quinta-feira, 28 de julho de 2011

Restaurando a Película



Suspiria
(Suspiria, 1977)


Sofisticado filme B



Muitos afirmam que o cineasta italiano Dario Argento está para os filmes de terror na mesma dimensão que Segio Leone está para o gênero western. Se este ressuscitou o mais conhecido gênero tipicamente hollywoodiano do ostracismo, chegando a alcançar patamares verdadeiramente artísticos, Dario Argento quase promoveu o mesmo com o terror. Digo “quase” porque acredito que a obra de Argento sempre esteve a um passo de descambar para o trash, mantendo-se em uma corda bamba entre o gosto apurado e o duvidoso. “Suspiria”, seu filme lançado em 1977 (e certamente o longa mais lembrado de sua carreira), talvez seja o exemplo mais claro desta afirmação.

A comparação com Leone não é gratuita ou meramente ilustrativa. Argento trabalhou como co-roteirista na obra-prima “Era Uma Vez No Oeste”, seguramente um dos melhores filmes da história do cinema e parece que aproveitou muito as verdadeiras aulas que o mestre Leone deve ter ministrado nos sets de filmagem. Como se sabe, este último foi o responsável por levar os paradigmas do western ao seu limite, procurando sintetizar em suas projeções tudo aquilo que o gênero poderia oferecer. Seus filmes são obras barrocas, onde se verifica um cuidado extremo com cada tomada e a trilha sonora tem um papel fundamental. O requinte traz um resultado até mesmo operístico. E parece que foi inspirado no método primoroso de Leone que Argento passou a conceber os seus filme de horror.

Destarte, Argento não é um mero imitador do estilo de Leone. Vale frisar, inclusive, que outro mentor fundamental em sua carreira foi Mario Bava, o grande mestre do horror italiano, responsável por inovações estilísticas que iriam influenciar gerações, como o seu travelling constante, recurso utilizado até hoje por nomes como Martin Scorsese. Ademais, é importante recordar que Argento foi (e ainda é) um dos expoentes do giallo, termo este usado para designar o gênero dos thrillers policiais italianos, com origens em meados dos anos 60 e obtendo grande sucesso popular nos 70. O giallo, com suas tramas geralmente centradas em assassinos seriais e estética crua, acabou influenciando o nascimento de um novo tipo de terror que predominaria no cinema americano durante os anos 80, os chamados slasher movies (a série “Sexta-feira 13” é referência bastante conhecida deste gênero). Assim, o terror na obra de Argento surge como o fruto de uma mistura de estilos, reunindo o apuro técnico e imagético a uma estética de gosto, por vezes, duvidoso, advinda do giallo.

Ao acompanharmos o desenrolar da narrativa de “Suspiria” podemos perceber em diversos momentos a presença de ditos elementos. O filme leva a extremos a iconografia do horror. Desde os seus créditos, já sublinhados pela sinistra trilha sonora composta pelo grupo de rock progressivo Goblin, o longa se mostra macabro. Parece não haver qualquer cena durante a exibição que não tenha sido pensada para trazer um calafrio ao espectador. A primeira sequência, mostrando a protagonista Susie Bannyon (Jessica Harper) chegando ao aeroporto de uma cidade alemã, se passa debaixo de uma tempestade com raios e trovões, denotando uma atmosfera tenebrosa que só irá crescer ao longo da narrativa. Susie está na Alemanha para estudar balé em uma conceituada escola de dança quando um série de assassinatos surreais começa a acontecer envolvendo integrantes da academia. Aparentemente cometidos por um serial killer, logo se percebe que as coisas não são bem assim. A tal escola na realidade é um antro de bruxas e fatos sobrenaturais começam a pipocar no enredo. Com essa trama simples e direta, sobra espaço para que Argento empregue seu virtuosismo técnico em cenas de grande impacto para a plateia. O primeiro dos assassinatos é um horror em todos os aspectos. E é exatamente do seu exagero gráfico que surge a impressão de que estamos diante de uma obra na corda bamba entre o requinte e o mau gosto. Haja estômago para acompanhar tanta sangria e temperos de crueldade. Mas não se pode negar que o conjunto soa original e, em várias passagens, perturbador.


E perturbador não apenas pela violência atordoante que pontua o longa-metragem em diversas sequências. Argento sabe explorar o poder imagético do horror até mesmo na utilização das cores, sempre fortes e vívidas durante toda a projeção. Poucas vezes o vermelho foi tão bem explorado para causar medo, assim como o verde, entre outras cores bastante vivas. E aqui se sente especialmente a citada influência de Mario Bava, um pioneiro na utilização do technicolor como forma de potencializar climas macabros. Ademais, Argento sabe se valer de referências a obras predecessoras, em um método que provavelmente influenciou Quentin Tarantino. É possível distinguir homenagens a filmes como “O Bebê de Rosemary” (de Roman Polansky) ou “Carrie, A Estranha” (de Brian De Palma). Além disso, a referida trilha composta pela banda Goblin cria uma textura sonora ímpar, minimalista e impressionante em igual medida (assim como as trilhas de Ennio Morricone tornavam as obras de Sergio Leone ainda mais belas e vívidas).

