domingo, 21 de fevereiro de 2010

Um Olhar do Paraíso


No plano intermediário


É interessante como filmes que abordam a espiritualidade não costumam ser bem recebidos pela crítica. Não sei exatamente o que motiva este tipo de comportamento, mas a impressão que tenho é que críticos se consideram muito racionais, quase cientistas, e pouco se interessam por filmes que tragam elementos que digam respeito ao mundo etéreo. Não sendo filmes de terror, a grande maioria das obras que abordam temáticas espíritas acaba sendo rejeitada pela crítica.

Creio que somente esta constatação para justificar a rejeição do meio crítico a “Um Olhar do Paraíso”, o novo filme de Peter Jackson, o genial diretor da saga “O Senhor dos Anéis”. Trata-se um retorno de Jackson aos filmes “pequenos”, após a conclusão da citada saga dos anéis e do também majestoso “King Kong” (“Almas Gêmeas”, com a Kate Winslet, é seu filme de menor porte mais lembrado). Aqui ele adapta os livro de Alice Sebold em que uma garota, após ser assassinada, se esforça por fazer com que a família descubra o assassino. Não sei se Jackson foi fiel ao livro em sua adaptação, mas posso afirmar que, embora não seja excepcional, esse é um longa-metragem que passa longe de ser ruim.

A primeira metade do filme é, inclusive, bastante envolvente. A mão segura de Jackson nos traz uma empatia imediata pela personagem central, Susie Salmon (Saoirse Ronan, ótima), uma menina de 14 anos vivendo as descobertas da adolescência. Não há spoiler em dizer que ela será assassinada já que este é o mote da trama já revelado nos trailers e, desde o início da projeção, temos uma narrativa em off pela própria Susie que esclarece que a mesma foi assassinada. Tal fato acontece por obra do vizinho Harvey (Stanley Tucci, em boa atuação que lhe rendeu uma indicação ao Oscar como coadjuvante), típico serial killer norte-americano que se passa por homem comum para esconder sua perversidade (aqui no Brasil os assassinos seriais costumam se tornar traficantes). A sequência em que Susie é assassinada é extremamente sombria e a forma que Jackson encontrou para compreendermos que ela morreu é criativa, muito bem executada e de arrepiar. O clima de tensão, envolto em elementos da doutrina espírita muito bem desenvolvidos (como o tal mundo intermediário, onde permaneceriam os espíritos ainda muito ligados ao plano terreno), é algo que permanece ao longo de toda a projeção, possuindo poucos alívios.

Talvez seja nestes “alívios” que Jackson começa a cometer alguns equívocos. Para contrabalançar não só a tensão característica de um thriller, como o drama pesado vivido por seus pais (interpretados por Mark Wahlberg e Rachel Weiz), o roteiro(adaptado pelo próprio Jackson ao lado de Fran Walsh e Philippa Boyens) se vale de alguns momentos cômicos que soam deslocados, principalmente através da personagem se Susan Sarandon (no piloto automático), a avó. Há ainda uma estranheza com relação à esfera etérea em que Susie passa a existir, já que ela soa um tanto artificial em alguns momentos. Todavia, tendo em vista que Jackson tem à sua disposição a melhor casa de efeitos especiais do mundo (a Weta, responsável por nada mais nada menos que os efeitos visuais de “Avatar”), só posso acreditar que tenha sido realmente sua intenção estabelecer este clima de estranheza para com o mundo espiritual, como uma forma de delimitar claramente as linhas diferenciais entre os dois mundos. Não sei se essa foi a melhor opção. Creio que deixar mais tênues tais linhas trouxesse uma maior riqueza à narrativa.

Entretanto, o maior problema enfrentado pelo longa talvez esteja em sua resolução. Há momentos de muita artificialidade nas soluções encontradas, inclusive com momento “Ghost” plantado para resolver o romance de Susie, além de outras ideias mambembes para confortar a plateia (não vou dizer exatamente o que acontece, mas você vai perceber tais momentos equivocados quando assistir ao longa). Essa queda nos clichês não é bem vinda e acaba prejudicando o impacto da narrativa no espectador.

Por outro lado, ao pesarmos em uma balança os prós e contras a serem observados neste filme, posso afirmar que ele se situa, tal como a personagem central, em um plano intermediário. Não está no “céu” em que se encontra outras obras de Jackson, mas tampouco pode-se dizer que ela esteja em alguma espécie de limbo destinado ao ostracismo. Acredito ademais, que deve fazer boa carreira nos cinemas do Brasil, já que o público brasileiro é muito chegado a temas ligados à espiritualidade (não é à toa que o Brasil é o lar maior da doutrina de Allan Kardec). Um suspense-drama-espiritual que está longe de lhe trazer prejuízo e com direito a alguns momentos de forte arrepio.


Cotação: * * * (três estrelas)
Nota: 7,5

Obs. Há uma ponta de Peter Jackson no filme, numa aparição no melhor estilo do velho Hitchcock.
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