quarta-feira, 6 de abril de 2011

As Mães de Chico Xavier



Emoção e espiritismo


Hollywood sempre soube se aproveitar de segmentos de marcado que se mostram especialmente rentáveis. Citando um exemplo recente, o gênero dos super-heróis tem provocado uma enxurrada de blockbusters aptos a saciar o público adolescente masculino, um voraz consumidor de qualquer coisa que envolva seus personagens mais queridos. O cinema brasileiro não vem agindo diferente e é natural que assim seja. Afinal, boa parcela de nosso mercado ainda desconfia da qualidade dos produtos de nossa indústria cinematográfica. Uma demonstração recente foi a invasão dos filmes favela-mundo cão, nos rastro do sucesso de público e crítica “Cidade de Deus”. Agora, estamos vendo o segmento dos filmes espíritas conquistar uma fatia considerável do mercado. Possui um público fiel, uma vez que o Brasil é o maior país espírita do mundo, além de ter a simpatia de outras parcelas da população, já que mesmo os católicos praticantes muitas vezes possuem um pé na crença espírita. Por outro lado, também se torna inevitável que os resultados artísticos de tantos filmes com abordagem de temáticas similares oscilem. Assim, se fomos brindados com o ótimo “Chico Xavier”, de Daniel Filho, também tivemos o apenas mediano “Nosso Lar”. Mediano talvez seja a melhor maneira de designar este “As Mães de Chico Xavier”, em cartaz nacional desde a última sexta-feira, 01 de abril.

Dirigido por Glauber Filho e Halder Gomes, os mesmos de “Bezerra de Menezes” (o precursor do gênero espírita na Terra Brasilis), o roteiro trabalha com três narrativas paralelas (e que são baseadas em fatos reais e no livro "Por trás do Véu de Ísis", de Marcel Souto Maior). Duas delas mostram a difícil aceitação da perda por parte de pais que perderam seus filhos, enquanto outra trata de uma jovem grávida que está pensando em realizar um aborto. Interessante perceber que, no caso deste longa-metragem, a oscilação ocorre dentro de sua própria estrutura. Enquanto a trama dos pais Mário e Ruth (interpretados por Herson Capri e Via Negromonte) que têm um filho, Raul (Daniel Dias) vítima das drogas é bem contada, a da grávida Lara (papel de Tainá Müller) tem alguns furos e sua resolução se coloca muito apressada, meio que para entrar logo em sintonia com as demais. Já a narrativa dos pais Elisa e Guilherme, vividos por Vanessa Gerbelli e Joelson Medeiros, transcorre muito lenta, chegando a dar a impressão, por vezes, de que nada vai acontecer. Contudo, a despeito de suas falhas, o roteiro consegue um envolvimento emocional muito eficiente, principalmente no último terço da projeção. Neste ponto, mostra-se mais eficaz do que seu referido antecessor “Nosso Lar”, este último um longa que sempre me parece emocionalmente pálido. Em tal aspecto, o único pecado de “As Mães de Chico Xavier” é sua equivocada trilha sonora. Nada contra as composições de Flávio Venturini, mas elas foram mal selecionadas e mal encaixadas na projeção. Em diversos momentos, as músicas se tornam um elemento desnecessário às cenas, que já são suficientemente tristes, e sua inclusão acaba por gerar momentos excessivamente piegas.

Se o drama ainda funciona, a despeito dos defeitos apontados, é por virtude do elenco. Todo ele se encontra uniforme e ninguém descamba para a canastrice. Mas é claro que Nelson Xavier mais uma vez alcança destaque. Tal como o cinema norte-americano imortalizou a imagem de determinados personagens por meio da figura de alguns atores (como no exemplo clássico do Super-Homem encarnado por Christopher Reeve), a produção nacional está se encarregando de transformar Nelson na encarnação (com perdão do trocadilho) de Chico Xavier nas telonas, até mesmo pela sua semelhança física com o famoso médium.

Alguns poderão apontar o posicionamento religioso do longa, com estampada mensagem anti-aborto, como um sério problema, mas não vejo dessa forma. Qualquer cineasta, seja ele qual for, tem direito de expressar sua visão sobre determinado tema em sua obra, seja ela política, social, econômica ou mesmo religiosa. Seria o mesmo que dizer que “O Triunfo da Vontade”, o célebre documentário de Leni Riefenstahl, é um filme ruim por enaltecer o nazismo. Desta forma, os diretores não incorrem em qualquer erro ao defender suas posições e, se você não concorda, paciência, vivemos em uma democracia e todas as posições devem ser respeitadas. Ademais, esta película consegue se tornar bem mais palatável ao público não adepto da doutrina espírita do que seu antecessor “Nosso Lar” e, se não alcança o mesmo resultado artístico de “Chico Xavier”, ao menos constitui uma experiência cinematográfica com substância e que deve agradar tanto aos doutrinados quanto aos que buscam um drama comovente para assistir na sala escura.


Obs. Eu não sou espírita.


Cotação:

Nota: 7,5
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2 comentários:

Cristiano Contreiras disse...

A produção me pareceu um tanto amadora, pelo trailer e pelo que ando a ler por aí - mas, é um puro preconceito e assumo isso, prefiro conferir pra ver se é isso mesmo que penso.

Não achei "Nosso Lar" tão ruim como todos dizem, mas "Chico Xavier" é mais bem realizado mesmo, espero que este me satisfaça. E eu sou espírita.

abs!

Fábio Henrique Carmo disse...

Cristiano, vale à pena conferir. Nos aspectos técnicos, o filme deixa mesmo a desejar, mas vale pelas atuações e, apesar das falhas, a direção consegue imprimir emoção ao longa.

Abraço!