Embora tropece no roteiro em alguns pontos, como personagens que entram e somem sem maiores razões narrativas - talvez devido à grande preocupação do diretor com o lado virtuoso e imagético da produção - “Suspiria” não deixa de ser uma experiência realmente diferenciada, mesmo para a parcela do público acostumada com filmes de terror. Inegavelmente, tornou-se uma referência neste gênero, influenciando fortemente diretores como John Carpenter, o qual chegou a declarar que “assistir Suspiria é como estar preso em um pesadelo”. Enfim, um sofisticado filme B. Uma película para nervos fortes, mas necessária.


Cotação:

Nota: 9,0

domingo, 24 de julho de 2011

Assalto ao Banco Central



Transtorno de personalidade


O cinema brasileiro tem uma antiga tradição de filmar a criminalidade. “O Bandido da Luz Vermelha”, passando por “Lúcio Flávio – O Passageiro da Agonia”, até os mais recentes “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite” são exemplos do apreço tanto do público quanto dos realizadores pela temática do marginal, daqueles que estão fora da ordem estabelecida. Talvez só o cinema norte-americano possua também uma afinidade tão grande com os fora-da-lei (não à toa, lá surgiu o gênero do “filme de gângster”). Contudo, é óbvio que, diante da quantidade, a qualidade de tais produtos acaba oscilando na mesma proporção. Se o mencionado “Cidade de Deus” se mostra como exemplo primoroso da tendência, causando impacto não apenas no âmbito nacional, mas também internacional, “Salve Geral”, filme que chegou a ser escolhido para concorrer ao Oscar de filme estrangeiro representando o Brasil, se mostra como um claro fracasso recente.

Eis que surge agora este “Assalto ao Banco Central”, longa baseado no fato verídico do assalto ao banco do título em Fortaleza - CE, um dos mais espetaculares crimes não só da história do Brasil, mas também do mundo. Os R$ 164,7 milhões levados pelos bandidos foram alcançados de forma incrível, através de um túnel que desembocava no único ponto cego existente dentro do cofre repleto de câmeras de segurança. Além disso, a maior parte dos seus autores não foi presa até hoje, assim como a maior parcela do montante furtado não foi recuperada – busca até mesmo dificultada por se tratar de notas antigas que haviam sido recolhidas pelo BC junto à rede bancária. Ou seja, o fato por si só já é praticamente um filme pronto. E com um forte aliado por se tratar de uma história verídica, pois que, sendo assim, já supera a necessidade da “suspensão de descrença” tão arduamente buscada por produções semelhantes, mas apoiadas exclusivamente em elementos ficcionais.

A adaptação de tais fatos para telona, porém, caiu em mãos inexperientes, as do global Marcos Paulo, conhecido ator e diretor de telenovelas, mas assumindo aqui sua primeira empreitada cinematográfica. Talvez devido a essa inexperiência com o cinema, o diretor acabou por utilizar tiques característicos dos trabalhos globais, já que novelas costumam apresentar acentuadas oscilações de tons, ora pendendo para o drama, ora para a comédia, como maneira de agradar a uma massa que anseia por mera distração durante a noite. Só que o cinema é um veículo bem mais exigente e certos tropeços de roteiro e direção até mesmo ignorados pelo público da televisão não são relevados pelos espectadores da sala escura – e muito menos pela crítica especializada. A impressão que fica aqui é de que o filme sofre de algum transtorno de personalidade, já que em nenhum momento se sabe ao certo o que ele pretender ser.

Possivelmente o maior sintoma de tal afirmação foi a declaração do próprio Marcos Paulo durante a coletiva no último festival de Paulínia (que foi encerrado com a exibição do longa em comento). Ele mencionou que apenas na fase de edição percebeu o acentuado lado cômico que certas sequências possuíam, o que o levou a selecioná-las para a versão final da produção. Ou seja, aparentemente nem o próprio Marcos Paulo sabia o que queria do seu filme, sendo provavelmente levado a deixar algumas passagens cômicas na montagem na ânsia de agradar ao público médio brasileiro. Além disso, também é clara no filme a sua vontade de se tornar o próximo “Tropa de Elite”, obra que gerou bordões populares como o famoso “pede pra sair”. Contudo, se o filme de José Padilha sabe equilibrar perfeitamente sua pesada trama com alívios cômicos, “Assalto ao Banco Central” transforma esse pretenso equilíbrio em verdadeira bipolaridade. Ficamos sem saber se estamos assistindo a um filme policial ou a uma comédia.


Mas seria injusto deixar o fardo do insucesso exclusivamente nas costas do diretor. O roteiro, escrito por Renê Belmonte, também não é dos mais felizes. Mostra-se como um mistura de “O Plano Perfeito”, de Spike Lee, e “Onze Homens e Um Segredo”, de Steven Sodebergh. Do primeiro, retira sua estrutura não linear, exibindo momentos da elaboração e execução do crime intercalados por outros onde o mesmo já é investigado pela Polícia Federal. Do segundo, procura trazer a estrutura de apresentação dos personagens, com a busca dos parceiros de empreitada por um líder que é o cérebro das ações. Entretanto, nenhuma das duas ideias funciona a contento nesta produção nacional. O vai-e-vem temporal deixa a narrativa por vezes confusa e a apresentação de tipos não funciona exatamente porque os personagens, em sua maioria, são mal caracterizados. Além disso, as falas em diversas passagens são repletas de clichês, com um nível quase amador, o que acaba se tornando uma forma de humor bastante involuntária. Certos recursos, ademais, como colocar o líder do bando jogando xadrez para, assim, denotar sua inteligência, se mostram primários, como que duvidando da inteligência do espectador.

