sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Os Miseráveis

Apesar das dificuldades


Em meu recente texto sobre “O Lado Bom da Vida”, mencionei o longa protagonizado por Bradley Cooper e Jennifer Lawrence como exemplo de filme do qual esperamos muito e as expectativas acabam se confirmando. Pois bem, “Os Miseráveis”, novo trabalho do diretor vencedor do Oscar Tom Hooper (por “O Discurso do Rei”), resultou para mim como uma experiência talvez ainda mais gratificante. Trata-se daquele caso de filme do qual não esperava muito, mas, talvez até por isso, terminou por ir além das minhas expectativas e me atingindo de maneira inesperada. Até por ser um musical – e o gênero musical é o que menos me agrada dentre todos os gêneros cinematográficos – eu esperava uma obra cansativa e redundante, principalmente diante de seus 158 minutos. Contudo (e felizmente), as impressões negativas, em sua maior parte, foram se dissipando ao longo da projeção e a sensação que tive no seu término foi a de ter visto um belo espetáculo que vence a mera distração e que possui um força emocional que permanece para além da sessão, algo que afirmo até diante das circunstâncias peculiares a que assisti ao longa, as quais poderiam ter influenciado negativamente na sua apreciação.

Eu me minha esposa fomos ao cinema na última sexta-feira, dia 08 de fevereiro, e pegamos a sessão das 20:30h de “Os Miseráveis” (que estava surpreendentemente cheia para uma sexta-feira de carnaval). Com mais ou menos 30 minutos de exibição, o projetor da sala pifou e saímos frustrados por pagarmos caro (todos sabemos que os preços dos ingressos andam nas alturas) e simplesmente voltarmos pra casa sem ver a continuação do filme. A gerência nos disponibilizou convites para assistirmos a qualquer outra sessão, em dia e horário a nossa escolha, e voltamos nesta terça-feira, dia 12, para concluirmos o longa. Escolhemos a sessão das 17:20h, mas qual não foi a nossa surpresa e irritação quando, ao chegarmos próximos dos guichê da bilheteria, depois de enfrentar uma fila enorme, descobrimos que os ingressos para a sessão escolhida já estavam esgotados e tivemos que trocar os convites por ingressos da sessão das 20:30h. Foram mais três horas de espera e já estávamos impacientes, esperando que o filme realmente valesse à pena todo esse esforço. Ou seja, entramos na sala próximo às 20:30h (que desta vez atingiu sua lotação completa, não cabia mais ninguém ali). Eu já estava bem contrariado e torcendo para não me decepcionar. E, realmente, não me decepcionei.


Não que “Os Miseráveis” não tenha suas falhas. Elas estão lá e algumas até visíveis mesmo para o espectador médio que não costuma estar muito atento a detalhes técnicos. Tom Hooper não é um grande diretor (sua premiação pela Academia em 2010 foi um tanto equivocada) e aqui ele comete vários equívocos, principalmente nos enquadramentos utilizados, repletos de close-ups que por vezes cansam a imagem dos atores e se mostram ainda mais equivocados diante da bela reconstituição de época operada pela direção de arte. A edição é outro aspecto que se mostra trôpego, principalmente no início da projeção, o que soa estranho em um filme extenso como é o caso (convenhamos que a edição se torna mais complicada quanto menor for a duração de um longa). Além disso, o elenco se mostra oscilante e um dos personagens mais destacados, o inspetor de polícia Javert, conta com uma das interpretações mais equivocadas da carreira de Russel Crowe, um ator oscarizado que vem se perdendo cada vez mais.

Entretanto, a força da narrativa concebida originalmente por Victor Hugo, que tem como protagonista o ex-prisioneiro Jean Valjean (interpretado aqui por Hugh “Wolverine” Jackman), é mesmo atemporal. Hugo levou cerca de 30 anos concebendo o romance que dividiu originalmente em 5 volumes. Publicado em 1862, ele foi um sucesso de imediato, vendendo milhares de exemplares em Paris durante apenas 24 horas. Traduzido para dezenas de línguas, tornou-se uma das obras mais adaptadas para o cinema e a televisão, além de espetáculos teatrais (existem adaptações japonesas e até indianas do livro). Uma obra de apelo universal, portanto. No caso deste “Os Miseráveis” de Hooper, a matriz é o espetáculo musical francês concebido em 1980 por Claude-Michel Schönberg (compositor), Alain Boublil e Jean-Marc Natel (letristas). Depois do sucesso em terras francesas, ele foi adaptado para o inglês em 1985 (com tradução de Herbert Kretzmer) e caiu no gosto popular também em Londres. Hoje é um dos musicais mais populares de todos os tempos. Várias de suas canções se tornaram bastante conhecidas, sendo o caso clássico “I Dreamed a Dream”, música que foi regravada por estrelas como Aretha Franklin e recentemente esteve na paradas de sucesso depois que Susan Boyle, participante de um reallity show britânico, cantou-a no programa de TV e impressionou o mundo todo com sua interpretação. Em síntese: este “Os Miseráveis” atualmente em cartaz é uma adaptação da adaptação, algo frequente dentro do gênero musical (como é o caso de clássicos como “Amor ,Sublime Amor”, por exemplo).



