domingo, 11 de outubro de 2009

Bastardos Inglórios


Catarse tarantinesca

É sempre bom ver um filme de um cineasta como Quentin Tarantino. Ele é, hoje, uma dos grandes representantes do chamado cinema de autor, concepção criada pelos mentores da Nouvelle Vague e que perdura até hoje. Pode-se criticá-lo pelo excesso de violência em suas películas, sua verborragia desnecessária e, segundo outros, uma certa superficialidade nos temas abordados e personagens apresentados. Mas não há como negar: Tarantino é um cineasta diferenciado, realizando obras com características próprias e, especialmente em um ano que vem se apresentando especialmente fraco como este de 2009, um alívio de qualidade e inteligência pairando em cima de um mar de mediocridade.

Já havia um certo tempo, ele vinha prometendo conceber o seu “filme de Segunda Guerra Mundial”. Após um enorme período elaborando o roteiro (normalmente a etapa mais demorada de seu processo de criação), eis que surge este “Bastardos Inglórios”, uma produção que pode representar o início de um amadurecimento em sua carreira, principalmente porque, desta feita, Tarantino parece mesmo querer extrapolar os limites de sua cinefilia e trazer uma contribuição um tanto heterodoxa: a realização de uma vingança, mesmo que de forma ficcional, contra os nazistas (especialmente para o público judeu).

A vingança, inclusive, como sabido por muitos, não é tema novo na sua obra. O maior exemplo são os dois volumes de “Kill Bill” (sua melhor obra, na minha opinião), onde a Noiva ia à forra contra os antigos membros do esquadrão das Víboras Assassinas. Agora, Tarantino parece querer filmar uma espécie de vingança global contra os nazistas, colocando como executores da tarefa exatamente aqueles que mais sofreram sob o jugo alemão - os judeus – e concretizando uma espécie delírio de toda uma etnia com imagens fortes e que, digamos, “lavam a alma”.

Acima, mencionei que Tarantino, aqui, foge da mera cinefilia. Mas isso não quer dizer que ela não esteja presente. O filme transborda de referências com a velha utilização do seu liquidificador pop. O próprio título, “Bastardos Inglórios”, é uma referência a um desconhecido filme de guerra italiano de 1978 e as homenagens ao Western Spaghetti de Sergio Leone permeiam toda a trama. Trama esta que se inicia magnificamente (com trilha de Ennio Morricone) em uma seqüência de um longo e impecável diálogo entre o coronel nazista Hans Landa (Christoph Waltz, brilhante!) e o fazendeiro La Paditte (Denis Menochet, com participação pequena, mas memorável), cenas estas que parecem ser uma mistura de seqüências de “Rastros de Ódio” e “Era Uma Vez No Oeste”. Em consequência desta conversa, a jovem judia Shosanna Dreyfus (Mélanie Laurent, linda) tem a sua família assassinada, conseguindo escapar por mero acaso. Anos mais tarde, ela assume uma nova identidade como dona de um cinema na França ocupada pelos nazistas.

Paralelamente, vemos o grupo de soldados judeus caçadores de nazistas comandado pelo tenente Aldo Raine (Brad Pitt, divertidíssimo, e o nome do personagem é uma homenagem ao ator Aldo Ray), os tais Bastardos do título, dizimar patrulhas alemãs com extrema violência. Um deles, o “Urso Judeu” (Eli Roth), costuma abater nazistas a golpes com bastões de beisebol. A fama do grupo faz com que ele seja recrutado para participar da “Operação Kino” (“kino” é cinema em alemão), a qual terá como objetivo o assassinato de toda a cúpula nazista. Para o sucesso da operação, eles terão que contar com a ajuda da atriz alemã Bridget Von Hammersmarck (Diane Kruger, belíssima), uma espiã que faz jogo duplo.

A chuva de referências não pára por aí. São feitas várias citações que vão de Leni Riefensthal (no letreiro do cinema de Shosanna) a François Truffaut (as referências à Nouvelle Vague são claras no terceiro capítulo da trama) e provavelmente há várias outras que nem percebi. Alguns podem acusar Tarantino, inclusive, de fazer filmes para cinéfilos, mas a verdade é que isto não prejudica o espectador médio em acompanhar e se envolver com a trama. Por sinal, o envolvimento emocional é algo que o diretor vem aprimorando ao longo do tempo. Acusado de realizar obras meramente estéticas, aqui a personagem de Shosanna mostra-se plenamente capaz de cativar a plateia e algumas de suas cenas batem mesmo no coração. A direção de atores, ademais, é possivelmente a melhor da carreira do cineasta. Todos estão bem, sem exceção, mas cabendo ainda um destaque especial para Cristoph Waltz. O seu oficial nazista é um dos melhores vilões dos últimos anos, chegando a rivalizar até mesmo com o Coringa de Heath Ledger, e entra de pronto para aquela galeria de tipos que amamos odiar. Tarantino apenas peca em alguns diálogos excessivamente longos, como o travado em um bar-porão entre infiltrados e nazistas, o qual pode cansar um pouco a plateia.

Mas, creio que, desta oportunidade, o mundo nerd de Tarantino presta-se a realizar uma espécie de catarse coletiva em relação aos horrores perpetrados pelo nazismo no passado. [SPOILER] A cena em que o Urso Judeu fuzila Adolf Hitler é sintomática disso [FIM DE SPOILER] e o fato de Aldo Raine marcar com um facão a testa dos nazistas que não usam uniformes é uma ótima metáfora para o fato de que jamais devemos esquecer dos horrores cometidos durante a Segunda Grande Guerra e, talvez, de forma ainda mais abrangente, seja uma forma de dizer que todos aqueles portadores de preconceitos e ódios desmotivados deveriam ter escrito isso na testa como forma de nos precavermos. É sabido que os nazistas marcavam os judeus à ferro quente, como gado. Aqui, Quentin Tarantino marca os nazistas à faca. E fico me perguntando qual a reação dos alemães ao verem este filme.

Cotação: * * * * 1/2 (quatro estrelas e meia)
Nota: 9,5
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