domingo, 4 de abril de 2010

Chico Xavier


Supere seus preconceitos


Daniel Filho costuma ser alvo de severas críticas por parte do meio cinéfilo nacional. A maioria delas se centra no fato de que seus longas possuem uma forte estética televisiva e passam a sensação de estarmos assistindo a mais um programa da TV Globo. Há uma certa verdade nisso, mas a reação que a crítica vem apresentando a “Chico Xavier”, filme que teve estreia no circuito nacional na última sexta-feira, 02 de abril, atribuindo-lhe apenas cotações medianas, parece ser fruto de um preconceito arraigado contra a obra do referido cineasta. É verdade que, se o longa possui tiques televisivos, ele consegue envolver bastante o espectador e consegue traçar um belo panorama da vida do biografado.

Chico Xavier teria comemorado 100 anos caso fosse vivo na data de estreia do longa e, sem dúvida, é uma figura que desperta polêmica, admiração ou mesmo rejeição. Ele foi o grande responsável pela popularização da doutrina espírita no Brasil, demonstrando poderes que desafiam a lógica racional e colocam em dúvida até mesmo o ateu mais convicto. Acusado de charlatanismo por alguns, a verdade é que o médium jamais recebeu um centavo pela sua atividade de psicografia, seja prestando auxílio e consolo a pessoas que perderam entes queridos, seja escrevendo livros atribuídos a espíritos (como o de seu mentor Emmanuel), doando todos os direitos autorais para instituições espíritas ou de caridade.

Tamanho era o burburinho que sua atividade vinha causando que Chico Xavier, no início dos anos 70, foi o entrevistado do programa Pinga Fogo, da extinta TV Tupi. O programa durava apenas 60 minutos, mas, no caso de Chico, o tempo extrapolou e estendeu-se por mais de 3 horas (houve ainda um segundo, que durou cerca de 4 horas). O médium foi sabatinado por jornalistas ávidos por encontrar contradições ou inconsistências em suas palavras. O que aconteceu, todavia, foi que ele saiu com uma popularidade multiplicada após as sabatinas, conquistando cada vez mais admiradores em todas as classes sociais. E foi a partir da participação de Chico Xavier neste mencionado programa televisivo que foi desenvolvido o roteiro do longa-metragem em questão. Escrito por Marcos Bernstein, a partir da biografia “As Vidas de Chico Xavier”, de Marcel Souto Maior, o roteiro mostra a infância de Xavier (interpretado neta fase por Matheus Costa), uma daquelas infâncias no estilo “Preciosa”, repleta de agruras e sofrimentos mil. Contudo, o garoto demonstrava desde logo a sua mediunidade, o que causava a ira da madrinha que o criava (Chico perdeu a mãe logo cedo). Vários são os momentos da vida, a partir daí, que vão sendo abordados e, embora de uma forma um tanto quanto episódica (pois que através de flashbacks relacionados com as falas do personagem no programa Pinga Fogo), é fato que os momentos escolhidos são felizes em mostrar o amadurecimento do biografado. Por outro lado, também é certo que o longa não teria sucesso não fossem as presenças de Ângelo Antônio (que utilizou até algodões e perfumes para ficar mais parecido com o personagem) e Nélson Xavier, intérpretes de Chico em sua juventude e velhice, respectivamente. Nélson, até pela sua semelhança física, parece mesmo, para utilizar o linguajar da doutrina espírita, ter “encarnado” Chico Xavier, tamanha a excelência de sua composição.

Por outro lado, também é verdade que Daniel Filho (que é ateu) soube conduzir muito bem o material que tinha em mãos. A edição mostra-se precisa como em poucas oportunidades se viu na sua obra cinematográfica, além de utilizar recursos muito interessantes nas transições entre os diversos momentos da narrativa. Uma outra boa ideia, que deve ter partido dele em parceria com o roteirista, foi a inserção de momentos cômicos no desenrolar da trama, momentos estes que vêm de causos contados pelo próprio Chico que, ao contrário do que muitos podem pensar, era uma pessoa extremamente bem humorada, cheia de anedotas. Tais inserções cômicas tornam-se bem-vindas, até mesmo para aliviar o clima pesado de diversas passagens.

É verdade que longa acaba sendo parcial em seu fim. O personagem mais questionador, interpretado por Tony Ramos (que está competente como sempre), acaba meio que “se convertendo” no desfecho (muito embora a trajetória do seu personagem também seja verídica). Contudo, pode-se alegar em defesa do diretor que todos têm o direito de possuir a visão que sua consciência lhe permite e externar sua posição através de uma obra artística. E, sendo sincero, a despeito da empatia ou antipatia que cada um possa ter com relação ao personagem, o filme se sustenta enquanto cinema e deixo a recomendação para que seja visto. Assim, afirmo que se você tem preconceitos com relação à temática espírita, supere-o, pois o longa-metragem é bom e a mensagem do seu personagem supera qualquer diferença religiosa, seja você seguidor de outros credos ou ateu. Da mesma forma, se você tem preconceito com a obra de Daniel Filho, supere-o, pois ele, aqui, mostrou que pode fazer cinema de qualidade, mesmo que sempre voltado para as massas.


Cotação: * * * * (quatro estrelas)
Nota: 9,0

Obs. Eu não sou espírita.
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2 comentários:

pseudo-autor disse...

Eu confesso a você que esperava mais. O filme é bom, gostei muito da atuação do Ângelo Antônio, mas para quem leu a biografia do Chico, feita pelo Marcel Souto Maior (e, portanto, sabe do que estou falando), ficou faltando algo, principalmente no desfecho do filme. Mas vale pela figura do espírita (que foi, sem dúvida, célebre em vida).

Eu daria 7,5.

Cultura? O lugar é o Jukebox:
http://culturaexmachina.blogspot.com

Fábio Henrique Carmo disse...

Pseudo,

É comum termos uma apreciação mais severa sobre um filme quando já lemos a obra que lhe serviu de base (isso aconteceu comigo em "Ensaio Sobre a Cegueira", por exemplo). Talvez por isso você não tenha gostado tanto quanto eu. De qualquer forma, é bom lembrarmos que literatura e cinema são formas de expressão diferentes e que, acredito, devem analisadas sem comparações uma com a outra. E talvez minha apreciação tão positiva se deva ao fato de que eu não nutria muitas expectativas, pois confesso que eu sou um daqueles que possuem um certo preconceito com o Daniel Filho...