domingo, 28 de agosto de 2011

Filmes Para Ver Antes de Morrer

Quanto Mais Quente Melhor
(Some Like It Hot, 1959)



Humor universal


Quando começo uma resenha sobre alguma comédia, costumo fazer a advertência de que humor é uma questão muito pessoal. Em inúmeras ocasiões podemos rir de uma determinada cena ou piada enquanto outras não verão nelas a menor graça. Tal característica possivelmente torna o gênero o mais difícil para qualquer artista, seja ele cineasta, escritor, ator ou qualquer outro. Entre os atores, já se tornou lugar-comum afirmar que é muito mais complicado fazer rir do que chorar. De qualquer forma, a frase resume a mais pura verdade. Sendo assim, só mesmo sendo genial para conseguir fazer qualquer um rir e um dos raros artistas a alcançar tal feito foi o diretor Billy Wilder e sua obra máxima da comédia “Quanto Mais Quente Melhor” (Some Like It Hot).

Este longa-metragem de 1959 é fruto de uma fase mais leve e divertida da carreira do famoso cineasta de origem austro-húngara (ele nasceu em 1906, quando o Império Austro-Húngaro ainda existia e a cidade onde nasceu hoje é território polonês). Sua fase anterior, onde predominaram dramas cáusticos, nos rendeu verdadeiras obras-primas do cinema, como “A Montanha dos Sete Abutres” (Ace In The Hole, 1951) e “Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Boulevard, 1950), sendo que este último costuma até mesmo frequentar listas de melhores de todos os tempos (com inteira justiça, diga-se de passagem). A partir de 1954, com “Sabrina”, Wilder engendraria uma série de históricas comédias que legariam grandes momentos para a Sétima Arte, tais como “O Pecado Mora Ao Lado” (The Seven Year Itch, 1955) e “Se Meu Apartamento Falasse” (The Apartment, 1960). No entanto, Wilder jamais abandonou o seu lado crítico, continuando a espezinhar o cinismo e hipocrisias sociais e “Quanto Mais Quente Melhor” melhor se coloca como o perfeito ápice dessa fórmula que mistura consciência crítica e humor.


Tudo neste filme funciona. Desde o roteiro inspiradíssimo (curiosamente, até o início das filmagens, ele estava ainda pela metade), passando pelas atuações fabulosas e a direção magistral, não há nada que esteja fora de lugar, trazendo ao espectador duas horas memoráveis. Inspirado em um filme alemão de 1951, Fanfahren Der Liebe, em que dois músicos se fingem de mulher para integrar uma banda feminina, Wilder, auxiliado por I.A.L Diamond (seu frequente colaborador), elaborou um roteiro perfeito que consegue combinar diálogos afiados a gags sensacionais, além de puro pastelão, sem perder, como dito mais acima, a perene veia crítica que se tornou a marca registrada do diretor-roteirista. Aqui, Wilder ambienta a estória de travestismo nos EUA de 1929, tempo da depressão econômica e da Lei Seca, época em que o comércio de bebidas alcoólicas acabou se tornando tráfico devido à proibição oficial. É quando os dois amigos músicos Joe (Tony Curtis) e Jerry (Jack Lemmon) testemunham um massacre cometido por Spats Columbo (George Raft), chefão dos gangsteres de Chicago. Para salvar a pele, a única saída se torna acompanhar uma banda feminina de jazz que está de partida para apresentações em um hotel de Miami. É na viagem de trem que a dupla, que agora usa os nomes “Josephine” e “Daphne”, além de se exasperar para não ter o disfarce descoberto, ainda conhece Sugar Kane (a mítica Marilyn Monroe), cantora sensual, frágil e beberrona que desperta o imediato interesse dos dois. Para completar o salseiro, ao chegar a Miami “Daphne” passa a ser alvo dos cortejos incessantes do milionário Osgood Fielding (Joe E. Brown).


Para levar a cabo seus propósitos, Wilder teve que quebrar alguns tabus da indústria. Houve resistência do estúdio com a premissa do roteiro, que inseria comédia dentro de um contexto a princípio violento, um massacre. Ademais, o diretor lutou muito para que o longa permanecesse com suas duas horas, algo incomum para as comédias da época - na verdade, é uma duração pouco convencional até para as comédias de hoje. Mas o resultado final mostrou que ele estava certo. Até mesmo a utilização da fotografia em preto e branco se mostrou feliz, tanto para realçar o clima do período em que se passa a trama, como para atenuar o peso da maquiagem no rosto dos atores, a qual certamente pareceria muito exagerada caso fosse o utilizado o technicolor na produção.


