segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Os 7 Melhores filmes de 2013

Fechando o ano, segue a lista com os sete melhores filmes exibidos no circuito comercial brasileiro no ano de 2013, segundo a visão do Cinema Com Pimenta. Um grande abraço a todos e feliz 2014!


7) Django Livre (Django Unchained, Quentin Tarantino);



6) Os Suspeitos (Prisoners, Dennis Villeneuve);



5) Os Miseráveis (Les Misérables, Tom Hooper);



4) O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook, David O. Russell);




3) Rush - No Limite da Emoção (Rush, Ron Howard);



2) Amor (Amour, Michael Haneke);



1) Gravidade (Gravity, Alfonso Cuáron).

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O Oscar não muda mesmo...



Acabei de ler nos portais de notícias que "O Som Ao Redor", o filme de Kléber Mendonça Filho escolhido para representar o Brasil na disputa pelo Oscar de melhor filme estrangeiro, não está entre os 9 pré indicados divulgados hoje pela Academia de Hollywood.

Mais do que na categoria principal, é impressionante como a Academia costuma dar mancadas na categoria de filme estrangeiro, frequentemente deixando excelentes produções fora da disputa. Já estou esperando a grita pela ausência de "Azul é a Cor Mais Quente", vencedor da Palma de Ouro em Cannes e rei do "bafafá" mundial devido às suas cenas picantes. Aliás, deve ter sido mesmo por essa característica que acabou preterido. De qualquer forma, há longas elogiados e cineastas renomados, como você pode conferir na lista abaixo. Mas não é por isso que vou perdoar a Academia.

Bélgica com "The Broken Circle Breakdown", de Felix van Groeningen
- Bósnia com “An Episode in the Life of an Iron Picker” de Danis Tanovic
- Camboja com “The Missing Picture”, de Rithy Panh
- Dinamarca com “The Hunt”, de Thomas Vinterberg
- Alemanha com “Two Lives”, de Georg Maas
- Hong Kong com “The Grandmaster”, de Wong Kar-wai
- Hungria com “The Notebook”, de Janos Szasz
- Itália com “A Grande Beleza”, de Paolo Sorrentino
- Palestina com “Omar”, de Hany Abu-Assad.

Aproveito para desejar aos leitores do Cinema Com Pimenta um feliz Natal e um 2014 sensacional! Que Deus ilumine a todos!

Grande abraço!



domingo, 15 de dezembro de 2013

Os Suspeitos

Prenda a respiração e reflita


Como é possível perceber pela data da última postagem, “O Cinema com Pimenta” anda meio, digamos assim, “parado”, com um baixo número de atualizações. Isso se deve, em boa parte, ao trabalho, que está consumindo quase todo o meu tempo nos últimos meses e tem me deixado com pouca disposição para escrever. Entretanto, o marasmo do blog também se deve à correria em que eu e minha esposa nos encontramos no preparo da chegada do nosso primeiro filho, prevista para o próximo mês de março. Sim, já sou um papai dedicado que vê seu tempo cada vez mais tomado por essa criaturinha que ainda nem nasceu, mas que eu já amo muito. Bem, de qualquer forma, em meio ao corre-corre dos últimos dias, encontrei um tempinho na última sexta-feira para assistir a um dos filmes que se transformaram em sensação no presente ano de 2013. Trata-se do ótimo suspense “Os Suspeitos”, que não é o de Bryan Singer (produzido em 1995), mas o do canadense Dennis Villeneuve (será que ele tem parentesco com a família de pilotos de F1?), o mesmo diretor do premiado “Incêndios” (Incendies, 2010), longa que não tive a oportunidade de assistir, mas do qual já ouvi ótimas referências.

Não sei no caso do citado “Incêndios”, mas em “Os Suspeitos” Villeneuve deixa transparecer uma acentuada influência do trabalho de um dos mais cultuados diretores da atualidade: David Fincher. Ao logo das quase duas horas e meia de projeção, sentimos aquele clima opressor e um tanto sombrio de suspenses como “Seven – Os Sete Crimes Capitais” (Se7en,1995) ou “Zodíaco” (Zodiac, 2007). Até a paleta de cores usada na fotografia (de Roger Deakins), dessaturada e repleta de sombras, remete aos filmes de Fincher. Contudo, seria leviano afirmar que Villeneuve se limita a ser uma espécie de “imitador” de Fincher. Através de uma trama que poderia render apenas alguns minutos de suspense para o público, Villeneuve desenvolveu uma perspicaz alegoria para abordar uma antiga questão e caráter ético e moral: os fins justificam os meios? Por mais nobres e justificáveis que sejam nossas motivações, será que podemos nos valer de qualquer forma para atingirmos nossos objetivos? É uma pergunta difícil, mas que Villeneuve não se furta a responder de maneira satisfatória ao término do longa.


Para tanto, ele se vale de um roteiro (escrito por Aaron Guzikowski) que estabelece dois protagonistas, quase antagônicos. Um deles é Keller Dove (Hugh Jackman, ótimo), um carpinteiro pai de dois filhos que vê sua rotina virar de ponta cabeça quando sua caçula é sequestrada juntamente sua melhor amiga. É a deixa para que desperte seus instintos paternais de proteção, levando a busca pela menina até às últimas consequências, incluindo extrema violência em relação aos suspeitos. O outro protagonista é o detetive Loki (Jake Gyllenhaal, que não é o irmão do Thor), um policial que se torna obsessivo na busca pelos criminosos responsáveis, mas que jamais ultrapassa a fronteira ética em suas investigações. Nas entrelinhas, Villeneuve parece realizar uma crítica a expedientes espúrios costumeiramente usados pelo Estado (mormente o norte-americano) ao procurar culpados por delitos, principalmente os relacionados ao terrorismo, quando não são respeitados os mais elementares direitos dos acusados.



De qualquer forma, à parte o mencionado subtexto, “The Prisoners” funciona perfeitamente enquanto filme de suspense, daqueles de tirar o fôlego, deixando o espectador em estado de tensão praticamente ao longo de toda a projeção do longa. Mais um mérito do roteiro, que não entrega nada de mãos beijadas ao público, fazendo-o pensar e se interrogar sobre a verdadeira trilha a ser percorrida. Além da já mencionada fotografia soturna, contribui ainda a ótima edição de Joel Cox e Gary Roach, dando ritmo a uma narrativa que poderia se tornar massante devido à longa duração da película. Outro ponto alto são as atuações. Hugh Jackman tem uma de suas melhores presenças ao interpretar o desesperado pai à procura de sua filha, trabalho que possivelmente lhe renderá outra indicação ao Oscar. Entretanto, creio que aquele que mais merece ser lembrado pela Academia é Jake Gyllenhaal como o detetive Loki. Em uma atuação contida e introspectiva, ele rouba as cenas em que aparece mesmo quando não fala muito. Também se destacam pelo apuro na composição dos seus respectivos personagens Paul Dano, na pele do suspeito que é alvo preferencial da obsessão de Keller Dove, que tem uma presença memorável em cena, assim como Melissa Leo, praticamente irreconhecível como uma velha senhora que perdeu uma filha vítima de câncer. É uma pena que as premiações estejam ignorando o primoroso trabalho do elenco. O Sindicato de Atores não lembrou dos intérpretes em nenhuma categoria entre os seus indicados, assim como o Globo de Ouro. Mas o que dizer de premiações que chegaram ao cúmulo de indicar Daniel Brühl, de “Rush – No Limite da Emoção”, na categoria de melhor ator coadjuvante se ele interpreta o personagem central do filme? Nem preciso falar mais nada, né?

