domingo, 5 de abril de 2009

Entre Os Muros da Escola


Direto ao Ponto

Talvez a profissão que eu mais admire seja a de professor. E, provavelmente, ela é a mais essencial de todas. Não que profissões como as de médicos, engenheiros, advogados não sejam relevantes. São. Mas o fato é que sem professores jamais existirão médicos, engenheiros, advogados... Além de sua extrema relevância, o magistério é muitíssimo desgastante. Não é nada fácil lidar com várias turmas, frequentemente enormes, cheias de alunos muitas vezes totalmente desinteressados. Lidar com tantos seres humanos diferentes simultaneamente é um desafio brutal, principalmente em tempos em que a autoridade do professor dentro da sala de aula é costumeiramente desrespeitada. Exercer sua profissão de forma digna torna-se, cada vez mais, uma via crucis (no Brasil, então, que além de tudo paga misérias aos seus mestres...).

“Entre Os Muros da Escola”, filme que recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes 2008 (e foi indicado ao Oscar de filme estrangeiro), busca retratar este difícil cotidiano escolar. Dirigido por Laurent Cantet, o longa mostra, de uma forma quase documental, o decorrer de um ano letivo em um escola pública da periferia de Paris, concentrando-se principalmente nas aulas de francês do professor François Marin (interpretado por François Bégaudeau, também professor na vida real). Nesse ponto, é útil logo informar que a abordagem se distancia bastante daquele tipo de filme edificante estilo “Ao Mestre Com Carinho”. Como dito há pouco, o tom da obra é quase documental. Em muitos momentos temos a sensação de estarmos assistindo a um documentário, de que tudo aquilo que é mostrado ao longo da projeção realmente aconteceu. Os personagens mostram-se extremamente reais e humanos, sem sentimentalismos e espaços para redenções ou reconciliações no fim, como a tradicional “conversão” do aluno problemático, tão banal nas produções hollywoodianas do gênero “sala de aula”. E, se em oportunidades anteriores (como na minha crítica para [Rec]), já demonstrei uma certa restrição ao estilo cinematográfico que prima pelo realismo, sem adição de trilha sonora, câmera na mão e fotografia sem floreios, creio que para levar ao espectador a realidade das escolas o estilo mostra-se perfeitamente adequado. É possível, desta maneira, enxergar pessoas, sem maquiagens ou artifícios melodramáticos.

Até mesmo porque, como todos que já estiveram em uma sala de aula sabem, não existem nelas heróis ou vilões. Há apenas alunos mais ou menos problemáticos, mais ou menos aplicados, todos com vivências diferentes que inevitavelmente acabam por influir no seu comportamento e desempenho na escola. É essa realidade que Cantet procurou transmitir, sem nem mesmo livrar a cara do mestre, o qual, como todos os seres humanos, também comete suas falhas e atos impensados. Para atingir tal grau de objetividade, Cantet partiu apenas de um fiapo de roteiro, cujos detalhes e diversas situações foram sendo desenvolvidos no dia a dia de filmagens. Contou, ainda, com a fundamental participação de Bégaudeau (o qual é autor do livro autobiográfico que serviu de base para o longa) no processo criativo e de elaboração do roteiro (que também contou ainda com a participação de Robin Campillo), o qual aproveitou sua própria vivência como professor. Várias das situações foram criadas no próprio dia de filmagem. Em entrevistas, Cantet afirmou que conversava diariamente com Bégaudeau e equipe sobre o que iriam filmar no dia, quais as situações a serem mostradas. Essa estratégia do “improviso” mostrou-se extremamente eficaz, com as cenas e sequências adquirindo um tom perfeito de realidade.

Valendo-se de atores não-profissionais, e com o texto muitas vezes só conhecido no momento da gravação, sem ensaios, as interpretações obtidas mostram-se extremamente naturais. Os jovens adolescentes em nenhum momento parecem estar interpretando um papel e com certeza vários deles se comportaram como se estivessem de fato em uma sala de aula. A sensação que fica é de realmente estarmos conhecendo aqueles jovens, simpatizando com eles para daqui a instantes começarmos a antipatizar com os mesmos. Uma perfeita tradução deste universo complexo que se chama escola. O cotidiano do professores também tem seu espaço, sendo focadas as reuniões do corpo docente, a relação cotidiana entre seus integrantes e mesmo seus momentos de impaciência, como seres humanos falíveis que são.

Entretanto, é importante frisar que seria injusto afirmar que a relevância de “Entre Os Muros da Escola” se restringe a retratar a difícil relação entre educadores e alunos. A escola pública mostra-se como uma síntese da sociedade francesa contemporânea, multi-étnica, com um caldeirão de culturas vindas com os imigrantes e seus descendentes. Há os “franceses da gema”, como é o caso da bela Louise, mas boa parte da turma é formada por imigrantes ou descendentes de imigrantes. Estão lá os latinos, chineses, árabes e africanos, elementos formadores de uma nova França que precisa aceitar as diferenças. A integração deste novo contingente humano mostra-se desafiadora, ao mesmo tempo em que o país precisa lidar com a xenofobia e racismo crescentes. Este aspecto, quando comparado à realidade das salas de aula brasileiras, coloca-se como um elemento a mais de dificuldade para os educadores franceses (muito embora o nível de violência presente nas escolas públicas brasileiras pareça ser bem mais elevado).

E é verdade também que “Entre Les Murs” é um filme que cresce bastante a cada nova lembrança e reflexão sobre ele. Obras cinematográficas que atingem este nível estão se tornando cada vez mais escassas e esta é mais uma daquelas que nos lembram que não são necessários rios de dinheiro para se atingir a qualidade. Em uma cena no já no fim da projeção, o longa mostra que podemos sempre esperar algo de bom e inteligente mesmo de alunos que se mostram desinteressados. O cinema muitas vezes funciona da mesma forma. Uma grande produção pode esconder um raso conteúdo, enquanto algo de relevante pode surgir daquele filme sem tantos “ornamentos”. O vencedor de Cannes 2008 faz parte desta última categoria. Um filme que vai direto ao ponto.

Cotação: * * * * * (cinco estrelas)
Nota: 10,0


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