Mas é claro que um roteiro brilhante exigiria intérpretes à altura da tarefa. Tony Curtis, que se sentia constrangido, de fato, em atuar travestido confere um ar de seriedade a sua “Josephine” que contrasta de maneira de maneira impagável com a atuação desinibida do sensacional Jack Lemmon, que transformou sua “Daphne” em uma das figuras mais hilárias da história do cinema. Esta foi a primeira colaboração de Lemmon com Wilder, parceria que renderia várias outros bons filmes na década seguinte. Além disso, temos a presença da lendária Marilyn, ícone atemporal de beleza e sensualidade, em um dos papéis pelos quais é mais lembrada, juntamente com o citado “O Pecado Mora Ao Lado” (que tem a cena famosa na qual sua saia sobe) e “Os Homens Preferem As Loiras” (Gentlemen Prefer Blondes, 1953, de Howard Hawks). Sua presença nos sets, porém, trouxe alguns problemas, já que ela estava em uma fase difícil emocionalmente, o que acentuava. ainda mais a sua já natural dificuldade em decorar diálogos. Foram necessários colocar papeis dentro de gavetas e em outras partes dos ambientes para que as filmagens tivessem sequência, o que acaba impacientando o restante do elenco (alguns afirmam que Curtis tinha especial impaciência com a situação). O se vê na tela, no entanto, é um elenco em grande sintonia, com um timing cômico perfeito não só entre as estrelas, mas também entre os coadjuvantes.

O desfecho antológico e inesperado parte inclusive de um desses coadjuvantes, Osgood, em uma cena concebida pelo co-roteirista Diamond na véspera de sua encenação, último tijolo na construção de uma comédia que se tornou realmente histórica. Não é por acaso que Wilder considerava este o seu melhor filme e o American Film Institute tenha elegido esta como a melhor comédia de todos os tempos. Uma obra que desafia a ideia que expressei mais acima de que o humor é algo muito pessoal, pois é quase impossível não rir com esta comédia fervilhante. Uma amostra de que, quando o talento fala mais alto, o humor pode ser universal.


Cotação e nota: Obra-prima.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

George e Scorsese


Essa foi uma das ótimas notícias que tivemos essa semana. "Gorge Harrison: Living In The Material World", o documentário de Martin Scorsese sobre o Beatle George Harrison ganhou um trailer bastante estimulante. Nossa, a vida de um beatle contada pelo cineasta mais musical do cinema vai ser de arrepiar! O documentário foi comprado pela HBO norte-maericana, que vai exibi-lo como um especial em duas partes, dias 5 e 6 de outubro. Além disso, o filme deve rodar festivais mundo afora, começando pelo de Nova York, que acontece de 30 de setembro a 16 de outubro. Aguardando! Veja o trailer abaixo!


domingo, 21 de agosto de 2011

Super 8



Muito obrigado!


Talvez seja resultado da temática abordada, mas a sensação que tive ao término da sessão de “Super 8” foi a de que o filme é muito mais do produtor Steven Spielberg do que do diretor J.J. Abrams. Afinal, o gênero da aventura infanto-juvenil foi praticamente inventado por Spielberg a partir de “E.T. - O Extraterrestre” (1982), o qual acabou gerando, ao longo dos anos 80, uma profusão de filmes voltados para este público, como “Os Goonies” (1985) e “Conta Comigo” (Stand By Me, 1986). Quem foi garoto(a) nos anos 80 deve guardar com carinho na memória a lembrança destas produções que dialogavam com imensa eficácia com o seu imaginário, fazendo despertar emoções e até mesmo ajudando na construção de uma personalidade e, claro, também constituindo uma grande diversão. “Super 8” é exatamente uma homenagem a este tipo de cinema tão caro a muitos adultos de hoje. Mas não só isso. É também uma declaração de amor à própria arte cinematográfica.

O próprio título do longa-metragem já se constitui uma referência a uma das formas de se fazer cinema. Super 8 era uma tipo de câmera muito comum até o início nos anos 80 e frequentemente usada por cineastas amadores para realizar suas produções caseiras. Ela utilizava o barato filme de 8mm (daí o nome do dispositivo) e não possuía negativo, não permitindo, desta forma, mais de uma revelação. Sendo assim, a única maneira de se fazer a edição, era, literalmente, cortando e emendando pedaços de filme. Tais dificuldades, entretanto, jamais inibiram os diretores e atores aspirantes, havendo até mesmo concursos de curtas no formato, o que era um grande estímulo para a garotada. Basta lembrar que o próprio Steven Spielberg começou assim, filmando em super 8 com os amigos da vizinhança. E é exatamente na realização de um curta neste formato que os protagonistas da produção estão envolvidos.