A pobreza dos diálogos só não se faz tão assustadora devido à competência do elenco escalado. Milhem Cortaz está ótimo como Barão, o líder do grupo, assim como Giulia Gam como a policial federal (lésbica) que investiga o assalto. Outro destaque é Tonico Pereira como o comunista que participa da ação como engenheiro, alegando que posteriormente irá dividir o produto com os trabalhadores. Mas quem rouba mesmo a cena é Lima Duarte. Seu delegado Amorim é o personagem mais tridimensional da narrativa e ele parece estar inteiramente à vontade no papel. A verdade é que o elenco acaba se mostrando o principal motivo do fato de que o longa, apesar dos seus flagrantes defeitos, não se torna chato de assistir. Vale ressaltar que há realmente boas sequências, principalmente aquelas com o referido tom cômico (e as risadas frequentes durantes a sessão me fizeram perceber que elas realmente agradaram). Ademais, o diretor soube fugir das composições imagéticas da televisão e utilizar uma linguagem realmente cinematográfica no que diz respeito a enquadramentos (não há aquele excesso de closes característicos da TV) e ritmo da narração.

“Assalto ao Banco Central” não é um desastre, mas o que fica deveras perceptível é que o seu resultado poderia ser muito superior caso tivesse sido levado adiante por mãos mais experientes, principalmente se considerarmos o material quase pronto e acabado que lhe deu origem. Talvez na sua próxima experiência, Marcos Paulo se lembre que filmes necessitam de uma unidade, nunca deixando o público na dúvida de estar assistindo a uma comédia ou a um filme policial. Afinal, filme não é novela, é bom sempre lembrar.


Cotação:

Nota: 6,5

sábado, 23 de julho de 2011

27 anos...


Pausa no cinema.

Como todos já devem estar sabendo, faleceu hoje a talentosíssima cantora Amy Winehouse, mais uma vítima das drogas. Uma tragédia anunciada, diga-se de passagem. Já havia um bom tempo que ela era uma forte candidata a Janis e a candidatura acabou se confirmando. Ambas perderam a vida aos 27 anos, assim como dois outros ídolos da música: Jim Morrison e Jimi Hendrix. Todos vítimas do mesmo mal, é bom lembrar. Acredito que está na hora de acabar, de uma vez por todas, com a idiota glamurização das drogas. E ainda tem gente por aí que, por pura conveniência (usando um eufemismo) ou para posar de "moderno" , "mente aberta" ou qualquer outra babaquice pseudo-inteligente , defende a legalização destas. Tomara que a morte da cantora sirva ao menos para refletirem sobre esse tipo de sandice.

Descanse em paz, Amy!


quinta-feira, 21 de julho de 2011

Trilha Sonora #18


Eu assisti a "O Sol da Meia-Noite" (White Nights, 1985) há muitos anos e não lembro muito dele. Recordo da presença do famoso bailarino Mikhail Baryshnikov, o qual interpreta um personagem com tons semelhantes aos da sua própria biografia, já que ambos fogem da antiga União Soviética e se naturalizam norte-americanos. Mas, principalmente, nem eu e nem niguém esquece da canção vencedora do Oscar "Say You, Say Me", de Lionel Ritchie (por onde ele anda?). Quem viveu os anos 80 deve sentir saudade dessa!


domingo, 17 de julho de 2011

Para Ver Em Um Dia de Chuva




Interlúdio
(Notorious - 1946)


Suspense e romance em harmonia


Entre as mais conhecidas obras de Alfred Hitchcock, esta é uma das últimas a que me faltavam assistir. Não gosto de me valer dos subterfúgio de baixar filmes pela internet, mas a verdade é que cansei de esperar uma edição oficial e decente em DVD no Brasil, estando disponível no mercado nacional apenas as cópias da perigosa (co)Continental, caras e pouco confiáveis (já pensou pagar cerca de 40 reais por um disco e ele travar na metade?). Bem, a verdade é que realizei o download e a acabei assistindo a esta peculiar película do mestre do suspense na chuvosa tarde do último sábado. O termo peculiar cabe de forma ainda mais especial para nós, brasileiros. Isso porque a maior parte de sua trama se passa no Rio de Janeiro e vemos lá algumas cenas interessantes do Rio antigo. Vale frisar que, contudo, o par central da narrativa, formado pelos antológicos astros Cary Grant e Ingrid Bergman, jamais esteve em solo carioca, uma vez que foram usados dublês e imagens projetadas durante as filmagens. De qualquer forma, o detalhe passa quase despercebido diante da bela fotografia em preto e branco e, também, do ótimo resultado alcançado pelo diretor com esse longa.

Esse resultado feliz provavelmente foi obtido devido à quase ausência de interferência do produtor David O. Selznick, um dos poderosos chefões da velha Hollywood – ou talvez o maior deles (ele produziu “...E o Vento Levou”, lembra-se?). Este era o terceiro trabalho que Hitchcock fazia pra ele, depois de “Rebecca, A Mulher Inesquecível” (que lhe rendeu o único Oscar de melhor filme em toda sua carreira) e “Spellbound – Quando Fala o Coração”, este uma experiência com contribuições surrealistas do gênio artístico Salvador Dalí (e também a primeira oportunidade em que trabalhou com Ingrid Bergman). A ingerência de Selznick em “Spellbound” foi tão grande que várias das criações do pintor espanhol foram rejeitadas para conter custos, o que levou Dalí a acreditar que a razão do convite era apenas a sua assinatura nos créditos. A verdade é que em “Interlúdio” Selznick praticamente permitiu que Hitchock produzisse a si mesmo – e muitos afirmam que, se fosse diferente, o projeto teria terminado em um desastre.

