domingo, 15 de fevereiro de 2009

A Troca


Não é só a mamãe Jolie...

Desde que apresentado no último Festival de Cannes, “A Troca” vem sendo acusado de ser um filme menor de Clint Eastwood, um longa que fugiria às próprias características do diretor, o qual teria carregado nas tintas emocionais em favor do trabalho de sua atriz, Angelina Jolie, abrindo espaço para que esta demonstrasse todos os seus dotes interpretativos no papel de uma mãe ferida. Há algo de verdade e também de exagero nessas afirmações, além de uma certa miopia.

Miopia porque os críticos pareceram não enxergar que este é um filme legítimo de Clint Eastwood. Vários de seus velhos temas são retomados nessa trama, baseada em fatos reais, onde é mostrada a história de Christine Collins (Jolie), uma mãe solteira na Los Angeles do final dos anos 20 cujo filho, Walter, desaparece misteriosamente de sua residência enquanto ela trabalhava. O caso ganha grande repercussão na cidade e, após 5 meses de investigações, a polícia apresenta um garoto como sendo o filho de Christine. Esta, todavia, vê de imediato que não é o seu filho, mas é convencida pelos policiais a levá-lo para casa. Contudo, ao longo dos dias que se seguem, Christine insiste na sua afirmação e acaba sendo acusada de louca pelos agentes que veem na solução deste caso uma forma de recuperar o prestígio abalado da polícia de L.A., acusada de enormes casos de corrupção.

Clint mais uma vez volta ao tema da mulher que enfrenta um mundo eminentemente masculino. Essa experiência já havia sido feita em “Menina de Ouro”, onde a personagem de Hillary Swank é a única mulher em uma academia de boxe, tentando obter sucesso em um esporte dominado por homens. Aqui, Christine, numa sociedade em que ainda não havia ocorrido a emancipação feminina, desafia uma corporação corrupta também dominada por homens. Eastwood até sublinha de forma acentuada esse choque ao mostrar o ambiente de trabalho da personagem, a qual é coordenadora de uma central telefônica onde há um predominante contingente feminino e, pouco depois, mostrar a mesma Christine cercada por policiais. Por outro lado, o septuagenário diretor também retorna ao tema da violência cometia contra crianças, algo que já havia feito em “Sobre Meninos e Lobos”. E mais: a farsa engendrada pelo próprio Estado já havia sido tema de “A Conquista da Honra”, onde verdades são fabricadas como forma de propaganda de guerra, e aqui como meio de tentar recuperar a imagem de uma instituição. Até mesmo a forma da narrativa mostra-se inegavelmente concebida por Clint, com seu estilo clássico por excelência, sem invencionices ou virtuosismos desnecessários, com trilha sonora (composta pelo próprio) amena e nunca invasiva, e roteiro (de J. Michael Straczynski) claro e direto. Há, realmente, muito do cinema de outras eras aqui, até no logo inicial da Universal Pictures, reproduzido tal como o era nos anos em que se passa a narrativa (em preto e branco, bem distante do hoje colorido e vistoso símbolo do estúdio).

Por outro lado, é verdade que o filme parece cair um pouco no apelo melodramático, algo incomum na carreira de Eastwood, mas que pode ser explicado pela própria temática abordada. Afinal, trata-se uma mãe em busca da sua prole, e o que esperar de uma mãe nessas circunstâncias? Que ela reaja com um grande autocontrole? Que contenha suas emoções? Convenhamos, responder positivamente a estas questões soaria até infantil. O que realmente acaba incomodando é o fato de Clint ter caído em alguns clichês narrativos para realçar ainda mais a atuação da senhora Pitt (bate um martelo no tribunal, close para a imagem de Christine sob impacto). Falando na atuação de Angelina, convém afirmar que ela está realmente ótima, merecendo sua indicação à estatueta do careca. Sua atuação não me pareceu excessiva, com seus arroubos emocionais perfeitamente adequados às situações mostradas na tela. O que talvez retire um pouco do brilho é que Jolie, inevitavelmente, deve ter representado a ela mesma em cena, deixando transbordar o seu público e notório lado maternal. Em vários momentos da projeção, não me saiu da cabeça a ideia de que ela deve ter imaginado como seria a sua própria reação caso um de seus filhos desaparecesse. Não que isso seja exatamente um demérito, mas trabalhar com emoções e sentimentos que lhe são familiares facilita o trabalho de qualquer ator.

Outro ponto que incomoda é uma certa perda do fio condutor na segunda metade da projeção, quando o filme deixa um pouco de lado o drama de sua protagonista para assumir um certo ar de thriller ao tentar esclarecer a resolução do mistério. Neste ponto, novos personagens surgem e alguns deles com atuações pouco convincentes, exageradas até. É importante até afirmar que o roteiro acaba interligando a história de Christine com outros acontecimentos também reais (eles , de fato, se conectaram), mas este segundo ato acaba sendo mal desenvolvido , sendo dirigido de forma meio apressada por Clint e com resoluções que mais parecem vindas de alguém que não sabe terminar o que começou.

De qualquer forma, vale afirmar novamente que aqueles que não enxergam nesta obra um filme de Eastwood precisam urgentemente consultar o oftalmologista. Pode-se afirmar, claro, que não é uma das suas melhores direções, mas também está longe de ser apenas um veículo para que a estrela Jolie pudesse mostrar como é uma boa mãe também nas telas. Eastwood é um dos diretores que mais conhecem a essência da sociedade norte-americana (juntamente com Martin Scorsese) e continuou a estudá-la mais uma vez com este “A Troca”, mesmo que o estudo não tenha rendido uma obra-prima.

Classificação: ***1/2 (três estrelas e meia)
Nota: 8,5.
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