A narrativa nos apresenta Joe Lamb (Joel Courtney), um garoto que acabou de perder a mãe em circunstâncias trágicas. Além da escola, seus dias se passam em auxiliar o amigo e “diretor” Charles (Riley Griffiths) na realização de curtas sobre zumbis (o que dá ensejo a várias homenagens, ao longo da projeção, a George Romero, o mestre do gênero terror-zumbi), ao lado de outros companheiros. É quando eles resolvem filmar uma cena de amor em uma estação de trem da pequena cidade de Lillian, Ohio, que acontece um evento estranho e que acaba acidentalmente sendo capturado pela câmera, tornando-os alvos da perseguição do Exército, o qual ocupa a localidade logo após a ocorrência do citado evento. Com um roteiro tão simples e direto, sobra espaço para que sejam explorados os sentimentos e conflitos típicos desta fase da vida. Com personagens muito bem construídos e carismáticos, vamos acompanhando o nascimento e construção das amizades, o surgimento do primeiro amor, além da necessidade de começar a enfrentar aspectos mais duros da vida, como a perda de pessoas próximas. Esta última, vale dizer, se configura em algo caro à filmografia spielberguiana, comumente pontuada por lares esfacelados, seja pela perda, seja pela separação de pais. Não é mera coincidência o fato de Joe lembrar muito o Michael, personagem central de “E.T.”


Contando com um elenco quase inteiro de atores novatos, é impressionante o resultado interpretativo que o diretor Abrams conseguiu arrancar da garotada. Todos entregam boas atuações e encontram-se em perfeita sintonia, valendo um destaque especial para Elle Fanning (irmã de Dakota Fanning), como Alice, a menina e interesse romântico do grupo, e Joel Courtney, como o protagonista Joe (como eles choram bem!). Com tanto carisma, torna-se impossível não se identificar e se empolgar com suas aventura e desventuras. Falando em aventuras, Abrams dá um show de direção ao criar cenas espetaculares. A cena do descarrilamento do trem, por exemplo, já se coloca como uma das mais memoráveis dos últimos anos. Simplesmente sensacional! Como é bom ver quando efeitos especiais são usados a favor da narrativa e não esta em prol da tecnologia (viu, Michael Bay?). Da mesma forma, a recriação do clima dos anos 80, fazendo os personagens usarem aparelhos hoje estranhos aos mais novos, como walk-talkies e walkmans, é precisa e aponta para uma nostalgia que se espraia em todos os aspectos da produção. Além disso, cada cinéfilo sai presenteado com uma série de referências ao próprio cinema. Desde os citados filmes de zumbi de George Romero a Alfred Hitchock, passando pela própria cinematografia de Spielberg, há muita coisa a ser observada por olhares mais atentos.

Entretanto, se o cinema oitentista é perfeitamente revitalizado em seu clima leve e aventureiro, por outro lado o pecado de “Super 8” termina por ser exceder-se nessa fonte, assumindo também os seus clichês. Assim, a partir de certo ponto, o roteiro (escrito pelo próprio J.J. Abrams) acusa uma demasiada previsibilidade, deixando entrever uma conclusão que soará familiar a muitos dos que estiverem na sala de projeção. Ademais, algumas circunstâncias restam mal resolvidas, deixando a sensação de pressa em chegar à conclusão ou mesmo de falta de ideias que explicassem melhor alguns pontos nebulosos.

À parte tais problemas, “Super 8” é, desde já, o melhor filme de J.J. Abrams no cinema (bem superior a “Star Trek” e “Missão Impossível 3”), mesmo com a evidente mão de Spielberg pesando sobre o resultado final do longa-metragem. Muito se esperava dele devido ao seu grande sucesso nas séries de TV (como na famosa “Lost”), mas TV e cinema são duas mídias com características bem distintas, e a exigência do meio cinematográfico é bem maior do que o televisivo. É importante sublinhar, ainda, que o cinema costuma gerar verdadeiras pérolas quando faz uso inteligente da metalinguagem (“Cinema Paradiso” está aí provando tal afirmação) e aqui parece ser o caso. Este é um longa que já nasceu predestinado a se transformar em um autêntico cult. Impossível não se emocionar com um filme que remonta a tantas boas lembranças e fazendo também um novo público entrar em contato com uma forma de se fazer cinema já quase em desuso. Impossível, ademais, não se emocionar com uma declaração tão grande de amor à arte como vemos na tela, declaração esta sintetizada na linda, criativa e divertida sequência final de créditos, a qual fez todo o público da sala em que assisti ao longa esperar até o fim (mesmo aqueles que já estavam em pé acabaram por acompanhar os letreiros). Diante de uma homenagem tão especial à sétima arte, só resta a nós, cinéfilos, dizermos um muito obrigado aos realizadores.


