domingo, 30 de dezembro de 2012

O Impossível

Manipulação competente


Ainda me lembro da ocasião em que soube da notícia do tsunami que devastou a vários países da Ásia no final de 2004. Eu estava em um encontro de final de ano com antigos amigos da faculdade e um deles comentou: “vocês viram o que está acontecendo na Ásia? Um onda gigante está destruindo tudo por lá...”. Eu ainda não sabia e achei a notícia estranha. Quando cheguei em casa, era só isso que se divulgava nos noticiários de TV, com as imagens e números cada vez maiores de vítimas. O maior desastre natural a que já tinha visto na vida. Um horror sem tamanho que colocou a palavra “tsunami” na boca do povo e que fez qualquer morador de uma cidade litorânea (Natal, no meu caso) ficar assombrado.

Anos depois, o cinema começou a levar às telas este tema, o tipo de drama universal que toca qualquer ser humano. O primeiro a que pude assistir foi “Além da Vida” (Hereafter, 2010), do gênio Clint Eastwood, filme que até recebeu indicação ao Oscar de efeitos especiais somente pela cena em que a onda gigante atinge a praia. Agora, temos em exibição nos cinemas “O Impossível”, produção espanhola dirigida pelo também espanhol Juan Antonio Bayona (de “O Orfanato”) que explora ao máximo o potencial lacrimogêneo de uma história passada nessas circunstâncias limite. Afinal, são duas vertentes reunidas em um mesmo filme que costumam atrair bilheteria: catástrofe e sofrimento familiar. Ou seja, um pacote completo para fazer você sair da sala de exibição dizendo que caiu um cisco no olho. E Bayona se mostra, realmente, um manipulador competente para atingir tal objetivo.


Primeiramente, a adaptação de uma história real passada no mencionado evento alterou a nacionalidade dos envolvidos. A família espanhola verídica foi substituída por uma família anglo-saxã, um recurso para fazer com que o público norte-americano pudesse ir aos cinemas assistir ao filme (era provável que eles não o fizessem se a família no filme fosse realmente ibérica). E aí vemos a narrativa nos mostrar pai (Ewan McGregor), mãe (Naomi Watts) e três filhos britânicos que vivem no Japão e estão de férias na Tailândia. O roteiro, escrito por Ségio G. Sánchez, inicia naquele estilo “filme de aeroporto”, mostrando a viagem e as preocupações corriqueiras de uma família de classe média alta, o que pode até possuir uma conotação irônica, deixando transparecer entrelinhas o quanto esta mesma classe média parece se preocupar diuturnamente com questões de pequena importância que parecem assumir proporções gigantescas. Quando estão em um resort, vem a tão assombrosa onda que devasta toda a região e provoca a morte de milhares de pessoas. Pela força das circunstâncias, a família a é separada em dois grupos, sendo um com Maria (a mãe) e Lucas (Tom Holland), o filho mais velho, e outro com Henry (o pai) e os dois filhos menores (Samuel Joslin e Oaklee Pendergast). A tentativa de reencontro dos dois núcleos será o mote da ação.

Não vou aqui afirmar que não se trata de uma história emocionante. Claro que é e seria impossível (ops, perdão pelo trocadilho) que a emoção não transbordasse na tela. Há algumas sequências de fazer um rinoceronte se sensibilizar e confesso que uma em especifico, [SPOILER] quando os irmãos se reencontram [FIM DE SPOILER], bate fundo. Além disso, o realismo (algo muito buscado pelo público contemporâneo) imprimido por Bayona impressiona em várias passagens, deixando todo o terror dos acontecimentos transbordar na tela em cores vivas. Entretanto não se pode negar que o cineasta espanhol também se valeu de elementos manipuladores para induzir o público a uma catarse ainda maior. A trilha sonora (de Fernando Velázquez), invasiva e repleta de excessos, é um claro exemplo de tal aspecto. Além disso, vários desencontros vistos na trama, principalmente na sua segunda metade, parecem mais invenções de roteirista, propícias par aumentar o suspense, do que realidade factual.