O sucesso da empreitada se deu, inclusive, a despeito da premissa inverossímil do roteiro (escrito por Ben Hecht) . Afinal, mesmo levando em consideração a costumeira desinformação do público norte-americano, é difícil imaginar que este não conhecesse seus aliados e inimigos durante a Segunda Guerra Mundial (valendo à pena dizer que a produção é de 1946, logo após o término do conflito, portanto). E a trama parte justamente da ideia de que cientistas alemães viveriam em tranquilidade (?!) no Brasil durante o fim deste evento histórico. Cary Grant interpreta o agente Devlin, um encarregado de monitorar as atividades destes cientistas por estas bandas. No entanto, como forma de facilitar e aprofundar o trabalho, ele procura a bela Alicia Huberman (Ingrid), filha de um norte-americano condenado por traição exatamente devido à sua ligação com o grupo de nazistas que está sendo espionado. No entanto, Devlin, ao mesmo tempo em que usa Alicia para atingir os objetivos do Estado, acaba realmente se apaixonando por ela. As coisas complicam ainda mais quando seus superiores sugerem que Alicia case com o alemão Alexander Sebastian (Claude Rains, o policial Renault de “Casablanca”) e ela passa a viver sobre o fio da navalha na bela mansão deste, principalmente devido à desconfiança e comportamento maquiavélico da sogra. (Leopoldine Konstantin).


Como nenhum outro cineasta, Hitchcock realiza uma perfeita mistura de gêneros, equilibrando romance e suspense em uma trama de espionagem. O filme pode ser visto tanto como um suspense com pitadas românticas ou como um romance com um pano de fundo de espionagem. O olhar de cada espectador é que determinará o teor do longa. Este equilíbrio, ademais, até mesmo por ser observado através das suas duas mais lembradas sequências. Da mesma forma em que há a presença de uma longa cena de beijo entre Devlin e Alicia (que foi considerada a mais longa do cinema até então, tendo inclusive problemas com a censura), também encontramos uma sequência sensacional de suspense que só poderia mesmo ter sido concebida por Hitchcock. Afinal, só ele mesmo para conseguir tensão através de coisas banais como a busca de garrafas de vinho e champanhe em uma adega. Acredito que esta simbiose de gêneros só voltaria a ser tão bem executada pelo mestre nas obras-primas “Janela Indiscreta” (Rear Window, 1954) e “Um Corpo Que Cai” (Vertigo, 1958). Por outro lado, o diretor nos faz nutrir sentimentos oscilantes pelos personagens, já que Sebastian nos é mostrado não como um típico “vilão”, mas como, antes de tudo, um homem apaixonado por Alicia. A sequência final na escadaria, frise-se, se coloca como a perfeita síntese dessa ambiguidade.

Contando com atuações inspiradas – principalmente de Bergman (linda como de costume) e do sempre excelente Rains (que acabou sendo indicado ao prêmio de coadjuvante da Academia de Hollywood) – alguns podem se queixar que “Notorious” possui uma conclusão exageradamente aberta, o que acaba por frustrar uma parcela do público mais acostumada com desfechos mastigados. Entretanto, creio que este final que estimula a mente do espectador talvez seja até um mérito da película, deixando entrever o que acontecerá com cada um dos personagens. Ressalte-se, ainda, que este é um recurso característico das obras do velho Hitch - o final de “Os Pássaros” (The Birds, 1963) é exemplo clássico desse aspecto. Mesmo que não seja um filme perfeito como o citado “Janela Indiscreta”, não se pode negar que “Interlúdio”, a despeito dos mencionados aspectos pouco verossímeis, se constitui em um ótimo exemplar da filmografia do mestre e, repito, é bom ver cenas de um Rio de Janeiro ainda distante do clima um tanto caótico de hoje. Valeu à pena fazer o download!

Curiosidade: Hitchock não sabia que o urânio, elemento químico presente no desenrolar da narrativa, era utilizado para a confecção da bomba atômica. A presença de tal elemento na trama fez com que o diretor fosse investigado durante anos pelo FBI...


Cotação:

Nota: 9,0

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Dica de Livro


Em 1995, o British Film Institute convidou ninguém menos que Martin Scorsese para realizar um documentário para a TV em comemoração aos 100 anos da Sétima Arte. Pois bem, o livro que aqui indico é justamente o roteiro dessa produção. Como sugere o título, "Uma Viagem Pessoal Pelo Cinema Americano" faz um passeio ao longo de várias décadas do cinema estadunidense, onde Scorsese, com maestria, nos mostra a influência e importância fundamental dos diretores que lhe precederam. Gostoso de ler, vamos descobrindo sem qualquer enfado como funcionava o studio system - a velha forma de produção que reinou durante muitos anos em Hollywood - além de conhecer os pioneiros na contestação desse status quo e, claro (e esta é a parte mais saborosa), descobrir vários e vários filmes dos quais muitas vezes sequer ouvimos falar, mas que Scorsese resgata do esquecimento para lustrar e fazer reluzir o seu devido brilho. Há ainda vários comentários de outros diretores e atores famosos, trechos de diálogos interessantes de diversas produções e também belas fotos que ilustram as páginas. Não é à toa que Scorsese é conhecido, mesmo no seu meio, como um verdadeiro professor da arte em que também brilha. Obrigatório para qualquer cinéfilo!