Cotação:

Nota: 9,0

sábado, 20 de agosto de 2011

Eu Quero Esse Pôster #15

Muitos não gostam de "A Fonte da Vida" (The Fountain), de Darren Aronofsky (parece que qualquer coisa que obriga as pessoas a pensarem acaba desagradando), mas não se pode negar que a arte do pôster acima é simplesmente linda. Os traços me lembram as gravuras do artista francês Gustave Doré, famoso por suas ilustrações para grandes clássicos da literatura. Show!

domingo, 14 de agosto de 2011

Filmes Para Ver Antes de Morrer



Bonnie & Clyde - Uma Rajada de Balas
(Bonnie & Clyde, 1967)


Violento, ro
mântico e precursor de uma era


Reza a lenda que Warren Beatty chegou a se ajoelhar aos pés de Jack Warner, o então todo-poderoso da Warner Bros., implorando para que ele aprovasse a produção de “Bonnie & Clyde”. Não se sabe se o relato é verdadeiro (o ator até hoje nega que o seja), mas ele se traduz em uma ótima maneira de ilustrar a odisseia enfrentada por Beatty para realizar esta obra seminal, em verdade muito mais sua do que de Arthur Penn, responsável pela direção. Beatty era ainda um jovem intérprete que vivia muito mais da imagem de astro conquistador-mulherengo do que efetivamente do seu talento. Despontando como sensação em “Clamor do Sexo” (Splendor In The Grass, 1961), de Elia Kazan, Beatty nunca mais havia feito nada de realmente relevante em sua carreira e a ideia corrente de que seria apenas mais um galã sem real talento vinha lhe incomodando bastante (já o citado Jack Warner achava que ele estava desperdiçando a carreira com “filmes de arte”). Ele estava ansioso por mostrar que era subestimado e que possuía uma visão inovadora para o cinema norte-americano, muitos mais alinhada com o frescor do então pujante cinema europeu, vivendo o auge com a Nouvelle Vague francesa e a melhor fase da produção italiana.

Não por acaso, François Truffaut foi o primeiro diretor a assumir o projeto, mesmo que por pouco tempo, chegando a desenvolver o roteiro originalmente concebido por David Newman e Robert Benton. Foi a partir de Truffaut, por sinal, que Beatty tomou contato com o projeto. O famoso diretor francês acreditava que o jovem ator seria perfeito para o papel de Clyde Barrow, famoso assaltante de bancos durante a depressão econômica dos anos 30, e ele não havia se enganado. Entretanto, Truffaut abandonou o projeto para se dedicar a “Farenheit 451”, deixando o longa dos famosos gangsteres do meio-oeste americano sem diretor. Foi aí que Beatty recorreu a Arthur Penn, um cineasta que, como o ator, ambicionava por maior reconhecimento. Ele vinha dos fracassos “Um de Nós Morrerá” (1956) e “Mickey One” (1965) e estava relutante em aceitar o encargo. Mas Beatty sempre foi um sujeito persistente e não admitiu a negativa de Penn.

(ATENÇÃO: o parágrafo abaixo contém spoilers!)

Mesmo com a saída de Truffaut o filme não perdeu a influência da Nouvelle Vague, alternando momentos de grande apelo dramático, com outros de tom claramente cômico. Estabelece, inclusive, uma forte ironia ao pontuar sequências de violência com uma trilha caraterizada pela presença do banjo, instrumento típico da cultura norte-americana e normalmente usado em músicas festivas. No mesmo sentido, torna-se interessante observar que “Bonnie & Clyde” possui um início e um final abruptos, sem prólogo ou epílogo. A narrativa se inicia a partir do momento em que os dois se conhecem, sem sabermos absolutamente nada dos seus respectivos passados, e tem seu término com o fim da dupla, secamente, sem que seja mostrada qualquer repercussão de suas mortes. Ou seja, trata-se de um recorte específico do relacionamento do casal, constituindo-se, antes de ser um filme sobre gangsteres, em um longa-metragem acerca de um romance entre dois fora-da-lei. Um romance pontuado por muita violência, claro. E a violência jamais havia sido exibida em cores tão vibrantes quanto aqui. Muitos críticos torceram o nariz para o filme, quando de seu lançamento, justamente devido a este aspecto, acusando-o de banalizar a violência e glamorizar o crime. A verdade é que, com a exposição dos “tiros e suas consequências” de forma bastante gráfica, algo que em geral ficava escondido nas produções até ali realizadas, a violência adquiriu novos contornos no cinema, causando um impacto bem mais significativo no espectador. E isso não é exatamente ruim, já que, gerando choque, é mais fácil que o assistente se oponha a métodos violentos para alcançar objetivos, levando-o a entender que o fins não justificam os meios.