Por outro lado, o drama da catástrofe não deixa de ser terreno fértil para boas atuações. Se Ewan McGregor me pareceu apenas correto, não convencendo muito em algumas cenas mais dramáticas, Naomis Watts entrega uma belíssima atuação que deverá lhe garantir uma indicação ao próximo prêmio da Academia de Hollywood (já lhe rendeu uma indicação para o Sindicato de Atores e também ao Globo de Ouro). Ela realmente está ótima, provavelmente em sua melhor atuação até hoje, exibindo uma performance cheia de alma a cada cena. Contudo, ainda melhor do que Naomi me pareceu o elenco infantil. Os garotos são simplesmente sensacionais e acredito que Tom Holland, intérprete do mais velho, merecia também uma indicação ao Oscar, tamanha a sua desenvoltura e naturalidade na tela.

A despeito da citada manipulação, pode-se afirmar que “O Impossível” é um bom filme, mesmo que o seu final traga uma visão ocidentalizada de que este episódio na vida da família tenha se resumido a um espécie de “férias frustradas”, esquecendo o sofrimento daqueles que lá permaneceram (ou seja,da população local). De qualquer forma, se você for daqueles(las) que choram fácil as lágrimas estarão garantidas e mesmo os mais durões não escaparão de algumas inevitáveis emoções (na sala onde vi, muitas pessoas batiam palmas no fim da película). Basta lembrar dos fatos reais para se sensibilizar e imagino que daqui a algum tempo também veremos nos cinemas filmes sobre o tsunami do Japão.


Cotação:



Nota: 8,0


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 Obs. Este foi o último post de 2012. Um feliz 2013 para todos! Grande abraço!

domingo, 23 de dezembro de 2012

Quero Ver Novamente #21


"O Cinema Com Pimenta" já teve a oportunidade de publicar uma resenha sobre "A Felicidade Não Se Compra" (It's a Wonderful Life), provavelmente o maior clássico natalino de todos os tempos. Um filme maravilhoso que jamais canso de rever, tamanha a força deste conto sobre um homem (James Stewart) que, na noite de Natal, deseja morrer porque detesta sua vida e acredita que ele não faria qualquer falta no mundo. É então que um anjo é enviado para convencê-lo a mudar de ideia e resolve mostrar como seria a vida das pessoas que o cercam se ele não existisse. Brilhante e emocionante, a sequência abaixo é o desfecho dessa obra-prima de Frank Capra. Se não viu o filme, não assista ao video, mas proveite para vê-lo inteiro neste Natal. Se já viu o longa, relembre-o com esta passagem maravilhosa. Um feliz Natal para todos, repleto de harmonia, paz e alegria! Que Deus abençoe a todos!


quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O Hobbit: Uma Jornada Inesperada

A Terra Média sucumbe ao mercado


Este filme já havia se tornado uma lenda urbana, tamanhas foram as idas e vindas ao longo de seu processo de produção, o qual passou por conflitos com os interesses dos herdeiros de J.R.R. Tolkien, a falência da MGM, detentora dos direitos de adaptação, além da troca no comando criativo do filme, uma vez que inicialmente a direção estava nas mãos de Guillermo del Toro e acabou passando para as de Peter Jackson, já sabidamente veterano nas transposições do universo de Tolkien para a tela grande (Del Toro acabou assinando como co-roteirista). A novela , enfim, foi concluída e tivemos sua estreia em circuito comercial na última sexta-feira 14, numa clara intenção de concorrer às estatuetas da Academia de Hollywood. Se a expectativa por prêmios é normal, já que a trilogia “O Senhor dos Anéis” abocanhou nada menos que 17 carecas dourados, desta vez, contudo, ela não deverá ser correspondida. “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada” (The Hobbit: An Unexpected Journey) não está à altura de seus predecessores, infelizmente, e acredito que tal circunstância se deve principalmente a razões mercadológicas.