Uma Viagem Pessoal Pelo Cinema Americano - Martin Scorsese e Michael Henry Wilson - Cosac & Naify - 223 páginas.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Cinema Com Pimenta - 3 anos!


É isso aí. Há exatos três anos, no dia 11 de julho de 2008, com a postagem da resenha sobre “Wall-E”, surgia o “Cinema Com Pimenta” como uma forma de publicar os textos que eu escrevia sobre os filmes, que via em enviava por e-mail para alguns amigos. Alguns destes davam a sugestão de criar um blog enquanto outros perguntavam porque eu não publicava em jornais. A ideia de publicar em periódicos nunca me agradou, já que iriam podar meus textos para caber no formato e limitações editoriais. Ademais, escrevo minhas linhas por paixão e não por vontades ou necessidades financeiras. A alternativa do blog se tornou, desta forma, a melhor, já que eu poderia escrever livremente e de acordo com o meu tempo disponível.

Mas é claro que os desafios se apresentaram de maneiras diversas. Como esta não é a minha atividade profissional, é frequente ter que driblar a falta de tempo para manter este espaço atualizado. E também, por vezes, é preciso superar a ausência de inspiração. Há filmes que terminamos de ver e já sabemos tudo que iremos escrever, enquanto em outros casos as palavras parecem sair a fórceps. Todavia, apesar dos obstáculos, a cada comentário postado pelos leitores me sinto recompensado por todo o esforço. Muito melhor do que qualquer possível retribuição financeira, que eu poderia receber em outros meios, é a força dada por aqueles que também vivem o cinema. Dia desses, li que Rubens Ewald Filho valoriza muito o trabalho dos blogueiros. “Eles escrevem com paixão”, disse o crítico. Acredito que cada cinéfilo blogueiro sabe o quanto de verdade existe nessa frase.

Bem, como forma de lembrar o aniversário, coloco abaixo uma sequência famosa e marcante de “2001 – Uma Odisseia no Espaço”. Durante muito tempo considerei este o melhor filme de todos os tempos. Talvez hoje ele não ocupe o posto no meu ranking (nem sei exatamente que filme eu definiria, neste momento, como o melhor já realizado), mas, com certeza, ele tem e sempre terá lugar cativo no meu top 10. Cheio de pretensões, mas brilhante em igual medida, “2001” é uma experiência que sempre perderá se transformada em palavras. E isso me faz dispensá-las agora. Se você ainda não teve a felicidade de apreciar esta verdadeira pérola de genialidade gerada por Stanley Kubrick, um dos raros filmes que nos atingem da mesma forma que uma música ou uma pintura, aí segue um aperitivo. Mas o melhor mesmo é assistir à obra por completo.

Por fim, fica aqui o meu muito obrigado para todos aqueles que acompanham o Cinema Com Pimenta. Um grande abraço e que Deus abençoe a todos!



sábado, 9 de julho de 2011

O cinema e a reciclagem de ideias - Parte II

Continuando as linhas sobres o reaproveitamento de ideias na atual crise de criatividade presente nas realizaçãoes cinematográficas (principalmente as made in Hollywood), vamos agora falar sobre outras espécies destas reciclagens. Se na primeira parte tecemos comentários sobre as duas fórmulas mais comumente usadas, quais sejam, o remake e a sequência, agora partiremos para uma apreciação de outras nem tão “badaladas”. São elas o prequel, o midquel, o interquel e o reboot. Nada muito catedrático, como podem perceber, mas acreditamos contribuir para o esclarecimento dos conceitos. Vamos a eles.


Prequel – Em terras brasileiras, não foi ainda utilizado um termo em português para traduzir esse neologismo surgido nos anos 1970. Em Portugal, utiliza-se a palavra “prequela”, o que constitui uma boa tradução, já que o termo em inglês se origina da junção de pre (antes, anterior) e sequel (sequência, sequela). Prequel é uma obra cuja trama ocorre em momento anterior à outra já lançada previamente, comumente esclarecendo a origem de personagens ou fatos que não foram totalmente desvendados durante a narrativa original. Embora o termo só tenha surgido nos anos 70, como mencionado, a origem deste tipo de obra é bem mais remota. O livro bíblico de “Rute”, que narra histórias de antepassados do rei Davi, por exemplo, é uma prequela de outros livros que tratam deste soberano hebreu. Em outra exemplificação, o genial músico Richard Wagner utilizou-se deste recurso na sua tetralogia “O Anel dos Nibelungos”, já que a ópera “Das Rheingold” é uma prequel da anterior “Siegfried”. Em termos cinematográficos, é essencial frisar que os fatos constantes da nova narrativa devem ser cronologicamente anteriores aos presentes no primeiro longa-metragem, pois que, se posteriores, não será uma prequela, mas uma sequência.