Em contrapartida, é indubitável que “Bonnie & Clyde” promove uma certa glamorização do crime. Em determinada cena, Clyde Barrow (papel de Beaty) apresenta a ele e Bonnie Parker (Faye Dunaway, belíssima e esbanjando talento) falando “nós assaltamos bancos”. Momentos como este aliados ao fato de que o filme se coloca como anti-establishment, principalmente diante de uma geração de jovens ansiosos por quebrar regras, com uma nova visão de mundo e que se colocava de maneira cada vez mais veemente em oposição à Guerra do Vietnã, levaram o longa-metragem a se tornar, mesmo que lentamente (já que seu início foi desastroso, principalmente em razão da má vontade de Jack Warner com a distribuição), um grande sucesso comercial e mesmo comportamental (a boina da personagem de Faye se tornou moda entre as garotas). A película se coloca, portanto, como um dos precursores de uma novidadeira forma de se fazer cinema, agora antenada com um mundo que já estava longe de ser aquele que existia no auge da chamada Velha Hollywood. Estava surgindo um cinema disposto a quebrar paradigmas, abandonando o antigo código que estabelecia as regras da produção cinematográfica (o denominado Código Hays) e estabelecendo como limite apenas a criatividade de cada cineasta, de cada artista.

Mas “Bonnie & Clyde” não é apenas um filme que quebrou barreiras. Ele é, em si mesmo, uma ótima película em seus aspectos técnicos e artísticos. O roteiro, além de narrar com constante interesse a história dos dois criminosos e seu bando, possui diálogos memoráveis, além de inserir, com perfeita naturalidade, elementos inovadores sem parecer forçado. Benton e Newman (com a contribuição não creditada de Robert Towne), à parte inserirem vários elementos que destoaram da história verídica, fizeram de Clyde um impotente sexual, surgindo esta característica como possível fator a explicar sua vida bandida. Ademais, chega a ser brilhante a maneira como os escritores fizeram Bonnie se apaixonar por Clyde. Ao colocarem o criminoso falando para a então garçonete que ela merecia ser muito mais do que aquilo e que, aos seus olhos, ela era uma estrela de cinema, resta claro porque ela embarca numa estrada de delitos e jamais abandona o seu amado. Por outro lado, só roteiristas, com grande perspicácia fazem os protagonistas se relacionarem com as respectivas famílias, demonstrando como as relações familiares acabam irremediavelmente por afetar os relacionamentos amorosos.


Em outra vertente, percebemos da mesma forma uma sensacional riqueza nas interpretações, não só de Beatty e Dunaway (nascidos para seus respectivos papéis), como também de Michael J. Pollard na pele de C.W. Moss e o então quase desconhecido Gene Hackman como Buck, o irmão de Clyde. Mas quem acaba roubando a cena entre os coadjuvantes é Estelle Parsons, intérprete de Blanche Barrow, a cunhada de Clyde, alvo do desafeto de Bonnie devido à sua constante histeria - e também o jeitão caipira, que aparentemente fazia Bonnie se lembrar de suas origens. Não à toa, Parsons acabou levando o Oscar de atriz coadjuvante, juntamente com Burnett Guffey, responsável pela fotografia (e estes seriam os dois únicos prêmios das 10 indicações que a produção recebeu).

Embora não tenha sido um sucesso imediato principalmente entre a crítica, “Bonnie & Clyde – Uma Rajada de Balas”*, acabou por ser reconhecido como um marco da sétima arte, um dos filmes responsáveis pelo invenção do cinema contemporâneo. Não por acaso, a famosa Pauline Kael considerou o longa um marco cultural através de sua famosa crítica de mais de 9.000 palavras na revista “The New Yorker” (muitos atribuem a essa sua crítica a “virada” que o longa daria nas bilheterias dali em diante). Sua influência pode ser notada em toda a geração de cineastas que surgiu no fim dos 60 e início dos 70 (os integrantes da “Nova Hollywood”), e mesmo nomes como Quentin Tarantino ainda reverberam hoje os seus ecos. Um filme que talvez não seja precisamente uma obra-prima, mas sem dúvida foi precursor de uma nova era.


Cotação:

Nota: 10,0

* Os brasileiros adoram colocar subtítulos, muitas vezes desnecessários, mas nesse caso ficou ótimo!

