domingo, 20 de março de 2011

Rango


Western Spaghetti animado


O tempo passa e cada vez mais demonstra o tamanho da influência que um certo cineasta italiano exerceu e ainda exerce sobre o imaginário do cinema hollywoodiano e mundial, por extensão. Nos anos 60, o diretor Sergio Leone reinventou o gênero western com a trilogia do “Homem Sem Nome”, protagonizada por um ator que mais tarde se transformaria em uma lenda da sétima arte: Clint Eastwood. Ao longo dos anos, vários foram os outros cineastas que prestaram tributo em suas obras aos filmes seminais de Leone, sendo Quentin Tarantino o exemplo mais forte dessa vertente.

Talvez inspirado por Tarantino, Gore Verbinski também resolveu prestar sua homenagem ao western spaghetti com “Rango”, primeira incursão tanto do diretor quanto do estúdio Paramount no terreno das animações. Anteriormente, Verbinski já mostrava afinidade em trabalhar no universo das “aventuras de época”, tendo em vista o sucesso da franquia “Piratas do Caribe”, comandada pelo mesmo (o que inclusive explica a escolha de Johnny Depp para a voz do protagonista na versão original em inglês). E não seria de estranhar que também obtivesse sucesso no mundo animado, já que sempre demonstrou trabalhar bem o lado do humor nos seus longas, cheios de tiradas espirituosas e gags criativas que nunca resvalam no mau gosto. Este “Rango”, é bom ressaltar, não foge à regra.

Divertido e inteligente, sua premissa demonstra uma originalidade incomum na mesmice do cinema norte-americano atual. A narrativa mostra a saga de um camaleão que vive em um aquário de família, ensaiando com seus amigos inanimados (um peixinho de plástico, um busto de boneca, um inseto morto e um coqueiro artificial) no sonho de um dia se tornar um grande ator. Devido a um acidente, ele é jogado pra fora do automóvel em que a família viaja, vendo-se assim às margens de uma auto-estrada e diante de um imenso deserto. Mais tarde, acaba chegando à cidade de Poeira, onde acaba se tornando o xerife local após a população acreditar em sua persona inventada de grande pistoleiro que veio do Oeste. O maior problema de Poeira é a escassez de água, cuja quantidade restante fica depositada no banco local, e seus habitantes começam a ver no forasteiro uma espécie de messias que trará de volta o precioso líquido para a região.

É interessante perceber como Hollywood vem se tornando politizada, fazendo críticas abertas ao sistema até mesmo em animações. Não só banqueiros como governantes são diretamente criticados ao longo da trama e esta também não deixa de servir de alerta ambiental, já que, obviamente, a escolha da água como bem escasso e essencial como mote do seu desenrolar não pode ser à toa. Contudo, não se pode negar que o foco de “Rango” (o nome adotado pelo herói acaba sendo uma homenagem tanto a Durango Kid, cowboy de cine-série da Columbia nos anos 40, quanto a “Django”, filme e personagem imortalizado por Franco Nero) é mesmo a jornada do herói sem passado, o “homem sem nome” imortalizado por Eastwood, como acima mencionado. Assim, nada mais adequado, para tanto, que a figura de um camaleão para representar alguém sem identidade definida. A busca dessa identidade é que se torna a grande saga de Rango e o leva a se encontrar com o Espírito do Oeste em busca de uma resposta (representado por uma versão animada do próprio Clint Eastwood, o qual foi convidado para fazer sua voz, mas acabou recusando a proposta).

Toda a narrativa, por sinal, é pontuada por uma série de referências a clássicos do cinema como “Apocalypse Now”, passando por “A Felicidade Não Se Compra” e chegando até mesmo a (pasmem) “Morangos Silvestres”. Entretanto, embora faça a festa dos cinéfilos, tais recursos acabam por trazer um possível hermetismo ao filme, já que a maior parte dos espectadores não perceberá as referências e muito menos os pequenos, os quais sempre serão consumidores das animações, por mais que estas estejam cada vez mais repletas de elementos para o público adulto. Por outro lado, o roteiro (escrito por John Logan, James Ward Byrkit e o próprio Gore Verbinski) se desenvolve muito bem em seu início, com uma ótima apresentação de personagens, cada um com suas características pitorescas, como Feijão, a lagarta que acaba se tornado o interesse romântico do herói. Todavia, acaba por pecar em seu desfecho, o qual se torna apressado, deixando no ar a explicação para alguns acontecimentos do fim da trama (muito embora possua uma sequência final de créditos excelente).

Talvez o grande problema de “Rango” seja justamente o fato de se limitar a ser uma homenagem a um gênero, o que retira uma boa parcela de sua originalidade e o deixa previsível em muitos pontos. Assim, o que era para ser diferente acaba se tornando clichê e o filme, que poderia até se tornar memorável, acaba sendo uma ótima diversão, mas tão somente isso. Verbinski acaba por abdicar da originalidade para se colocar apenas numa posição de reverência. Assim, o sabor diferente da primeira metade do longa transmuda-se, ao seu final, em uma considerável sensação de dejá vu. Em consequência , “Rango” se coloca tão somente como um bom e divertido western spaghetti, só que desta vez animado.


Cotação:

Nota: 8,0
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