Não é o fato de ser ignorado pela temporada de prêmios que vai fazer de “Os Suspeitos” um filme menor. Com certeza, é um dos melhores longas de 2013 e não por acaso foi aplaudido no Festival de Toronto. Bem, ganhando ou não prêmios, a qualidade de “The Prisoners” continua intacta, sendo um dos melhores filmes de 2013, sem dúvida. Não sei se chego a essa conclusão por viver um momento em que estou prestes a me tornar pai e a temática do longa, desta forma, me atingiu de maneira especial. É possível que sim, mas, diante da chiadeira geral que surgiu devido ao seu esquecimento na temporada de prêmios, percebo que ele vem agradando em muito ao público. Há tempos não aparecia um suspense tão interessante entre produções hollywoodianas. Para prender a respiração durante e refletir depois da projeção.


Cotação:



Nota: 9,0

sábado, 16 de novembro de 2013

Trilha sonora # 29


Bruce Springsteen, em recente passagem pelo Brasil, realizou um show sensacional na última edição do Rock In Rio. Eu confesso que eu não conhecia muito bem a obra dele, mas estou vendo agora (ou melhor, ouvindo), o quanto eu estava perdendo durante tanto tempo. Uma das poucas músicas que eu conhecia de Springsteen até o referido show era "Streets Of Philadelphia", de "Filadélfia" (de 1993), filme que deu o primeiro Oscar a Tom Hanks por sua interpretação de um advogado portador de HIV demitido que vai aos tribunais em busca do seu direito. 

A música recebeu, com justiça, o prêmio de melhor canção da Academia de Hollywod e você pode ouvi-la abaixo. Mas não fique só com ela. Procure o repertório de Springsteen na net. Vale muito à pena!



quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Para Ver Em Um Dia de Chuva

Um Método Perigoso
(A Dangerous Method, 2011)
 
 
Gênios em conflito


Pode parecer que estou realizando um “tour de force” pela obra de David Cronenberg, tendo em vista que, há pouco tempo, postei uma resenha sobre “Na Hora da Zona Morta” (The Dead Zone, 1983), filme oitentista do cineasta que, à época, mostrava uma abordagem diferente das suas características, de um caráter mais comercial e menos perturbador, traços até então marcantes dos seus longas. Entretanto, alerto que foi apenas coincidência ter visto no último sábado este “Um Método Perigoso” (A Dangerous Method, 2011), filme que se encaixa dentro da nova forma concebida por Cronenberg desde “Marcas da Violência” (A History Of Violence, 2005), menos “perturbadora” ou “provocativa”, ao menos visualmente. Isso não significa dizer, porém, que Cronenberg abandonou seus velhos temas. A mudança está na forma, não no conteúdo, já que aqui ele se vale de uma trama inspirada em fatos reais e ambientada no início do século XX para tratar dos sentimentos de solidão e inadequação que lhe são peculiares.

Baseado em peça de Christopher Hampton (que também escreveu o roteiro filme), chamada “The Talking Cure”, e no livro “A Most Dangerous Method”, de John Kerr, o enredo tem como personagens centrais as figuras dos seminais teóricos da psicanálise, o judeu austríaco Sigmund Freud e o suíço Carl Jung, aqui interpretados por Viggo Mortensen e Michael Fassbender, respectivamente. Adepto das teorias de Freud, Jung as coloca em prática com uma de suas pacientes, Sabina Spielrein (Keira Knightley), uma judia russa que apresenta comportamento histérico e perturbado. Jung descobre, através de sessões de diálogos com a paciente, que em boa medida seus transtornos são resultado de repressões sexuais elaboradas ainda na infância, época em que desenvolve, em decorrência de castigos paternos, uma sexualidade pautada pelo prazer masoquista. É a partir do estudo da personalidade de Sabina e da melhora comportamental da jovem que Jung estabelece contato com Freud, o qual tem seu interesse despertado pela experiência. A partir de então o filme se desenvolve em duas frentes: a relação de Jung com Freud - a amizade surgida entre ambos, bem como seu rompimento – e relação amorosa de Jung com sua paciente Sabina, que se torna sua amante e alcança o equilíbrio ao realizar com o médico suas fantasias sexuais. Contudo, o equilíbrio de Jung toma o rumo oposto. Casado e de fortes valores, Jung se vê perturbado ao por em prática suas fantasias poligâmicas, em boa medida estimuladas por um pupilo de Freud, Otto Gross (interpretado por Vincent Cassel), embarcando em uma neurose que o levaria a um futuro colapso nervoso. Nesse passo, Jung pode ser apontado como o típico protagonista de Cronenberg, símbolo da angústia e solidão humanas.
 
 
Essas “duas frentes” abordadas por Cronenberg despertam no espectador reações diferentes. Não deixa de ser um prazer vislumbrarmos como se deu a aproximação e cumplicidade entre dois gênios da ciência, assim como ocorreu o seu posterior afastamento. A inicial admiração mútua vai se transformando em desconfiança, principalmente por parte de Freud, que enxerga em Jung uma ameaça intelectual, alguém capaz até de superá-lo perante a comunidade científica. Todavia, o filme se mostra feliz ao não bater o martelo e deixar em dúvida os reais motivos da cisão, até porque talvez até os próprios envolvidos não soubessem precisar as razões. Já na relação entre Jung e Sabina estabelece-se um clima de erotismo muito sugerido e pouco explícito, sem apelações, onde a nudez e cenas de sexo surgem na medida do estritamente necessário. Mas a verdade é que esse tom, ao mesmo tempo sutil e provocativo, pode trazer efeito bem mais eficiente e estimulante para o espectador do que muitos filmes de sexo explícito. Mérito da direção de Cronenberg, vale dizer, que conduz a projeção com muita naturalidade, tornando agradável um tema que poderia soar hermético e entediante.