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Quero Ver Novamente #13


Estou com a maior vontade de ver "A Árvore da Vida" (The Tree Of Life), o novo filme do gênio Terrence Malick. O problema é que, pra variar, filmes deste quilate não têm estreia no circuito natalense juntamente com o circuito nacional - e olha que nesse caso Brad Pitt e Sean Penn estão no elenco (a estreia de "Meia-Noite Em Paris" por aqui foi uma rara exceção). Para saciar ao menos um pouco o desejo, resta rever um outro longa de Malick, "Além da Linha Vermelha" (The Thin Red Line), filme de 1998 que mostra em todas as imagens e diálogos o que é cinema de verdade (como ele pode ter perdido o Oscar para "Shakespeare Apaixonado"?). Nada menos do que excelente! Veja o trailer abaixo! Ah, e se ainda não viu, trate de compensar essa falha gravíssima o mais rápido possível!


terça-feira, 9 de agosto de 2011

Capitão América - O Primeiro Vingador


Com um certo atraso, segue a resenha do mais novo filme da Marvel.


Patriotismo sem patriotadas



Eu era bem garoto quando li a primeira HQ do Capitão América. Tinha uns 8 ou 9 anos e aquelas aventuras de um herói sem superpoderes me entusiasmaram bastante, algo irônico para quem me conhece hoje, já que costumo ser um severo crítico do imperialismo ianque (apesar de amar o seu cinema, mas cada um tem suas contradições...). Talvez também tenha influenciado o fato do personagem ser de um tipo franzino (como eu, à época) e, por meio de uma experiência com um soro denominado de “supersoldado”, transforma-se em um homem forte que leva ao limite todas as potencialidades físicas de um ser humano. Ademais, seu caráter sempre correto (neste ponto com um jeitão de Super-Homem) era um exemplo para um garoto em formação (mais tarde, na adolescência, eu iria preferir Wolverine, mas isso já é uma outra história...). Sendo assim, foi com grande carinho que acompanhei este “Capitão América – O Primeiro Vingador” na sala escura.

Contudo, vou procurar não me deixar levar por aspectos passionais. Em uma análise fria, acredito que o filme pode ser divido em duas partes, sendo a primeira bastante superior à segunda. São nos primeiros 60 minutos de projeção que acompanhamos a transformação de Steve Rogers, de um mero rapaz magrelo que deseja ardorosamente servir ao exército norte-americano durante a Segunda Guerra Mundial, a um herói usado como peça de propaganda do governo americano para conseguir contribuições para o esforço de guerra. Fiquei admirado com a perfeita percepção do diretor Joe Johnston acerca do personagem. Steve pode ser patriota, mas nunca parece ser um idiota. Ele é um homem que deseja ardorosamente lutar por aquilo em que acredita e, no caso, não há nada de errado nisso. Afinal, o inimigo em questão era o nazismo, uma das mais abjetas ideologias já surgidas na história da humanidade. Tal circunstância acaba servindo como uma maneira de amenizar o tom possivelmente americanizado que poderia assumir o longa. Esta, inclusive, era uma das grandes preocupações da Marvel diante do forte sentimento anti-americano que se espalhou pelo mundo nos últimos anos e qualquer estúdio sabe o quanto é importante, hoje em dia, a bilheteria obtida fora dos Estados Unidos para fechar suas contas. Mas tudo fica muito equilibrado, chegando a surgir até mesmo algumas críticas abertas ao modo de ser dos estadunidenses. Um patriotismo sem patriotadas.

Ao falar sobre a boa caracterização do personagem de Steve Rogers, não podemos esquecer da competência da atuação de Chris Evans (quem diria...), que soube muito bem achar o tom correto. Ademais, os efeitos especiais que transmudaram o corpulento ator em um rapaz franzino são simplesmente excelentes (técnica similar foi usada em “O Curioso Caso de Benjamim Button”). Diante de olhos desavisados, pode-se pensar que se tratam de dois atores diferentes. Mas não é apenas Evans que está bem. Todo o restante do elenco alcança bons resultados, principalmente Tommy Lee Jones como o general Chester Phillips, responsável pelas frases mais espirituosas do longa, e Hayley Atwell como Peggy Carter, a militar que é o interesse romântico do herói. A relação entre os dois, por sinal, é bem desenvolvida, sem pressa e soando perfeitamente natural (neste ponto, o oposto a “Thor”, com seu namoro quase instantâneo).


Entretanto, é na segunda metade que o filme acaba caindo em qualidade. Muito focada na ação, ironicamente (pois que se trata de um filme de super-herói) se torna arrastada, já que Johnston não demonstra criatividade em cenas de aventura. Há alguns bons momentos, mas a sensação reinante acaba sendo de enfado, até mesmo porque o vilão Caveira Vermelha, chefe de uma organização à parte do nazismo, a Hidra, não se mostra especialmente interessante, mesmo com o esforço do seu intérprete Hugo Weaving. Esta “segunda parte” da película só não se torna totalmente dispensável devido à sua sensível conclusão - muito embora já haja nela o gancho para o futuro filme dos Vingadores, o qual parece estar sendo tratado pela Marvel Studio como a cereja do bolo que é toda essa enxurrada de filmes com seus heróis.