Afinal, foi devida às tais razões de mercado que ocorreu a divisão da trama em três episódios, algo incongruente com o material original, o primogênito dos livros de Tolkien, cuja primeira edição data de 1937 e que possui menos páginas do que qualquer um dos volumes da trilogia dos anéis. O material, entretanto, como é de conhecimento até das plantas, é uma mina de dinheiro e não quiseram perder a oportunidade de iniciar mais uma trilogia para arrancar grana dos fãs. O resultado dessa ideia é que aquele que poderia ser mais um belo filme baseado na obra de um grande escritor, tornou-se um longa arrastado, sem ritmo e que, se ainda consegue em alguns pontos envolver e tocar o espectador, é por mérito quase exclusivo do material original. Sim, quase exclusivo porque, como era de se esperar, a película tem aquele famoso impacto visual característico da saga dos anéis, o que se deve, indiscutivelmente, à notória competência de Peter Jackson nesse quesito. Vale frisar que aqui ele trouxe mais uma inovação, os tais “48 quadros por segundo”, a nova tecnologia que confere à película o dobro de resolução - já que tradicionalmente se usam 24 quadros por segundo (ou seja, fotos por segundo) para que o olho humano tenha a ilusão de movimento na tela. Essa inovação está sendo prometida como “a nova revolução no cinema” (mais outra), mas, devo registrar aqui, não gostei. Tive a oportunidade de ver o resultado em uma sala de exibição local e a sensação que tive foi a de estar vendo um making off, pois o excesso de resolução em um longa repleto de maquiagens e efeitos especiais não contribui para que vejamos os personagens como reais. Fica a impressão de estarmos enxergando exatamente efeitos especiais e trabalhos de maquiadores (algo “fake”, vamos dizer assim) e também não senti que afetou a sensação de imersão no 3D (continuo com a opinião de que a “A Invenção de Hugo Cabret” foi o longa-metragem que melhor usou, até hoje, o potencial das três dimensões).


Mas é claro que a trama tem seu encanto, principalmente para aqueles já conhecedores do universo de Tolkien. Não deixei de me envolver com a estória do hobbit Bilbo (Martin Freeman, quando jovem, e Ian Holm, quando idoso), tio de Frodo (Elijah Wood). É para este que Bilbo, já idoso, irá relatar a aventura que viveu 60 anos antes, quando o mago Gandalf (Ian Mckellen) chegou na porta da sua casa porque havia lhe escolhido para ajudar o anões a retomar o seu antigo lar, a Montanha Solitária, tomado dos mesmos pelo dragão Smaug. Em sua “jornada inesperada”, Bilbo, acostumado à pacata rotina dos hobbits, passará por diversos perigos ao lado do novos amigos e irá se deparar com um famoso anel e um outro personagem adorado pelos fãs que mais tarde seria conhecido como Gollum. Entretanto, mesmo que você não seja um “iniciado”, compreenderá perfeitamente toda a narrativa. Como já dito acima, este foi o primeiro romance de Tolkien a tratar da Terra Média e o fatos nele narrados são, logicamente, anteriores àqueles de “O Senhor dos Anéis”. Ademais, tudo é muito bem explicadinho, fazendo com que nenhum expectador se perca, sendo ele familiarizado ou não com a obra. Não é o esse teor, digamos, “didático” que incomoda, mas a extensão de certas sequências (a reunião de anões na casa de Bilbo poderia ser cortada pela metade) e mesmo a presença de algumas delas (totalmente dispensável toda a sequência com os trolls).


Há alguns momentos chave, todavia, que despertam emoção e nisso Jackson continua o mesmo, sabendo dosar sentimento e aventura como se estivéssemos realmente ouvindo uma história contada por nossos avós. Vale ressaltar, ademais, que o elenco (boa parte dele já familiarizado com seus papéis) está afinado, além de ser sempre um prazer rever Chritopher Lee (com mais de 90 anos!) como o mago Saruman e Cate Blanchett na pele de Galadriel. Howard Shore mais uma vez demonstra muita competência no elaboração da trilha sonora. A fotografia (de Andrew Lesnie), então, é um caso à parte. Nunca a Terra Média (Nova Zelândia, na realidade) foi tão linda e se tem algo em que os 48 frames ajudam é justamente no deslumbre das paisagens. Dá vontade de ir morar na terra dos hobbits.

O que se pode concluir é que a ambição de construir uma nova franquia foi o fator realmente determinante para que este novo longa não tenha apresentado o resultado brilhante dos anteriores. Tivessem feito apenas dois filmes, ou simplesmente reduzido a duração de cada um (quem disse que todos os filmes baseados na obra de Tolkien devem necessariamente ter cerca de 180 minutos de projeção?), e teríamos mais um provável vencedor de muitas estatuetas da Academia – algo que não deve acontecer agora em 2013, a não ser em óbvias categorias técnicas. De qualquer forma, este é o típico filme à prova de críticas, como bem demonstra a bilheteria que vem obtendo mundo afora (nos EUA, teve a maior estreia da história para o mês de dezembro). Eu mesmo, que considero a trilogia original como a melhor obra cinematográfica do presente século XXI , jamais deixaria de conferir “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada” porque um metido a crítico de um blog qualquer disse que este é um filme “lento” e “sem ritmo”. “Que cara mais implicante!”.