Da mesma forma, contribui muito para o sucesso da narrativa a competência do elenco e vou fazer aqui um elogio em especial a Michael Fassbender, intérprete de Jung. Sem dúvida, Fassbender é um dos melhores atores em atividade no cinema. Parece que se torna melhor a cada filme e compõe um tipo que se molda perfeitamente à ideia que fazemos de um cientista, aparentemente frio, mas que deixa escapar sentimentos aqui e acolá. Uma composição perfeita que é mais um atestado da grandeza desse ator sensacional, uma espécie de anti-canastrão. Por outro lado, se Viggo Mortensen não chega a ser tão genial, ele não deixa a peteca cair na pele do pai da Psicanálise, mostrando um Freud seguro, influente e dono de um leve tom autoritário, criando um tipo bastante tridimensional. Já Keira Knightley, apesar de alguns momentos de exagero (típico dela, não?), está no melhor momento de sua carreira na pele de Sabina Spielrein (ao lado de sua atuação em “Orgulho e Preconceito”, anos atrás). Por fim, Vincent Cassel tem participação até pequena, mas marcante, como o maluco-beleza Otto Gross, que exerce influência determinante nas futuras decisões de Carl Jung.
 
 
Entretanto, o longa falha justamente ao passar a impressão de que Jung, um estudioso cheio de convicções, criador da teoria do inconsciente coletivo, era um homem bastante influenciável, tomando decisões a reboque de opiniões alheias, caso não só de Gross, mas também de Freud e da própria Sabina. Simbólico, neste sentido, a sua confissão de que Freud era muito persuasivo em suas argumentações, conseguindo facilmente convencer seus interlocutores do seu ponto de vista. Também incomoda uma certa falta de foco do longa ao estabelecer suas duas vertentes, pois que ao estabelecer dois focos de atenção na trama, a relação de Jung com Freud e a outra com Sabina, fica a sensação de que ficou a desejar nos dois campos. Aliás, o longa é bastante curto (tem apenas 99 minutos de duração) e, nesse caso, faria bem se fossem adicionados uns 20 minutos para que alguns aspectos da trama fossem melhor desenvolvidos.

É possível, ainda, observar algumas conotações com o Holocausto judeu na Segunda Guerra, já que a condição judia de Freud e Sabina Spielrein é algo que adquire relevância no contexto do filme, assim como a etnia ariana de Jung (que adora Wagner) é algumas vezes sublinhada entre os diálogos. Será que a quebra da amizade entre Freud e Jung se dá porque o segundo (o “ariano”) se sente ameaçado pelo intelecto do primeiro (o “judeu”) ou vice-versa? Sendo sincero, esse é um subtexto que precisa ser reanalisado em outras visitas à obra, a qual está entre aquelas que precisam ser vistas mais de uma vez para compreendermos inteiramente suas nuances. Ultimamente, não são muitos os longas-metragens que me estimulam a mais uma olhada, mas “A Dangerous Method” consegue ser interessante a esse ponto. Filme que nos deixa pensando sobre suas implicações e reflexões para além de sua projeção é um artigo difícil de encontrar nos dias de hoje.


Cotação:
 
 
 
Nota: 9,0

domingo, 27 de outubro de 2013

Quero Ver Novamente # 24



O Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, está abrigando uma exposição sobre o genial Stanley Kubrick.. Recriando ambientes de filmes do diretor como "O Iluminado" e "Laranja Mecânica", a exposição também reúne centenas de objetos usados em cena - documentos, fotografias, cartas, anotações e peças originais dos longas. Infelizmente, não vou poder conferi-la, mas, nos últimos dias, fiquei com uma baita vontade de rever os filmes de Kubrick, especialmente os mais antigos e menos vistos. Abaixo, você pode conferir uma cena de "Glória Feita de Sangue" (Paths Of Glory, 1957), filme que pode ser considerado como sua primeira obra-prima ( e também o primeiro com a temática da guerra).

A trama se passa em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial, quando um general francês ordena um ataque suicida e, como nem todos os seus soldados se lançam ao ataque, ele exige que sua artilharia atinja as próprias trincheiras. Contudo, o general não é obedecido nessa ordem absurda, então resolve pedir o julgamento e a execução de todo o regimento por se comportar covardemente no campo de batalha e assim justificar o fracasso de sua estratégia militar. Finalmente, decide-se que três soldados serão escolhidos para servirem de exemplo, mas o coronel Dax (Kirk Douglas) não concorda e decide interceder de todas as formas para tentar revogar a estúpida decisão. Filmaço obrigatório!






terça-feira, 22 de outubro de 2013

Restaurando a Película

Na Hora da Zona Morta
(The Dead Zone, 1983)


O (bom) lado comercial de Cronenberg


Há tempos que eu procurava assistir a este filme do cineasta canadense David Cronenberg. Lembro que a Rede Globo o exibiu há muitos anos, mas não está entre suas reprises frequentes, razão pela qual comprei o (horroroso) DVD lançado no Brasil pela Spectranova e consegui satisfazer a curiosidade. Valeu à pena, diga-se de passagem. Cronenberg é uma referência quando se trata de cinema perturbador, escatológico, esquisito, incômodo, violento ou outros adjetivos similares. Muito embora nos últimos anos ele venha dirigindo abordagens mais convencionais, digamos assim, como o longa “Marcas da Violôncia” (A History Of Violence, 2005), sua marca registrada é o que se mostra imprevisível e desconfortável ao espectador, o qual costuma lembrar de Cronemberg por obras como “A Mosca” (The Fly, 1986) e “Gêmeos, Mórbida Semelhança” (Dead Ringers, 1988), filmes que demonstram pouca preocupação com o lado comercial. Neste ponto, soa como um ponto fora da curva a concepção de “Na Hora da Zona Morta” ainda em 1983, já que ele mais lembra os filmes recentes de Cronenberg do que os seus trabalhos gerados nos anos 80.

Adaptação de um livro de Stephen King (o mesmo que originou o seriado de TV de 2002), provavelmente o autor mais adaptado da história do cinema (embora eu não tenha essa estatística), “Na Hora da Zona Morta” é um longa que, de certa forma, acabou meio esquecido pela crítica, talvez por ser um filme de caráter mais “comercial”, menos perturbador, muito embora não deixe de abordar temas comuns na cinematografia de Cronenberg. Afinal, o protagonista Johnny Smith, um pacato professor de literatura que após um acidente de automóvel fica em coma por cinco anos e passa a desenvolver poderes paranormais, representa com muita eficácia o conceito do indivíduo isolado da sociedade devido a peculiaridades pessoais. Para Cronenberg, somos todos sujeitos que estão inexoravelmente alheios à comunidade em que vivemos. Por mais que tentemos, jamais estaremos em perfeita sintonia com o nosso meio e, quando vistos de perto, seremos seres estranhos, “esquisitos”, fadados ao isolamento diante de um contexto social que só admite padrões. Entretanto, sempre teremos algo que não será “padrão” em nosso íntimo. No caso do professor Smith, seus poderes de premonição em relação a eventos futuros acabam por transformá-lo em uma celebridade ao mesmo tempo que o distanciam dos outros, além de se tornarem um fardo, já que passa a pesar sobre ele a responsabilidade de interferir no destino não apenas daqueles que conhece, mas também de toda a sociedade. Assim, ao mesmo tempo em que se torna famoso, Smith está sozinho em sua penitência de conhecer o futuro das pessoas. Sua solidão, ademais, torna-se ainda maior por ter sido abandonado pela noiva durante o coma e ter perdido o emprego de professor. Ele “dorme e acorda” em realidades bastante diferentes, um verdadeiro choque que torna difícil definir os caminhos a seguir.