De qualquer forma, em que pesem os defeitos apontados, a produção inegavelmente caprichou nos detalhes. A direção de arte recuperou muito bem a estética das HQs dos anos 40, sendo que os créditos finais resultaram em verdadeira peça retrô, com os traços característicos da época (sequência bastante charmosa). Outro ponto alto é a trilha sonora do veterano Alan Silvestri, inspirada e perfeitamente adequada ao personagem. E isso sem falar nos já mencionados efeitos especiais, ótimos não apenas para deixar Chris Evans magrinho, como também em praticamente todas as cenas onde eles são exigidos. Nos aspectos técnicos, só o que deixa a desejar é o 3D (convertido, diga-se de passagem), completamente desnecessário *.

Não posso negar, contudo, que considerei interessante a experiência de ver o “bandeiroso” na telona (foi gratificante, como antigo leitor, me deparar com personagens como Dum Dum Dugan) e acredito que possa se tornar também um entretenimento cativante para os não iniciados, mesmo que tenha deixado aquele gosto de preparação para o filme-evento “Os Vingadores”. Falando nisso, não aguento mais esse sensacionalismo todo com o filme do supergrupo. Já ficou chato ver em todo fim de longa-metragem da Marvel essas referências e ganchos para o que está por vir. Tomara que consiga fazer jus a tanta expectativa criada.


Cotação:

Nota: 7,5

* Acabei vendo em 3D por ser a sessão com o horário mais conveniente.

sábado, 6 de agosto de 2011

Cinemúsica



Os Reis do Iê Iê Iê
( A Hard Day's Night, 1964)


O registro documental e surreal de uma revolução


Não é tarefa fácil dimensionar a importância de “A Hard Day's Night” para a cultura pop contemporânea. Sua influência vai muito além da sétima arte. Aliás, no âmbito meramente cinematográfico sua relevância nem é tão acentuada, muito embora também seja responsável por inovações estilísticas também nessa área. A verdade é que o filme, para além de uma mera película, transformou-se na catarse de uma geração, poucas vezes sintetizada de forma tão brilhante. Sua irreverência, tradução visual de uma característica da própria banda que é o foco da produção, se coloca como oposta a todo o status quo vigente. Nada mais jovem. E, de forma impressionante, o filme se mostra muito mais jovial do que muitos longas voltados para esse público nos dias atuais. A banda em questão, The Beatles, foi o maior fenômeno pop de todos os tempos. Sucesso de público e crítica mesmo décadas depois de sua separação, naquele momento (1964) se desenhava a explosão da beatlemania. Uma febre de juventude varria o mundo por meio daqueles quatro rapazes cabeludos de uma cidade portuária da Inglaterra. Um estouro que iria resultar não apenas em cerca de 2 bilhões de discos vendidos. Afinal, os Beatles foram bem além de um mero fenômeno mercadológico.

Por outro lado, aqueles eram também tempos mais puros, uma época em que os Fab Four ainda não haviam sido apresentados às drogas por Bob Dylan, fato que os levariam a experiências lisérgicas que proporcionariam ainda uma outra revolução que a ser cristalizada nos álbuns “Revolver” e “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band”, verdadeiras obras primas musicais e símbolos de uma nova forma de percepção da realidade. “Os Reis do Iê Iê Iê” (título brasileiro para o original de difícil tradução) é o recorte do tempo em que John, Paul, George e Ringo viviam correndo da enxurrada de fãs que os acompanhavam em qualquer nova parada de suas turnês, ainda com seus terninhos bem comportados, um grupo de garotos ainda surpresos com a fama gigantesca que estavam alcançando com sua música atordoante.