Apesar de não tão comuns quanto as sequências, podemos citar exemplos bem famosos e interessantes de prequels. Mais uma vez vamos recordar aqui o caso da saga “Star Wars”. Uma das precursoras nas sequências, ela também é referência entre as prequelas. Como é bastante conhecido, toda a série “Guerra nas Estrelas” foi concebida originariamente por George Lucas em seis episódios, mas ele resolveu filmar primeiramente o episódio IV, denominado “Uma Nova Esperança”. Décadas depois do término da trilogia que compreende este episódio e mais o V e o VI (o acima mencionado “O Império Contra-Ataca” e “O Retorno de Jedi”, respectivamente), Lucas retomou seu universo para levar às telas os três primeiros episódios que contam como Anakin Skywalker se tornou o temido Darth Vader. Ou seja, toda a segunda trilogia de “Star Wars” é uma extensa prequel do episódio IV, uma vez que suas narrativas tratam de fatos cronologicamente anteriores ao longa de 1977.

A segunda trilogia de Star Wars: um extenso prequel do pioneiro episódio IV

Ainda podemos elencar outras prequelas bastante conhecidas do grande público. “O Exorcista – O Início” (Exorcist: The Beginning, 2004) é prequel do clássico “O Exorcista” (The Exorcist) dirigido por William Friedkin em 1973 (e, por extensão, de toda a franquia, que inclui ainda os episódios II e III), mostrando a viagem que o Padre Merrin realiza para a África Oriental, deparando-se pela primeira vez com o demônio Pazuzu. Já “X-Men Origens: Wolverine” (X-Men Origins: Wolverine, 2009) antecede cronologicamente a trilogia dos X-Men iniciada em 2001 e revela o surgimento do popular herói Wolverine com a implantação do metal adamantium em seu esqueleto. Por sinal, ainda está em exibição nas salas de cinema, o segundo prequel da série do mutantes, o ótimo “X-Men Primeira Classe” (X-Men: First Class - 2011). Por outro lado, uma prequela já se tornou lendária entre os cinéfilos. Trata-se de “O Hobbit”, adaptação do livro de J.R.R. Tolkien que antecipa os acontecimentos de “O Senhor dos Anéis”. Há anos os fãs aguardam ansiosamente pelo filme, o qual, depois de anos de entraves jurídicos relativos aos direitos de adaptação da obra, finalmente entrou em fase de produção, tendo inclusive algumas imagens já liberadas na internet.

Interquel e Midquel – São duas formas de abordagem pouco utilizadas e, por isso mesmo, menos importantes, sendo mais comum na televisão e principalmente na expansão de uma obra para outras mídias. No interquel, temos uma narrativa que se passa entre duas outras já realizadas anteriormente, desenrolando fatos que o público não tinha tomado conhecimento. Um bom exemplo deste recurso é a animação “Star Wars: The Clone Wars” (2008), longa que serviu de introdução para a série de animação televisiva com o mesmo nome. Já no midquel o roteiro é desenvolvido a partir de uma elipse ocorrida no contexto de uma obra prévia. O conceito ficará mais claro recordando “Bambi II”, animação dos estúdios Disney elaborada para o mercado de home vídeo. Nele, a narrativa se desenvolve durante o período de tempo que se passa entre a morte da mãe de Bambi e sua idade adulta, o qual não é mostrado no famoso longa de animação que leva o nome do seu personagem central. Resta claro, portanto, que interquel e midquel são formas bastante mercadológicas de se explorar personagens com grande potencial e retorno financeiro. Não é à toa que fizemos mais uma menção à série “Guerra nas Estrelas”, já que Gorge Lucas se tornou o rei deste tipo de exploração mercantilista.

Reboot (ou reinício) – Talvez seja sinal dos tempos, mas é curioso que um termo da informática seja adotado para designar um conceito de obra midiática. Para conceituar reboot vamos nos valer da definição de Thomas R. Willits: “reboot significa reiniciar um universo de entretenimento que já foi estabelecido previamente, começando uma nova história e/ou cronologia que desconsidera a história ou acontecimentos do original, tornando-o obsoleto”. Neste ponto, é fundamental frisar que o reboot não é o mesmo que um remake. Como demonstrado em linhas anteriores, a refilmagem funciona como uma adequação ou nova visão de uma obra para uma determinada plateia, seja por necessidades comerciais ou artísticas, sendo que a obra, em linhas gerais, continua a mesma, com igual trama e personagens. No reinício novos paradigmas são estabelecidos para um universo ficcional que normalmente já teve sequências, sendo que tudo que foi feito ulteriormente é ignorado na noviça produção. Assim, um outro cânone é instituído, inovando e consagrando novos parâmetros a serem seguidos.