Trabalhando com um roteiro de Jeffrey Boam (o primeiro na carreira do diretor que não foi escrito pelo próprio), Cronenberg desenvolve o conflito na forma de um suspense, como era de se esperar de um longa baseado em uma obra de King. Embora tenha problemas de ritmo em seus minutos iniciais, pois que o acidente com o protagonista ocorre muito rápido, sem que tenhamos tido tempo de nos identificarmos mais com o personagem e nos preocuparmos com o seu destino (o filme é relativamente curto e uns 20 minutos a mais de projeção poderiam ser perfeitamente encaixados), o diretor consegue estabelecer um bom clima de tensão que prende o espectador, fazendo-o torcer pelo herói E, mesmo não sendo tão aparente quanto em outros longas de sua autoria, há aquele clima de “estranheza”, algo meio surreal, tão característico de Cronenberg. Outro destaque é o trabalho na direção de atores, uma das grandes virtudes do diretor. Christopher Walken - sempre um ator marcante que merecia bem mais reconhecimento do que tem - está simplesmente ótimo como o protagonista paranormal. Embora Martin Sheen soe um pouco maniqueísta na pele do vilão da trama, o político candidato à presidência dos EUA Greg Stillson (ou será culpa do roteiro?), Brooke Adams como Sarah, a namorada de Smith que o deixa durante os cinco anos de coma, está carismática e convincente, assim como Herbert Lom na pele do médico que cuida de Smith.


Com um ótimo clímax (que faz referência a fatos históricos dos Estados Unidos), “The Dead Zone”é inferior aos melhores filmes de Cronenberg, mas “um filme menor” de um grande cineasta costuma ainda ser bem melhor do que a média das produções lançadas rotineiramente. Também merece destaque como uma das boas transposições de obras de Stephen King para o cinema, uma vez que “adaptação de Stephen King” hoje parece ter ser tornado um gênero à parte, tantas as que proliferam quase anualmente no cinema comercial. Então, se “Na Hora da Zona Morta” não chega ao nível de excelência de“O Iluminado” (The Shinning, 1980), do mestre Stanley Kubrick, também é muito superior a desastres como “O Apanhador de Sonhos” (Dreamcatcher, 2003). Suas credenciais, inclusive, me fazem lembrar da citada medonha edição em DVD vendida atualmente em nossas lojas. Um bom filme como este merecia uma cópia restaurada e não uma conversão chinfrim de VHS para DVD. Lamentável...


Cotação:



Nota: 8,0

domingo, 20 de outubro de 2013

Elysium

Ainda uma promessa


O cinema do jovem diretor Neil Blomkamp pode ser resumido da seguinte forma: premissas muito inteligentes, execução ineficiente. É a conclusão a que podemos chegar a partir deste seu novo trabalho, “Elysium”, atualmente em cartaz no circuito brasileiro, o qual repete as mesma virtudes e defeitos do seu longa anterior, o interessante “Distrito 9” (District 9, 2009), responsável por tentar atribuir conotações político-sociais ao cinema pipoca do fim de semana. Nascido em Joanesburgo, África do Sul, ele impregnou “Distrito 9” de referências ao Apartheid ao elaborar uma trama onde seres de outro planeta são segregados pelos humanos em uma espécie de gueto. Entretanto, se o longa causa reflexão e sensação de inovação em sua primeira metade, a segunda se reduz a, basicamente, cenas de ação clichês que mais entediam do que envolvem o espectador. Um trabalho de altos e baixos que nos traz um frustrante resultado mediano, dadas as suas potencialidades.

Da mesma forma se desenvolve “Elysium”. Na sua premissa, vemos uma Terra superpovoada e esgotada em seus recursos naturais. Nela, residem as classes mais baixas, operários que lutam pela sobrevivência, enquanto os abastados vivem em uma espécie de satélite artificial denominado Elysium (obviamente, uma referência aos Campos Elísios, local que se pode definir como o paraíso da mitologia greco-romana), onde a qualidade de vida de tempos pretéritos foi preservada. Ou seja, o filme se presta a realizar uma alegoria da luta de classes, com direito a abordar detalhes como a questão da saúde pública, onde alguns têm direito à assistência médica e muitos não têm direito a sequer um atendimento básico. É o que ocorre com o personagem de Max da Costa (Matt Damon), operário de uma fábrica que sofre um acidente radioativo e deve morrer em poucos dias. Para se curar, ele precisa de um método de tratamento só existente em Elysium, mas não tem do dinheiro suficiente para comprar sua estada da fortaleza. Será necessário entrar clandestinamente e para isso contará com a ajuda de especialista em infiltrações, Spider (o nosso Wagner Moura).


Como se vê, o roteiro, escrito pelo próprio Blomkamp, tem um ótimo núcleo de ideias, o que torna o longa interessantíssimo em sua primeira metade, muito eficiente em retratar o drama das classes subalternas em um planeta cada vez mais duro. A ambientação, inclusive, lembra muito a realidade dos Estados Unidos de hoje, cada vez mais latinizado, onde em diversas regiões existe uma mistura de línguas, predominando o inglês e o espanhol. As características da cidade terrena também remetem a uma Cidade do México ou à própria Joanesburgo de Blomkamp (em um eficiente trabalho de direção de arte). Também se mostra perspicaz a escolha de Alice Braga, com sua aparência de latina, para ser o interesse romântico do herói, coadunando-se com caráter “globalizado” da produção. Entretanto, mais uma vez Blomkamp se perde em cenas de ação na segunda metade da projeção e o filme assume aquela perspectiva trivial de qualquer outro filme de ação, com destaque para o mote do “sacrifício” do herói, que também se fez presente no anterior “Distrito 9”. Em suma, “Elysium” se torna previsível até mesmo naquilo em que não pretende ser previsível.



Mas, como disse Wagner Moura em recente entrevista a uma famosa revista de caráter cultural, o maior diferencial do cinema estadunidense é o dinheiro, muito dinheiro, e isso invariavelmente dá destaque ao padrão técnico de seus filmes. Se o longa tem destaque, como dito acima, na sua ambientação, é claro que muito desse mérito se deve à direção de arte, muito eficiente não só na caracterização do planeta Terra, mas também na concepção do satélite Elysium, uma espécie de paraíso da imaginação judaico-cristã. Da mesma forma, o elenco de primeira contribui muito para tornar o longa algo mais envolvente. Matt Damon está inspirado na pele do protagonista e Jodie Foster consegue dar alguma alma à vilã unidimensional da trama, uma espécie de secretária de Estado da nave que nutre ambições maiores. Entre os brasileiros, todavia, há uma certa surpresa. Wagner Moura sofre com um personagem mal desenvolvido e que tem menos tempo de tela do que seria esperado. Assim, acaba que Alice Braga tem mais destaque como Frey, a namorada de Max que tem uma filha também precisando de assistência médica em Elysium, em uma atuação bastante competente.