É possível que a felicidade na apreensão dessa atmosfera se deva ao fato de que Richard Lester, diretor do longa-metragem, também era ainda um jovem à época da produção. Ele contava apenas 32 anos quando assumiu a batuta, tendo sido escolhido por John Lennon, o qual havia gostado muito de um dos seus curtas anteriores, “The Running Jumping & Standing Still Film”, estrelado por ninguém menos que Peter Sellers. Natural, então, que houvesse por parte dele uma maior facilidade para entender aquele espírito libertário. Lester concebeu algo que foi além de uma mera peça publicitária de uma banda da moda. Realizou uma espécie de documentário-non-sense sobre o dia a dia de estrelas do rock no auge do sucesso, alcançando uma espécie de realismo-surreal (se é que podemos definir algo de forma tão paradoxal). Para tanto, utilizou-se de uma humor refinado e ao mesmo intuitivo, inspirado nos Irmãos Marx, bem de acordo com aquele destilado pelo quarteto de Liverpool em suas entrevistas para a imprensa, sempre respondendo às bobagens perguntadas por esta com a mais fina ironia (não à toa há uma sequência no filme apenas com o grupo respondendo a perguntas tolas dos jornalistas). O filme pode até parecer a muitos uma comédia de absurdos, dado o alto número de situações non-sense apresentadas, boa parte capitaneadas pelo ator Wilfrid Brambel, experiente profissional com boa carreira na TV inglesa e interpretando aqui o avô “muito limpo” de Paul McCartney. É de seu personagem que saem conselhos no melhor estilo “carpe diem”, insuflando-os a jogar os livros fora e aproveitar a juventude que lhes resta. E é seguindo esses conselhos que Ringo se mostra o melhor ator da trupe, meio que encarnando o espírito irônico e anárquico da banda em sequências sensacionais, como aquela em que ele sai vagando pelas ruas sem saber ao certo o que fazer *.


O próprio título do longa está longe do convencional. Em verdade, ele foi criado por Ringo (mais uma vez ele), de forma involuntária, ao se queixar de que eles estavam trabalhando duro dia e noite. Ao ouvir a frase “it's been a hard day's night”, Lester afirmou que ela tinha de ser o título do filme e que os artistas deveriam compor uma canção em cima da mesma. A sessão de gravação da faixa durou apenas três horas, tempo necessário para que o grupo inventasse o poderosíssimo acorde que abre a música - e que acabaria também por abrir o filme. Impressionante como esse acorde parece ser a síntese de toda a explosão da beatlemania e a primeira sequência do longa também se apresenta em igual medida, traduzindo em imagens o fervor de uma época (os figurantes da cena foram fãs de verdade, recrutados pela produção). E vamos, então, ouvindo e vendo uma sucessão de petardos dos Beatles, como “I Should Have Known Better” (composição de John inspirada no estilo de Dylan), “And I Love Her”, “Can't Buy Me Love”, entre outras, e culminando em um show no teatro Scala de Londres ao fim da projeção **. É importante sublinhar, ademais, o “ouvindo e vendo” do período anterior, já que “Os Reis do Iê Iê Iê” se transformou em uma espécie de marco zero do que seria conhecido mais tarde como videoclipe. A sua associação de música e imagem tornou-se a base desse produto do pop.

Quase cinco décadas depois, “A Hard Day's Night” surge ainda como uma película sui generis, difícil de classificar como um musical, um documentário ou uma comédia (talvez seja tudo isso junto) e com o bônus extraordinário de vermos e ouvirmos a maior banda de todos os tempos em ação. Interessante que Lester não obteria um resultado tão feliz no filme seguinte com o quarteto, “Help”, de 1965. Talvez porque neste último os próprios Beatles já não tenham contribuído muito, uma vez que nesta segunda ocasião já estavam mais preocupados em fumar ervas e se encontravam-se chapados demais para levar as filmagens a sério. Sim, aqui eles já haviam sido apresentados às drogas por Dylan, o que os levaria a outros caminhos, uma nova fase se anunciava. Mas o registro de sua primeira fase com “A Hard Day's Night” é mesmo definitivo.


Cotação e nota: Já me esforcei muito para tentar escrever um texto com certo distanciamento. Não peça que um fã dos Beatles estabeleça uma “nota” ou “estrelas” para esse filme. Abstenção!

* Segundo declarações dos próprios integrantes da banda, Ringo estava com uma baita ressaca durante as filmagens desta sequência.

** Um dos figurantes da plateia no teatro era Phill Collins, com apenas 13 anos.

Obs. Resenha escrita ao som do álbum "A Hard Day's Night"!

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O novo terror de Coppola


A imagem acima é de "Twixt", o novo terror de Francis Ford Coppola. A narrativa tratará de um autor de uma série de livros envolvendo bruxaria que, em meio a uma turnê no interior dos Estados Unidos para divulgar sua última obra, se depara com a história de um assassino serial que pode lhe render um novo trabalho.O elenco contará com Val Killmer ressurgindo-das-cinzas (e com bem mais peso também, como dá pra perceber). Interessante que Coppola declarou que teve a ideia do roteiro a partir de um pesadelo. Ele também afirmou que o filme presta homenagem a Edgar Allan Poe, um dos seus autores favoritos. Aguardando desde já! Veja o trailer abaixo.