O exemplo mais imediato que podemos utilizar para exemplificar a ideia de reboot é o longa-metragem “Batman Begins” (2005), responsável por devolver ao famoso personagem dos quadrinhos o respeito perdido com os desastrosos filmes dirigidos por Joel Schumacher (principalmente “Batman & Robin”, de 1997, assombrosamente ruim). A solução encontrada pela Warner Bros., estúdio detentor dos direitos de adaptação, foi a de “zerar” a série cinematográfica, ignorando inclusive os filmes dirigidos por Tim Burton, que também nunca foram unanimidade de crítica e público. A intenção era a de contar uma nova origem para o herói e o diretor escalado, Christopher Nolan, obteve grande sucesso na empreitada, a qual inclusive gerou uma sequência, “Batman – O Cavaleiro das Trevas” (The Dark Knight, 2008), que acabou se tornando um marco nas adaptações de HQ para a tela grande, rendendo, inclusive, um Oscar de ator coadjuvante ao saudoso Heath Ledger. Outro reinício que se mostrou bastante feliz foi o da longa série “007”, que, a partir de “Cassino Royale” (2006), de Martin Campbell, assumiu novos e surpreendentes ares, com o ator Daniel Craig encarnando o agente James Bond com uma força e competência que não se via desde os anos 60 com Sean Connery. Recentemente, tivemos ainda o reboot da saga “Star Trek” (2009), apresentando-a para uma nova geração de possíveis fãs. Vale assinalar, porém, que nem sempre os reboots são necessários. A nova adaptação do Homem-Aranha, dirigida por Marc Webb e contando com Andrew Garfield no papel de Peter Parker (tem estreia prevista para 2012), é um típico caso de desnecessidade, tendo em vista a qualidade da trilogia dirigida por Sam Raimi e protagonizada por Tobey Maguire, ainda viva na memória do público e dona de uma legião de fãs. E que fique claro mais uma vez: reinício não é refilmagem, mas uma nova maneira de abordar um universo ficcional, não estando em absoluto atrelado a uma obra lançada anteriormente.

Embora não se possa negar que essas diversas formas de abordar um universo ficcional tenham sido engendradas, em sua maioria, por motivações eminentemente comerciais, como já frisado em diversas passagens nas linhas precedentes, também não se pode olvidar, por outro lado, que em várias outras ocasiões são obtidos resultados artisticamente relevantes. Mesmo os remakes, que talvez representem melhor esta vertente de mercado, uma vez que é a menos criativa das opções de retomada de um universo ficcional, podem adquirir um valor cinematográfico relevante quando bem realizados. Concluindo, o Cinema Com Pimenta espera ter jogado um pouco de luz, mesmo que de forma tênue, sobre a zona nublada que encobre as variadas espécies de reciclagem criativa que permeiam o cinema contemporâneo. Na verdade, espera mais ainda que as mentes que fazem o cinema, sejam cineastas ou executivos, consigam deixar para trás esse marasmo criativo e consigam fazer de tais reciclagens uma exceção e não a regra, já que está última vem reinando nos últimos anos.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O cinema e a reciclagem de ideias - Parte I



Na atual crise de criatividade que assola a indústria do cinema, mormente a hollywoodiana, estão cada vez mais comuns as reciclagens de ideias, aproveitadas por meios distintos de abordar um universo ficcional. Neste sentido, surgiram termos como “remake”, “reboot”, “prequel”, entre outros, para designar os longas-metragens que promovem tal reaproveitamento de material criativo. Contudo, percebe-se que muitas vezes ocorre confusão por parte tanto da mídia quanto dos espectadores acerca do conceito de cada uma destas maneiras de reutilização de uma trama ou conjunto de personagens já pré-estabelecidos em produções ulteriores. É comum que seja empregado o termo “reboot” quando, em verdade, se trata de um “prequel”, por exemplo. A mais comum destas fórmulas, vale dizer, é o remake, mas, frise-se, ele é tão somente um dos meios de se explorar um universo ficcional já pré-estabelecido. Outros caminhos de abordagem também são muito usados, principalmente nesses tempos de escassez de ideias. É possível utilizar-se de um mesmo conjunto de personagens para desenvolver uma nova trama em um longa-metragem posterior, ou simplesmente continuar a narrativa desenvolvida no filme original, oferecendo um desenvolvimento maior dos acontecimentos e personagens ou mesmo esclarecendo pontos que permaneceram obscuros anteriormente. Existe ainda a possibilidade de recriar o universo estabelecido em longas anteriores, reiniciando a saga dos personagens, desconsiderando o que foi feito previamente. Ou, ainda, retomar o universo de um primeiro longa-metragem mostrando fatos que, cronologicamente, antecedem aqueles exibidos na película original. Para cada uma destas possibilidades existe uma designação específica e é importante, para aquela que pretende conhecer um pouco mais da sétima arte, conseguir diferenciá-las. Mas vale uma ressalva: se, na maioria dos casos, tais filmes representam uma carência de ideias novas no meio cinematográfico, em outras eles podem significar uma necessidade artística, trazendo-nos obras relevantes e mesmo artisticamente superiores, como tentaremos explanar a seguir. Passemos então a uma análise mais atenta e em tópicos das diversas vertentes de aproveitamento de um mesmo universo ficcional. Pra tornar a leitura menos cansativa, o Cinema Com Pimenta opta por dividi-la em duas partes. Na primeira, falaremos sobre o remake e a sequência. Na seguinte, abordaremos o prequel, o reboot e mais o midquel e o interquel. Vamos a eles.

Remake (ou refilmagem) – A mais comum das formas de reciclagem de ideias no cinema. Seu conceito é de fácil apreensão, já que consiste em tomar o mesmo material de um filme original e vertê-lo novamente para a tela, com a mesma trama e os mesmos personagens (1). Ultimamente, o remake vem sendo rotineiramente utilizado para verter longas estrangeiros para o mercado norte-americano, dada a aversão dos estadunidenses à leitura de legendas, além de tornar o material original mais palatável ao sabor de um público moldado para as facilidades do cinema comercial. Um exemplo bastante conhecido é o de “O Chamado” (The Ring, 2002), de Gore Verbinski, refilmagem do japonês “Ringu” (1998), cujo sucesso acabou gerando uma onda de remakes de filmes nipônicos de horror. Embora normalmente a confecção de uma refilmagem seja resultado de necessidades comerciais, é possível que ela ocorra também por motivações artísticas, como no recente “Bravura Indômita” (True Grit, 2010) realizado pelos irmãos Joel e Ethan Coen, uma nova versão para o filme homônimo protagonizado em 1969 pelo ícone John Wayne (muito embora os Coen recusem o rótulo de “remake”, alegando que realizaram uma nova adaptação do livro de Charles Portis e não uma releitura do filme de Henry Hathaway). A nova roupagem imprimida pelos irmãos diretores acabou, inclusive, agradando ao público mais jovem, resultando em um grande sucesso de bilheteria.