Embora esteja longe de ser um filme ruim, “Elysium” se constitui em uma demonstração da imaturidade de Blomkamp como cineasta, muito embora, tal como “Distrito 9”,deixe entrever que o jovem tem potencial, ainda sendo uma promessa de grande diretor. Precisa desenvolver melhor suas ótimas premissas para que elas não gerem tão somente bons entretenimentos, mas filmes que sejam mais memoráveis do que as suas duas horas de projeção, ou seja, para que se tornem algo mais do que uma “diversão inteligente” para o final de semana.


Cotação:



Nota: 7,0

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Gravidade

Beleza, solidão e revolução


Inicio esta resenha com uma afirmação que pode ser precipitada, mas que reflete inteiramente minhas impressões ao fim da sessão de “Gravidade”: trata-se do melhor filme de ficcção-científica desde “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (2001 – A Space Odyssey, 1968), talvez tendo apenas como rivais “Alien – O Oitavo Passageiro” (Alien, 1979) e “Blade Runner – O Caçador de Androides” (Blade Runner, 1982). Este é um daqueles filmes que, ao terminar de vê-lo, já sentimos algo diferente, sabemos que estamos diante de uma obra que  será lembrada ao longo dos anos, que influenciará inúmeros longas posteriores e, provavelmente, deixará sua marca  na cultura pop como um todo, tornando-se um fenômeno em várias mídias. E não estou exagerando. Na realidade, eu sempre desconfio de filmes com muito “hype”, como nos casos de “Avatar” (2009) - longa que trouxe inovações apenas no uso do recurso 3D, mas que possui uma trama meio rasa e clichê – e “A Origem” (Inception, 2010), um ótimo thriller dirigido por Christopher Nolan, mas que não chega a ser (e o tempo vem mostrando isso) nenhuma obra-prima. Pelas mesmas razões (gato escaldado tem medo de água fria), estava antevendo que havia um certo exagero com relação ao novo longa do diretor mexicano Alfonso Cuáron (de “E Sua Mãe Também!” e “Filhos da Esperança”), o qual vem sendo incensado pela crítica. Felizmente, desta vez eu errei em minhas previsões.

Já fazia muito tempo que eu não via um longa-metragem com tanta força imagética, profundidade na abordagem dos nossos mais instintivos, fortes e belos sentimentos e, ao mesmo tempo, conseguir prender a respiração dos espectadores até o último frame da projeção (talvez Ang Lee tenha feito algo igualmente relevante com o seu “As Aventuras de Pi”, mas não é um filme tão intenso quanto este). Tudo isso em enxutíssimos 91 minutos e com apenas três personagens na tela. E vale dizer que um desses morre logo no início do longa (isso não é um spoiler). Ou seja, Cuáron, também autor do roteiro em parceria com seu filho Jonás Cuáron, conseguiu criar uma obra que alcança o perfeito equilíbrio entre substância e tensão, gerando um filme capaz de entusiasmas crítica e público e isso, convenhamos, é um feito que poucos conseguiram na história do cinema. De quebra, ainda teve a percepção de filmar com o intuito de colocar o espectador na pele dos astronautas, contando com o auxílio da tecnologia 3D. É possível que nunca uma câmera em primeira pessoa tenha atingido um nível tão elevado de subjetividade quanto aqui. Em várias sequências temos a sensação de estarmos na pele da astronauta Ryan Stone (Sandra Bullock), em busca da sobrevivência. Não é por acaso que muitos vêm atribuindo ao filme o adjetivo de “revolucionário” e, desta vez, não é de forma gratuita.


A trama é minimalista, por assim dizer. Nela, vemos a referida Dra. Ryan Stone em uma missão para operar reparos no telescópio Hubble, na qual é acompanhada por dois outros astronautas, um deles o piloto Matt Kowalski, que está prestes a se aposentar (interpretado pode George Clooney). Quando estão efetivamente realizando o serviço, uma onda de destroços de uma satélite destruído pelos russos atinge o telescópio e a nave dos engenheiros e começa, então, uma batalha pela sobrevivência no ambiente mais inóspito que existe para o ser humano: o espaço. Principalmente a Dra. Ryan, que é lançada no vácuo com apenas 10% de oxigênio restando no reservatório do traje espacial. Mas se engana quem pensa que isso resultará apenas em uma correria desenfreada. O foco de Cuáron é o espírito humano. Ao mesmo tempo em que somos tão pequenos diante da imensidão e perigos do universo, temos força suficiente para vencermos esses desafios e nos mantermos vivos diante de um ambiente tão áspero ao ser humano. E, por mais que tenhamos motivos para, quem sabe, nos entregarmos, como no caso da Dra. Stone, viver sempre será a melhor escolha.

Convém ressaltar que a Terra nunca esteve tão bonita no cinema. As imagens concebidas pelo diretor de fotografia Emmanuel Lubeski são simplesmente lindas. Chega a dar o gostinho de realmente estarmos a contemplar a Terra, privilégio que só cabe a mais do que restrita classe dos astronautas. Aliás, a sensação de estarmos vendo o espaço como ele de fato é só se equivale àquela vista no citado “2001”. Um espetáculo de realismo em algo tão difícil de reproduzir quanto é a realidade fora do nosso planeta. Em similar competência mostra-se a trilha sonora de Steven Price, a qual se faz sentir com ainda mais vivacidade após os contínuos momentos de silêncio engenhosamente concebidos para nos passar o clima do ambiente. Por outro lado, o filme não seria tão bom sem a sensacional atuação de Sandra Bullock, no melhor momento de sua carreira, incontestavelmente. Ela nunca havia conseguido transmitir tanta força e concomitante fragilidade a uma personagem. Será até uma piada se ela não levar o Oscar de melhor atriz, já que anos atrás acabou sendo premiada por um trabalho bem menos relevante (em “Um Sonho Possível”).