Cotação:



Nota: 8,0

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Globo de Ouro 2013 - Indicados


Palhinha rápida aqui sobre a premiação da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood. Sua lista de indicados ao Globo de Ouro tem, como destaques, "Lincoln", que recebeu sete indicações (entre elas, melhor filme-drama, diretor e ator). "Django Livre" e "Argo" empataram com cinco indicações cada um e "A Hora Mais Escura", "Os Miseráveis" e "O Lado Bom da Vida" ficaram com quatro indicações.

A entrega dos prêmios acontece em 13 de janeiro, com apresentação de Tina Fey e Amy Poehler. Isso se o mundo não acabar dia 21 próximo, né? Veja a lista:

Melhor filme (drama)

Argo
Django Livre
As Aventuras de Pi
Lincoln
A Hora Mais Escura

Melhor filme (musical / comédia)

O Exótico Hotel Marigold
Os Miseráveis
Amor Impossível
O Lado Bom da Vida

Melhor ator (drama)

Daniel Day-Lewis - Lincoln
Richard Gere - A Negociação
John Hawkes - As Sessões
Joaquin Phoenix - O Mestre
Denzel Washington - O Voo

Melhor atriz (drama)

Jessica Chastain -A Hora Mais Escura
Marion Cotillard - Ferrugem e Osso
Helen Mirren - Hitchcock
Naomi Watts - O Impossível
Rachel Weisz - The Deep Blue Sea

Melhor ator (musical / comédia)

Jack Black - Bernie
Bradley Cooper - O Lado Bom da Vida
Hugh Jackman - Os Miseráveis
Ewan McGregor - Amor Impossível
Bill Murray - Um Final de Semana em Hyde Park

Melhor atriz (musical / comédia)

Emily Blunt - Amor Impossível
Judy Dench - O Exótico Hotel Marigold
Jennifer Lawrence - O Lado Bom da Vida
Maggie Smith - Quartet
Meryl Streep - Um Divã para Dois

Melhor ator coadjuvante

Alan Arkin - Argo
Leonardo DiCaprio - Django Livre
Philip Seymour Hoffman - O Mestre
Tommy Lee Jones - Lincoln
Christoph Waltz - Django Livre

Melhor atriz coadjuvante

Amy Adams - O Mestre
Sally Field - Lincoln
Anne Hathaway - Os Miseráveis
Helen Hunt - As Sessões
Nicole Kidman - The Paperboy

Melhor diretor

Ben Affleck - Argo
Kathryn Bigelow - A Hora Mais Escura
Ang Lee - As Aventuras de Pi
Steven Spielberg - Lincoln
Quentin Tarantino - Django Livre

Melhor roteiro

Mark Boal - A Hora Mais Escura
Tony Kushne - Lincoln
David O. Russell - O Lado Bom da Vida
Chris Terrio - Argo
Quentin Tarantino - Django Livre

Melhor filme em lingua estrangeira

Amour (Áustria)
A Royal Affair (Dinamarca)
Intocáveis (França)
Kon-Tiki (Noruega, Reino Unido, Dinamarca)
Ferrugem e Osso (França)

Melhor longa animado

Valente
A Origem dos Guardiões
Frankenweenie
Detona Ralph
Hotel Transilvânia

Melhor trilha sonora original

Mychael Danna -As Aventuras de Pi
Alexandre Desplat - Argo
Dario Marianelli - Anna Karenina
Tom Tykwer - A Viagem
John Willians - Lincoln

Melhor canção original

"For You" - Ato de Coragem
"Not Running Anymore" - Stand Up Guys
"Safe & Soud" - Jogos Vorazes
"Skyfall" - 007 - Operação Skyfall
"Suddenly" - Os Miseráveis

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Moonrise Kingdom

Eternas crianças


Esta foi minha primeira experiência com a obra do cineasta Wes Anderson. Sim, pode parecer estranho, mas nunca havia assistido nem mesmo aos seus filmes mais incensados, como “Os Excêntricos Tenenbaums” (The Royal Tenenbaums, 2001). Mas para tudo há uma primeira vez e, diante dos vários elogios ao seu trabalho mais recente, “Moonrise Kingdom”, resolvi que estava mais do que na hora de conhecer a obra deste diretor que divide opiniões, mas que, por outro lado, possui uma das filmografias mais autorais no atual momento do cinema norte-americano, algo que pude de fato constatar já na primeira imagem da película em questão.