Na trama, o citado Jean Valjean passa 19 anos na cadeia, incluindo trabalhos forçados, por ter furtado um pedaço de pão para sua irmã e sobrinhos com fome. Ele é finalmente posto em liberdade condicional, mas acaba se tornando foragido após mudar o nome para começar vida nova. Torna-se, então, um cidadão respeitável, dono de uma fábrica e prefeito local. No entanto, o inspetor de polícia Javert nunca desiste de encontrá-lo, desenvolvendo uma verdadeira obsessão pela caçada a Valjean. Este último, por sua vez, acaba adotando Cosette (interpretada na infância por Isabelle Allen e na juventude por Amanda Seyfried), filha de Fantine (Anne Hathaway em estado de graça!), uma desventurada costureira de sua fábrica. Cosette, por sua vez, acaba se apaixonando por Marius (Eddie Redmayne), um jovem nobre que se envolve no movimento revolucionário que culminaria nas revoltas parisienses de 1832. Tal como na vida, Hugo colocou na mesma panela questões sociais e sentimentais, dando à sua obra uma força que ultrapassou o tempo e as fronteiras. Da mesma forma, Hooper, a desfeito de suas falhas, consegue transpor a barreira do gênero e fazer de “Les Misérables” um longa apreciado por qualquer espectador, um espetáculo épico belo e envolvente.

Deve-se frisar, por outro lado, que boa parte do feito se deve às músicas, várias delas lindas e marcantes. E elas ganham ainda maior relevância diante da ótima interpretação da maior parte do elenco. Sabe-se que Hooper deixou de lado as gravações das canções em estúdio (recurso comum nos musicais) para fazer com que seu elenco as interpretassem “ao vivo”, no próprio set de filmagens. É certo que, se tal expediente gera algumas sensíveis desafinadas na tela, por outro lado ele proporciona uma interpretação mais verdadeira e visceral dos atores. Hugh Jackman demonstra bem tal afirmação com uma boa performance para Valjean, fazendo valer a sua indicação ao Oscar de melhor ator (já levou o Globo de Ouro de melhor ator em comédia ou musical). Temos também boas surpresas como Samantha Barks, intérprete de Eponine, personagem feminina que nutre um amor não correspondido por Marius. Entretanto, não há como negar o assombro da presença de Anne Hathaway no longa. Com cerca de 30 minutos durante a projeção, ela rouba a cena e arrebenta como Fantine. A sequência em que ela interpreta a citada “I Dreamed a Dream”é, desde já, histórica, algo que dificilmente será igualado por qualquer outra atriz que venha a interpretá-la.


Apesar de suas dificuldades, Hooper conseguiu trazer para a tela uma bonita visão do clássico francês, algo que não deixará o espectador indiferente, por mais que possa ter resistência ao gênero em questão. Uma visão que não suaviza a miséria, nem se propõe a traçar painéis sociológicos e que deixa uma ótima impressão ao fim da sessão. Eu, apesar das dificuldades para ver o longa, desde a minha resistência a musicais até os contratempos com a exibição, senti-me recompensado com sua bela imagem final (minha esposa, registre-se, gostou ainda mais, já que ela adora musicais). Tendo em vista os aplausos ao fim da sessão, o público presente também sentiu da mesma forma e, vamos convir, não é comum um musical fazer as pessoas aplaudirem espontaneamente sua conclusão.

Cotação:



Nota: 9,0
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Um comentário:

Anônimo disse...

É a crítica com que mais concordo, das muitas que tenho lido deste filme. Infelizmente todos parecem querer "queimar" o filme. Fico feliz de ver que alguém o compreendeu como eu.

Cumprimentos