“Gravidade” é um filme repleto de imagens marcantes, daquelas destinadas a se tornarem icônicas, indicando que Cuáron poderá ser conhecido no futuro como um dos grandes estetas do cinema. A cena das lágrimas flutuantes da astronauta, por exemplo, é uma delas. Ainda mais se você assistir em 3D. Aliás, procure realmente ver em uma sala 3D, pois este é um dos raros casos em que o recurso se mostra realmente como um diferencial (e quem costuma ler meus textos sabe o quanto eu sou exigente para considerar que um filme precisa ser visto em 3D). Em dado momento da película, a simbiose de emoção e beleza me impressionaram tanto que, faço aqui uma confissão, algumas lágrimas furtivas brotaram dos olhos. E é nesse ponto que reside a principal diferença entre “Gravidade” e o clássico “2001”. Se o filme de Kubrick instiga a reflexão, levando-nos a questionamentos sobre quem somos e para onde vamos, o longa de Cuáron é visceral, procurando despertar o nossos mais básicos e essenciais sentimentos. Fala, sobretudo, da solidão de cada ser humano, cada qual constituindo um universo à parte em meio à imensidão que nos cerca. Diante de tantas “revoluções” que são alardeadas com uma estranha frequência no cinema, mas que logo em seguida se revelam no máximo obras competentes (vide os exemplos dos citados “Avatar” e “A Origem”), talvez neste caso o termo esteja, enfim, sendo usado de maneira apropriada. Só o tempo irá dizer se tal impressão é verdadeira, mas foi a que tive quando surgiram os créditos finais, logo após a linda sequência que conclui este clássico imediato.


Cotação:



Nota: 10,0

domingo, 6 de outubro de 2013

Eu Quero Esse Pôster #24


"Gravidade", o novo longa de Alfonso Cuáron, protagonizado pelos astros George Clooney e Sandra Bullock, está sendo visto pela crítica especializada como o melhor filme de ficção-científica desde "2001 - Uma Odisseia no Espaço" (2001 - A Space Odissey, 1968). O filme estreia sexta-feira, dia 11/10, aqui no Brasil e já estou na contagem regressiva para poder conferi-lo. Como aperitivo, segue este já icônico pôster.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Filmes Para Ver Antes de Morrer

Era Uma Vez Em Tóquio
(Tôkyô Monogatari, 1953)


Profundamente japonês, humano e universal


Em recente eleição realizada pela revista britânica “Sight & Sound”, “Era Uma Vez em Tóquio” foi considerado, entre os cineastas votantes, como o melhor filme de todos os tempos, desbancando o tradicionalmente escolhido “Cidadão Kane”, de Orson Welles. Muitos podem discordar, mas o resultado mostra o quanto o cinema asiático ainda precisa ser visto e descoberto no Ocidente. Fora do círculo cinéfilo, este filme é praticamente desconhecido, por exemplo, pelo público brasileiro e o nome de seu diretor, Yasujiro Ozu, pode ser entendido como o de um E.T. Quando muito, algumas pessoas conhecem o nome do mais popular diretor japonês, Akira Kurosawa, famoso pelo estupendo “Os Sete Samurais” (Shichinin no Samurai, 1954). Entretanto, apesar de ser comumente visto como um diretor de cinema “de arte” (eu detesto essa expressão), os filmes de Ozu são muito acessíveis, centrados em narrativas sobre o cotidiano de famílias da classe média baixa do Japão, principalmente do período pós-guerra. Ozu é o maior representante de um gênero nipônico denominado shomin-geki, cuja principal característica era justamente a abordagem do dia a dia dessas famílias, causando uma quase imediata identificação com o espectador.

Nascido em 1903, Yasujiro Ozu começou sua carreira ainda no cinema mudo, mas foi na produção sonora que realizou suas grandes obras-primas, entre elas “Era Um Vez Em Tóquio”, longa de extrema percepção das relações humanas e que não precisa de uma trama intricada ou grandiosa para nos levar às mais perspicazes reflexões. Toda a película trata sobre a viagem de um casal da cidade japonesa de Onimichi a Tóquio. É a primeira vez que eles vão até à capital do País, com o intuito de visitar os filhos que lá trabalham. Entretanto, decepcionam-se com a acolhida dos mesmos, os quais não têm tempo para lhes dar atenção e consideram a visita dos genitores como um fardo. Apenas a nora Noriko (Setsuko Hara), esposa do filho já falecido na guerra, trata os idosos com o devido respeito e cuidado. A partir desse enredo simples, Ozu desenvolve uma belíssima análise das relações familiares e, importante frisar, válida para qualquer tempo ou cultura. Aliás, ao assistir a “Era Uma Vez em Tóquio” tive a sensação de estar a ver um filme concluído ontem, dada a sua temática extremamente atual, plena de contemporaneidade. Vivemos uma era em que os indivíduos possuem cada vez menos disposição para as relações interpessoais, embriagados de egoísmo e consumismo, buscando objetivos materiais em detrimento do convívio e disso Ozu já tratava em 1953, quando o Japão vivia um acelerado ritmo de industrialização.


Esse choque entre a modernidade e a tradição, entre o industrial e o humano, é contraposto por Ozu não apenas por meio da interação entre os personagens, mas também a partir dos elementos imagéticos do longa. As ações são frequentemente interrompidas por cenas de trens em movimento, bem como navios e outros símbolos de industrialização. O cineasta parece sempre comentar, através das imagens, que uma nova era, como novos valores, está substituindo a anterior. Contraposição essa que também se percebe na relação entre os idosos (os antigos valores) e os jovens filhos (os novos paradigmas). Na visão de muitos, Ozu revela a cada fotograma o seu conservadorismo, não apenas no aspecto estético, mas também ideológico, o que não deixa de ser verdade. Há uma certa rejeição ao novo em seu cinema, no qual reside latente uma perene crítica à ocidentalização do Japão no período pós-guerra. Aliás, a famosa qualificação de Ozu como “o mais japonês dos cineastas japoneses” não deixa de realçar esse lado de extremo apego às suas raízes. Entretanto, seria errado imaginar Ozu como uma espécie de anti-Kurosawa, pois o mestre Akira se valia da influência do Ocidente em sua estética, é bem verdade, mas suas temáticas são tão profundamente japonesas quanto as de Ozu.


Nas imagens de Ozu, até mesmo sua estética é peculiar. A câmera é estática, com os personagens entrando e saindo de cena em quadros fixos, além de posicionada próxima ao chão (a famosa “câmera baixa”), na mesma altura em que os japoneses costumam fazer suas refeições, técnica que iria influenciar até mesmo Steven Spielberg em “E.T. - O Extraterrestre” (E.T – The Extra-Terrestrial, 1982), o qual a utilizou como uma forma de vermos os acontecimentos a partir do ponto de vista das crianças. Ozu também usava como poucos a técnica de campo e contracampo, principalmente em passagens de diálogos, quando vemos os personagens de frente para a câmera, como se estivéssemos conversando com eles. Por outro lado, sabia usar a trilha sonora para acentuar a melancolia do drama, mas sem torná-la invasiva ou excessiva. Ademais, era um ótimo diretor de atores, extraindo deles o seu melhor, vide o ótimo desempenho de Chishu Ryu, como o pai Shukishi Hirayam, que conseguiu interpretar com inteira veracidade um tipo 20 anos mais velho do que a sua verdadeira idade à época. Outro destaque é, Chieko Higashiyama, como a mãe idosa e doente, além de Setsuko Hara, como a dedicada nora Noriko e Haruko Sugimura, como a antipática e vazia filha Shige.