Logo de imediato, percebi que Anderson possui um cuidado extremo com o aspecto imagético dos seus filmes. Cada cena aparenta ter sido minuciosamente pensada em sua direção de arte, utilizando-se de cenários com cores marcantes e uma fotografia que realça os tons dos ambientes, com uma estética similar aos dos filmes do gênio Stanley Kubrick, nitidamente uma de suas influências. Outro aspecto que me chamou a atenção foi o ritmo de quadrinhesco da ação vista na tela. A referida elaboração das cenas nos faz imaginá-las como destacadas umas das outras, trazendo um efeito semelhante ao que temos ao ler uma HQ. Mesmo os personagens parecem ser concebidos desta forma, alguns com características que beiram o caricatural, trazendo um leve tom cômico que permeia toda a projeção, mesmo que em nenhum momento sejamos levados ao riso aberto. Toda a trama de Moonrise Kingdom, escrita pelo próprio diretor em parceria com Roman Coppola, pareceu-me ser facilmente adaptável para uma graphic novell, caso algum autor de quadrinhos resolvesse levar a obra a um caminho inverso do que normalmente vem ocorrendo na cultura pop.

Entretanto, se mencionei acima o humor como um dos elementos que Anderson utiliza para contar sua história, não há dúvida que o forte em “Moonrise Kingdom” é seu aspecto dramático. Afinal, trata-se de um conto sobre dois pré-adolescentes, Suzy Bishop (Kara Hayward) e Sam Shakusky (Jared Gilman), um casalzinho que se apaixona e resolve fugir para viver um grande amor. O ano é 1965 e ambos vivem na pequena ilha de New Penzance, na Nova Inglaterra, um daqueles lugares pouco habitados com rios e florestas que povoam o imaginário norte-americano como referência de tranquilidade. Suzy é filha de Walt (Bill Murray) e Lara Bishop (Frances McDormand), um casal cujo distanciamento os leva a se tratar por “doutor e doutora”. A mãe, inclusive, mantém um relacionamento extraconjugal com o capitão Sharp (Bruce Willis, bem melhor do que de costume), o único policial da localidade. O garoto Sam, por sua vez, é um órfão acolhido por uma família que não lhe dá importância e que procura fazer amizades no grupo de escoteiros do qual participa, no acampamento Invanhoé, liderado pelo Escoteiro-Chefe Ward (Edward Norton). Após uma relação construída eminentemente através de trocas de correspondência, os dois partem para uma aventura onde se bastarão um ao outro, vivendo em uma espécie de paraíso onde não mais terão de interagir com um mundo que lhes é frio e indiferente.


Uma das propostas de Anderson com a narrativa é justamente confundir o mundo dos adultos e das crianças. Em vários momentos percebemos que os personagens adultos assumem comportamentos e tomam atitudes infantis e o inverso também é verdadeiro. Ou seja, no fundo seríamos eternas crianças buscando abrigo diante da aridez da sociedade em que vivemos e a formação de vínculos afetivos se coloca como a melhor maneira de atingir tal intento. É a busca desses vínculos que faz com que tanto o capitão Sharp quanto o Escoteiro-Chefe Ward desenvolvam um sentimento paternal em relação a Sam ao descobrirem que o menino é órfão. Da mesma forma, Sam acredita que todo o resto da humanidade é supérfluo, pois que, na sua visão, Suzy é a única pessoa que o ama. Ademais, a relação entre Sam e Suzy é a síntese de toda relação homem-mulher, onde o menino se vale de suas habilidades para dar as condições de sobrevivência à menina que ama. O paraíso proposto por Anderson parece se apresentar, assim, como o retorno aos papeis tradicionais do homem e da mulher, onde ambos viveriam de forma plena sua masculinidade e feminilidade, em um estado de pureza distante dos condicionamentos sociais. A maneira com que o diretor nos apresenta tais perspectivas mostra-se extremamente sensível e feliz, chegando a nos despertar o desejo de ter de volta a pureza e inocência de Sam e Suzy, de reviver as descobertas que eles vivem na tela.


