teve certeza do que queria, apenas do que não queria, vive experiências que sempre ansiou por viver até descobrir que estas também não era exatamente o que ela queria... Mesmo aqueles que encontram exatamente o que querem, como Maria Elena, têm de lidar com a dura constatação de que esta satisfação é momentânea.

Já havia algum tempo que Allen não criava personagens tão ricos e também longe de apenas representarem suas neuras. Claro que suas inquietações estão lá, principalmente representadas através das personas de Vicky e Maria Elena. Contudo, as mesmas não se limitam a isso, possuem vida e elementos próprios. De se destacar a atuação de suas intérpretes que com certeza contribuíram muito para a riqueza das personagens. Rebecca Hall traz uma aura de verdade para Vicky que impressiona, além de possuir uma beleza não óbvia que faz Scarlett Johansson tornar-se uma boneca de comercial. Claro que Scarlett é sexy, mas às vezes sua beleza um tanto clara demais acaba prejudicando, principalmente porque ela parece , nos últimos filmes, estar utilizando isso como muleta para momentos pouco inspirados de atuação. O oposto de Penélope Cruz, a qual sabe usar sua sensualidade a favor de seus papéis. Já Juan Antônio, nas sempre ótimas atuações de Javier Bardem, parece representar aquilo que Allen gostaria de ser e não é. Ou melhor, o que talvez todo homem gostaria de ser: um sedutor, capaz de atrair as mais variadas mulheres, dominando-as ao mesmo tempo que as ama. Curioso que Juan Antônio me fez lembrar do personagem de Nick Nolte em “Contos de Nova York”. Os dois parecem depender da presença feminina para produzirem enquanto artistas. O que lembra logo a idéia de que um homem fica meio perdido no mundo sem as mulheres (com certeza há algo de verdade nisso...).

Assim, com uma paleta viva de cores poucas vezes vista em sua obra (Barcelona com certeza inspira...) e um narrador em off que dá aquele tom de “conto de verão”, o velho Woody nos lembra que não existe nada que defina o amor; apenas não conseguimos viver sem ele. Assim como somos todos inconstantes, eternos insatisfeitos que não sabemos exatamente o que desejamos da vida. Por mais que tentemos planejá-la, ela nos traz grandes surpresas que nos desafiam. As certezas existem apenas para um dia descobrirmos que não eram tão certezas assim.

Obs. Allen tem, neste filme, seu momento Hitchcock, aparecendo rapidamente em uma das cenas. Tente descobrir qual é.

Cotação: ****1/2 (quatro estrelas e meia)
Nota: 9,5