Contudo, para além de questões estilísticas, a maior relevância do cinema de Ozu é seu caráter profundamente humano, que inclusive nos faz repensar nossas próprias relações familiares. Como diz o cineasta Aki Kaurismaki, no documentário “Conversando com Ozu” (que acompanha a edição brasileira de “Era Uma Vez em Tóquio”, recém-lançada pela Versátil), comparando o cinema o cinema de Ozu ao predominante nos Estados Unidos: “Em seus filmes, Ozu fala de tudo que é essencial ao ser humano sem exibir nenhuma cena de violência”. Mesmo que trate eminentemente da cultura japonesa, este gênio consegue ser universal, o que me remete a uma outra frase, esta do mestre literário Liev Tolstói: “Se queres ser universal, começas por descrever a tua aldeia”. E é essa a síntese do cinema de Ozu. A partir da abordagem de um Japão em processo de rápidas transformações sociais e culturais, ele toca em temas e acontecimentos que dizem respeito a todos os seres humanos, sem exceções.


Cotação e nota: Obra-prima.

sábado, 21 de setembro de 2013

Rush - No Limite da Emoção

Quando pilotos foram heróis


Definitivamente, a Fórmula 1 já não é mais a mesma. Hoje, mesmo com carros superseguros, frequentemente encontramos pilotos sem gana de vencer, que se contentam em serem apenas meros assalariados de uma escuderia e, se for “necessário”, deixam o colega de equipe ultrapassar para ajuda-lo a ganhar um campeonato. Em suma, a F1 deixou de ser um esporte e se transformou em apenas uma mera exibição de montadoras, em busca de dividendos. A Fórmula 1 que conheci, em meados dos anos 80, era mais perigosa, mas ao mesmo tempo muito mais romântica, repleta de pilotos obstinados que buscavam, acima de tudo, a vitória para escrever seus nomes na história do esporte. Eram os tempos de Alain Prost, Nigel Mansell, Nelson Piquet e, claro, Ayrton Senna, aquele que considero o maior piloto ente todos. E falo isso de forma isenta, pois nunca fui um admirador da personalidade dele e detesto o ufanismo desmedido de um Galvão Bueno, mas a verdade é que Senna fez coisas na pista que jamais vi outro piloto fazer (como podemos recordar no documentário "Senna"). Também cheguei a ver, ainda bem garoto, o austríaco Niki Lauda disputando provas e me lembro de perguntar aos meus pais o que havia acontecido com o seu rosto. A resposta: “foi um acidente em que o rosto dele foi queimado”. Recordo, ainda, de considerá-lo um homem extremamente corajoso, pois tinha voltado a correr mesmo depois de um acidente tão grave.

Essa “era de ouro” da Fómula 1 é retratada brilhantemente por Ron Howard em seu novo trabalho, “Rush – No Limite da Emoção”, longa atualmente em cartaz no circuito comercial brasileiro. Na realidade, o filme aborda uma fase ainda anterior àquela que pude acompanhar, nos anos 70, quando os riscos do automobilismo ainda eram maiores do que na citada década oitentista. Para se ter uma ideia, a média de mortes de pilotos era de dois por temporada, ou seja, o risco de morrer a cada Grande Prêmio era muito elevado. Pertence a esse tempo o imaginário de que pilotos eram, antes de tudo, heróis. Foi nessa época que Lauda começou sua trajetória que culminaria em um futuro tricampeonato e na qual possuiu um grande rival, James Hunt, um britânico mulherengo e farrista que parecia ser o oposto do cerebral, concentrado e comedido piloto austríaco. Só em um ponto demonstravam similaridade: a obsessão pela vitória, encarando qualquer desafio para alcançá-la.



Essa rivalidade é o mote de “Rush”, mas Howard não coloca seu foco principal no que acontece nas pistas. Claro que há diversas sequências sensacionais com corridas, ultrapassagens e colisões, mas o longa não é sobre corridas, mas, sobretudo, personalidades. Howard se esmera em analisar a persona dos rivais, mostrando a origem de seus desentendimentos, suas evidentes diferenças e, de forma inteligentíssima, suas semelhanças. Para tanto, conta com um belíssimo roteiro de Peter Morgan, baseado no livro “Corrida Para a Glória”, de Tom Rubython, e que teve ainda a luxuosíssima consultoria do próprio Lauda. Mesmo que em certos momentos a trama acabe fazendo concessões ao esquema hollywoodiano de se adaptar biografias, ela é extremamente envolvente, fazendo com que o espectador tenha a sensação de realmente conhecer aqueles pilotos. Além disso, Howard tomou o cuidado de não transformá-los em “vilão e mocinho”, escapando da armadilha do maniqueísmo. Tanto Lauda quanto Hunt possuem tempos iguais na tela e são expostas suas várias facetas, tanto negativas quanto positivas. Se primeiro somos inclinados a simpatizar com Lauda devido à sua personalidade discreta, logo depois constatamos uma certa arrogância em seu temperamento, além de um jeito rude que acaba por torná-lo um tipo impopular entre os colegas. O oposto do popular Hunt, o qual primeiro desperta antipatia por seu estilo farrista e meio irresponsável, mas que depois demonstra seu lado humano e solidário, além de percebermos que muito do seu comportamento é um disfarce para seus medos e inseguranças. Há, ainda, um particular subtexto acerca da sedução exercida pelos pilotos sobre as mulheres. Mesmo o introvertido Lauda faz valer suas habilidades ao volante para conquistar aquela que seria sua esposa.


Os pilotos são interpretados com muita competência por ambos os atores. Chris Hemsworth, na pele de James Hunt, embora tenha um papel relativamente mais simples, demonstra que pode ir bem além do que faz como o Thor dos filmes da Marvel. Daniel Brühl (lembram dele em “Adeus, Lênin!”?), por sua vez, encarna um Niki Lauda perfeito (chegou a usar próteses dentárias para ficar mais parecido com o verdadeiro), mas, cabe ressaltar, seu trabalho foi facilitado pelo contato que teve com o original, hoje chefe da equipe Mercedes, enquanto Hemsworth não dispôs do mesmo privilégio, pois que Hunt faleceu com apenas 45 anos, vítima de um infarto. De qualquer forma, no duelo entre os dois quem ganha é o púbico e as atuações foram elogiadas por nomes como Emerson Fittipaldi, contemporâneo dos dois pilotos na F1 dos anos 70. Como não poderia deixar de ser, o espectador também é premiado com as fantásticas cenas de corrida, com suas ultrapassagens e acidentes precisamente reconstituídos, principalmente o famoso acidente em que Lauda quase perdeu a vida e teve boa parte do corpo queimado (show de efeitos especiais que não se fazem perceber), além de manter o ritmo e envolvimento ao longo de toda a projeção, um mérito da direção de Howard, cineasta com grande talento em prender o público e que parece ter especial apreço por biografias e tramas baseadas em eventos verídicos, como nos casos de “Uma Mente Brilhante” (A Beautiful Mind, 2001) e “Apollo 13” (1995). Vale o destaque ainda para a trilha sonora de Hans Zimmer, inspirada como há muito tempo não se ouvia nos seus trabalhos (muito superior ao que fez em “O Homem de Aço”).