Devo dizer, ainda, que Anderson realmente possui um senso de ritmo excelente, pois jamais a sua trama ameaça se tornar enfadonha e consegue contá-la sem buracos em apenas 94 minutos de película. Além disso, como em outras oportunidades, conseguiu reunir um elenco de peso, onde nomes como Edward Norton e Bill Murray nos entregam ótimas atuações. A direção de atores é tão eficiente que até Bruce Willis consegue sair das suas tradicionais caretas e nos faz esquecer um pouco que aquela figura na tela é ele, Bruce Willis. No mesmo sentido, também o casal de garotos demonstra talento, principalmente Kara Hayward, intérprete de Suzy. Por outro lado, de igual importância se mostra a trilha sonora, um elemento tão relevante no filme quando sua concepção imagética, marcando tanto seus créditos iniciais quanto finais.

Mas o melhor de tudo, todavia, mesmo diante de uma certa previsibilidade no desfecho, é a emoção que Anderson conseguiu gerar com este filme ao mesmo tempo adulto e infantil, o que me causou uma certa surpresa. Sempre li comentários acusando o diretor de criar obras emocionalmente frias, o que me trazia a impressão de que seu trabalho seria bastante semelhante ao dos Irmãos Cohen. Em verdade, acredito que seu cinema se coloca mais próximo do trabalho de outro grande realizador contemporâneo, Tim Burton, ao conceber um universo próprio e autoral, mas sem perder de vista de que o cinema deve tocar os corações daqueles que o admiram. Afinal, ao comprarmos o ingresso para uma sessão ou um DVD ou blu-ray par vermos em casa, o que pretendemos, em última análise, é sermos envolvidos por uma mágica que nos faça viajar e emocionar. E, da mesma forma que Sam consegue levar Suzy para o seu reino particular, Anderson carrega o espectador para dentro desta adorável fábula. Um feito admirável, sem qualquer dúvida. E concluo afirmando que minha primeira experiência com o cinema de Wes Anderson foi, inegavelmente, muito prazerosa.


Cotação:



Nota: 9,5

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Associação dos Críticos de Nova York elege seus favoritos


Pois é, minha gente. Começou a temporada de premiações que culminarão na festa do Oscar a ser realizada no dia 24 de fevereiro. A primeira delas, que possui relevância e certa influência na escolha dos indicados da Academia, foi a da Associação dos Críticos de Nova York. E o que ela revelou é que os norte-americanos parecem estar, como diria Fausto Silva, "mais do que nunca" olhando para o próprio umbigo. Os dois grandes premiados foram "A Hora Mais Escura" (Zero Dark Thirty) - levou três prêmios, incluindo filme e direção -  longa-metragem de Kathryn Bigelow baseado na caçada a Osama Bin Laden, e "Lincoln" (também levou três), o já muito falado filme de Steven Spielberg sobre o famoso presidente ianque. Ou seja, o recado está dado: a tendência é premiar filmes que falem sobre eles mesmos e ponto final. Não é à toa que "Argo", de Ben Affleck, também vem sendo muito cotado para estar ao menos entre os indicados da Academia. É isso. E assista quem quiser...

Segue abaixo a lista completa de premiados.

Melhor Filme: A Hora Mais Escura
Melhor Diretor: Kathryn Bigelow
Melhor Ator: Daniel Day-Lewis (Lincoln)
Melhor Atriz: Rachel Weisz (The Deep Blue Sea)
Melhor Ator Coadjuvante: Matthew McConaughey, por Magic Mike e Bernie
Melhor Atriz Coadjuvante: Sally Field, por Lincoln
Melhor Animação: Frankenweenie
Melhor Filme Estrangeiro: Amor
Melhor Roteiro: Lincoln
Melhor Primeiro Filme: How To Survive a Plague, de David France
Melhor Documentário: The Central Park Five
Melhor Fotografia: A Hora Mais Escura