John Wayne e Jeff Bridges no papel de Rooster Gogburn nas duas versões de "Bravura Indômita"

É bom destacar que esta “atualização” para uma nova geração de espectadores também caracteriza uma das motivações recorrentes dos remakes. Outro caso bastante conhecido de refilmagem é a de “O Homem Que Sabia Demais” (The Man Who Knew Too Much, 1956), de Alfred Hitchcock, que soube aliar interesses comerciais e artísticos na sua direção, já que ele nunca havia ficado plenamente satisfeito com a versão inglesa da obra (de 1934). A nova cria resultou mais exuberante e imageticamente poderosa, com algumas da melhores sequências da carreira do genial diretor, como a conclusão repleta de suspense no Albert Hall londrino. É bom, ademais, relembrar projetos de releituras totalmente dispensáveis, tanto do ponto de vista comercial quanto artístico, como no emblemático exemplo do “Psicose” (Psycho, 1998) do diretor norte-americano Gus Van Sant, uma refilmagem quadro a quadro do clássico absoluto de Hitchcock (lançado em 1960), o qual jamais perdeu sua força, carecendo de qualquer atualização para um público mais jovem. Destaque-se, por último, que o remake é um recurso usado não apenas no mundo do cinema. A televisão também costuma realizar remakes de séries e novelas constantemente. Afinal, todos os veículos procuram um porto seguro quando as ideias escasseiam.

Sequência (ou sequel) – Praticamente tão comum quanto o remake, a sequência consiste em retomar um universo definido em um longa-metragem anterior, continuando e desenvolvendo sua trama normalmente do ponto onde foi interrompida. Portanto, não se trata de mostrar mais uma vez a mesma estória, como acontece na refilmagem, mas de desenvolver uma nova narrativa com o mesmo conjunto de personagens e tendo por base os fatos já ocorridos no filme predecessor. Normalmente produzidas por questões mercadológicas, são muito frequentes as sequências de grandes campeões de bilheteria, os denominados blockbusters, já que estas superproduções costumam arrebanhar uma horda de fãs que acabam por tornar seguro o investimento em uma continuação, com um retorno quase garantido. O exemplar mais emblemático de uma sequência encontra-se em “O Império Contra-Ataca” (The Empire Strikes Back, 1980), segundo episódio a ser lançado da famosa saga “Star Wars”, concebida por George Lucas. A trilogia original de “Guerra nas Estrelas”, inclusive, pode ser apontada como a matriz de toda a invasão de sequels que encontramos hoje nas salas de exibição. Com seu enorme sucesso, tornou-se o exemplo a ser seguido, nem tanto pelos cineastas, mas principalmente pelos executivos, que veem lucros fabulosos surgirem a partir de licenciamentos para uma variação de produtos que vão desde bonecos a toalhas de banho (e não apenas das bilheterias). Ou seja, as sequências tornaram-se a fonte maior de recursos para a manutenção do sistema de produção vigente em Hollywood, alicerçado em altos custos. Muitos filmes, vale ressaltar, já são concebidos para gerar sequels, apresentando conclusões em aberto ou pontos mal explicados que possibilitem o desenvolvimento de um segundo episódio. Em outras oportunidades, já são pensadas como obras divididas em capítulos, como no caso da própria franquia “Star Wars”, escrita por George Lucas em seis partes (e tendo levado às telas primeiramente o capítulo IV) ou a adaptação para o cinema da obra literária “O Senhor dos Anéis” (TheLord Of The Rings), cujas três partes foram filmadas de uma só vez pelo diretor Peter Jackson.



Entretanto, nem só de mercado vivem as sequências. É salutar recordar que um dos pioneiros neste recurso fílmico – antes mesmo da referida série de George Lucas - foi a trilogia “O Poderoso Chefão”, que foi desenvolvida por Francis Ford Coppola muito mais por motivações artísticas que financeiras. Claro que a Paramount viu na oportunidade uma chance de aumentar seus ganhos, tendo em vista o grande sucesso da obra-prima que deu origem à trilogia. Contudo, é importante observar que, para uma parcela da crítica, “O Poderoso Chefão 2” até mesmo supera seu predecessor enquanto obra de arte, demonstrando a substância de um projeto magnífico. Um bom exemplo, ademais, de que nem sempre está com a razão o senso comum, que nos leva a considerar sequências como inferiores ao longa original. Neste sentindo, no Brasil podemos destacar o recente “Tropa de Elite 2” (2010), de José Padilha, uma brilhante continuação para o seu já ótimo primogênito.

Bem, se teve paciência de chegar até aqui, o Cinema Com Pimenta publicará a segunda parte destas observações em breve. Até lá!
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(1) É possível que ocorra a inserção de algum personagem diferente ou exclusão de outro que consta no original, sem que tal expediente descaracterize a natureza de remake.