O resultado é um filme de arrepiar, capaz de agradar tanto à crítica quanto ao público, este com potencial para ser bem mais abrangente do que os aficionados por automobilismo. Arrisco dizer que é o melhor trabalho de Ron Howard, superando o citado e oscarizado “Uma Mente Brilhante”. Aliás, falando em Oscar, não vou estranhar se o longa conseguir várias indicações na próxima edição do prêmio da Academia de Hollywood. Caso venha a obtê-las, será inteiramente justo. E termino pontuando: um dos melhores filmes sobre esporte já feitos.


Cotação:



Nota: 9,5

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Restaurando a Película

Gente Como a Gente
(Ordinary People, 1980)


A família que derrubou um touro


Eu faço parte da legião de revoltados com o fato de “Touro Indomável” (Ragging Bull, 1980), filme que considero a grande obra-prima de Martin Scorsese, não ter recebido os prêmios de melhor filme e direção da Academia de Hollywood. Acredito que seja uma injustiça ainda maior do que a derrota de “Taxi Driver” (1976) para “Rocky – Um Lutador” (Rocky, 1976), uma vez que, apesar da importância do longa de Scorsese, eu não o tenho como seu melhor filme e, convenhamos, a saga do lutador criada por Sylvester Stallone é muito cativante. Sendo assim, sempre antipatizei previamente com o responsável pela derrota de “Touro Indomável” no Oscar, um drama intitulado “Gente Como a Gente” (“que título cafona!”), o qual veio a ser a estreia do astro Robert Redford na direção. Entretanto, neste último sábado resolvi dar uma chance para o filme de Redford. Afinal, muito consideram injustiça a derrota de “Cidadão Kane” (Citzen Kane, 1941) para “Como Era Verde Meu Vale” (How Green Was My Valley, 1941), mas, sinceramente, o filme de John Ford me agrada mais do que a seminal obra de Orson Welles. Bem, a verdade é que, para um diretor estreante, “Ordinary People” se revela um grande trabalho. Impressionam a segurança de Redford, bem como a sua direção de atores, os quais entregam ótimas performances, principalmente o também estreante na tela grande Timothy Hutton (ele tinha feito apenas filmes para TV), um rapaz excepcional que me fez perguntar por onde ele anda e que se tornou o mais jovem ator a ganhar um Oscar (como coadjuvante).

Trata-se da adaptação de um livro de Judith Guest, um ótimo trabalho do roteirista Alvin Sargent, que também levou o Oscar por seu esforço. Surpreende, inclusive, que o longa tenha alcançado um grande êxito nas bilheterias, tendo em vista o público norte-americano costuma privilegiar produções escapistas e esta vai justamente no sentido oposto. É uma história de desagregação familiar ocorrida após uma tragédia, a morte do milho mais velho por afogamento em um acidente de barco. O mais novo, Conrad (papel de Hutton), carrega a culpa por se considerar culpado pelo ocorrido, chegando a tentar o suicídio. A mãe (interpretada com brilho por Mary Tyler Moore), por sua vez, procura manter sempre as aparências de controle e estabilidade familiar, por mais que as evidências demonstrem o contrário. O pai, vivido por Donald Sutherland (pai de Kiefer), demonstra maior preocupação com o filho em crise e o aconselha a procurar o psicanalista Tyrone Berger (Judd Hirsch, também indicado ao Oscard de coadjuvante), o qual, com seus métodos abertos e francos, ajuda Conrad a recuperar sua autoestima.



A trama se desenvolve sem pressa e, aos poucos, vamos conhecendo as nuances da tragédia que marcou os Jarret e também as características de suas respectivas personalidades. Observamos, por exemplo, que a obsessão por controle da mãe Beth é perceptível até no seus afazeres domésticos, demonstrando uma mania de organização e cuidado com detalhes mínimos, como a disposição dos talheres na mesa onde irão jantar apenas pais e filho. Da mesma forma, percebemos que o falecido irmão Buck era o “popular” da escola e, possivelmente, o filho preferido de sua mãe. O pai, Calvin, é uma pessoa afável e cuidadosa, mas sucumbe diante do comportamento autoritário da esposa. E Conrad se vê perdido em meio à turbulência, tendo enormes dificuldades de estabelecer contato com a mãe e não obtendo na figura paterna a força de que necessita para superar o passado. O longa é um prato cheio para psicólogos e afins, dada a riqueza com que são evidenciadas as personalidades em cena.



Por outro lado, “Ordinay People” por vezes passa aquela sensação incômoda de estarmos assistindo a uma espécie de teatro filmado. É o tipo de película em que os diálogos se sobrepõem em demasia ao lado imagético, algo que, em geral, acaba por empobrecer um filme. Cinema é imagem e, ao compararmos com o preterido “Touro Indomável”, o contraste se faz gritante. A mão de Redford também erra ao imergir demais em psicologismos. Uma parcela significativa da projeção se passa no consultório do Dr. Berger, onde Conrad realiza suas digressões. De qualquer forma, nada que chegue a transmitir a sensação de tédio ou cansaço, principalmente diante da excelência das atuações. Mary Tyler Moore está perfeita em uma personagem que desperta antipatia desde as primeiras sequências, mas que ao mesmo tempo soa perfeitamente humana, sem maniqueísmos (também foi indicada ao Oscar de melhor atriz, perdendo para Sissy Spacek por “O Destino Mudou Sua Vida”). Sutherland também entrega boa atuação (principalmente na marcante sequência final), assim como Judd Hirsch na pele do Dr. Berger, mas é Hutton quem, de fato, rouba todas a cenas, em uma atuação bastante emotiva. Como disse acima, fiquei curioso para saber o seu destino como ator e, buscando no Google, descobri que ele fez muitos filmes depois deste, mas nunca obtendo o mesmo sucesso (participou, por exemplo, de “O Escritor Fantasma”, de Polanski). Uma pena que sua carreira não tenha decolado.

Não se pode negar que “Gente Como A Gente” não chega a ser uma obra-prima como o longa de Scorsese que derrubou na festa do Oscar. Mas vale ressaltar, inclusive, que ele é um filme mais afeito aos padrões da Academia do que aquele protagonizado por Robert De Niro. De toda forma, perdi um pouco da minha antiga aversão, uma vez que está longe de ser uma obra irrelevante. Pelo contrário, trata-se de um drama muito bem construído por Robert Redford, com personagens que, realmente, são pessoas comuns, como diz o título, vivenciando dificuldades que podem suceder na vida de qualquer um. Uma obra cheia de sensibilidade - com um inteligente final em aberto - que merece ser rememorada, mesmo que você seja um dos admiradores de Martin Scorsese. Aconselho a assistir desarmado(a).


Cotação:



Nota: 9,0