quinta-feira, 30 de maio de 2013

Trilha Sonora # 27


Bem, estou quase de saída para assistir a "Faroeste Caboclo" ,  longa de René Sampaio que adapta a música-quase-roteiro de Renato Russo para as telas de cinema. É inevitável que eu esteja com ela na cabeça, rodando como um vinil antigo e arranhado com a agulha pulando para o mesmo ponto. E ela segue aí, em versão ao vivo,  para matar as saudades de quem viveu os anos 80 e, para aqueles que não viveram e não conhecem a música, vale como sinopse do filme.

Em breve, a resenha estará aqui no "Cinema com Pimenta".


sábado, 25 de maio de 2013

Filmes Para Ver Antes de Morrer

A Árvore da Vida
(The Tree Of Life, 2011)


Amor e Inteligência


Terrence Malick é um sujeito meio esquisito. Nos anos 70, desabrochou para o mundo cinematográfico com dois longas primorosos que se tornaram bastante influentes. São eles “Terra de Ninguém” (Badlands), realizado em 1973, e “Cinzas do Paraíso” (Days Of Heaven), de 1978. Depois disso, quando parecia que iria se tornar um dos grandes diretores do cinema norte-americano, simplesmente desapareceu de Hollywood sem deixar vestígios. Passou 20 anos sumido da vida pública e sem dirigir nada até 1998, quando retornou às telas com “Além da Linha Vermelha” (The Thin Red Line), filme de guerra com elenco estelar que o levou de volta aos holofotes. Indicado a sete Oscars, venceu o Urso de Ouro no Festival de Berlim. Mas ele não passou esse tempo todo sem fazer nada ou meditando em algum monastério budista. Na verdade, ele estava em Paris e se dedicou a escrever roteiros. Entre estes, começou a rascunhar um projeto para a Paramount que foi então denominado de “Q”, tendo por temática a origem da vida na Terra. Tratava-se do embrião daquele que seria o seu quinto longa-metragem: “A Árvore da Vida”, lançado quase quatro décadas depois.

Para entender a obra de Terrence Malick, faz-se necessário apontar alguns traços de sua personalidade e biografia que vão além de seu caráter misantropo. Ele é formado em Filosofia pela Universidade de Harvard e chegou a cursar doutorado em Oxford. Foi professor do Massachusetts Institute Of Technology, mais conhecido como MIT. Ou seja, Malick é um homem de sólida formação intelectual que usa o cinema como um modo de elaboração de suas ideias e teorias acadêmicas. Portanto, não é por acaso que seus filmes sejam tão reflexivos ou “filosóficos”, para usar um termo comumente adotado para designar o seu cinema. Não espere, portanto, que seus longas sejam fáceis, daqueles feitos na medida para comer pipoca no fim de semana. Ao que parece, muita gente imaginava isso aqui no Brasil durante o (curto) período em que “A Árvore da Vida” esteve em cartaz. Por contar com astros como Brad Pitt e Sean Penn no elenco, é possível que vários incautos tenham imaginado que se tratava de mais um blockbuster ou filme para levar a namorada e curtir uma sessão romântica, pois que, segundo circulava na internet, boa parte do público abandonava a sessão na metade.



O mais intrigante é que, após assistir ao filme recentemente, pude constatar que ele não é cansativo ou entediante, o que me faz pensar o quanto o público médio das salas de cinema está desacostumado a pensar minimamente. Tudo bem, há longas sequências puramente imagéticas, sem diálogos, sublinhadas apenas por uma trilha sonora que pode ser classificada como canto gregoriano pós-moderno. Contudo, é bom lembrar que “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (2001 – A Space Odissey), do genial Stanley Kubrick (uma das nítidas influências de Malick), foi um sucesso de bilheteria quando de sua estreia em 1968 e talvez seja um filme ainda mais imagético do que “A Árvore da Vida”. A conclusão a que chegamos é a de que o público vem sofrendo um processo, desculpem-me a palavra, de emburrecimento continuo. Anda tão mergulhado nos baldes de pipoca que qualquer obra que fuja do lugar-comum causa estranheza e enfado. Uma pena isso acontecer diante de uma película que traz questionamentos e reflexões tão relevantes quanto perenes.

A narrativa se inicia com uma espécie de epígrafe, um trecho do Livro de Jó, um dos mais conhecidos textos da obra basilar da cultura judaico-cristã ocidental: a Bíblia. Como deve ser do conhecimento de muitos, o texto bíblico narra uma espécie de desafio proposto pelo diabo a Deus, qual seja, testar a fé de Jó, impingindo-lhe sofrimentos mil para que sua crença esmoreça. Jó era um homem justo, de bom coração e temente a Deus e não mereceria passar por tantas agruras, mas é o que sucede e, mesmo assim, sua fé permanece inabalável. Por mais que possa parecer nonsense a ideia de que Deus iria se prestar a uma espécie de um joguinho com o demônio, o Livro de Jó possui rara beleza por nos lembrar uma verdade irrefutável: as agruras da vida atingem não apenas os maus, mas também os bons e justos. Não existem “eleitos” livres do sofrimento. É justamente sobre esta verdade que, na trama engendrada por Malick, se debate a família O’Brien, a qual perdeu um filho com 19 anos. Como poderia Deus permitir que um jovem virtuoso morresse de uma forma estúpida? Como Ele pode faltar àqueles que sempre procuraram viver de acordo com suas palavras? Ou será que males acontecem a todos porque, em verdade, Deus não existe?

Estas são perguntas eternas da humanidade e que nunca serão respondidas plenamente, porém Malick não se furta a tentar respondê-las. Logo após a leitura do citado trecho bíblico, uma outra ideia surge e será central na película. A Sra. O’Brien (Jessica Chastain, ótima!), em seus pensamentos, relembra as palavras de uma freira, ensinando-lhe que na vida existem dois caminhos: o da natureza, que se propõe a suprir tão somente suas necessidades físicas e instintivas; e o da Graça, que se contrapõe ao primeiro e renega a satisfação egoísta de instintos para a vivência do amor altruísta. Na visão de Malick, os dois caminhos se complementam e são duas faces do mesmo Deus. Durante a narrativa, a estrutura da família O’Brien é posta de maneira arquetípica, passando-se no Texas dos anos 50, época em que ainda predominava a família de base fortemente patriarcal. O pai (Brad Pitt, em uma de suas melhores atuações), com sua dureza e disciplina, é visto pelos filhos com reverência, temor e, por vezes, revolta e amargor. Por sua vez, a mãe amorosa, afável e compreensiva é adorada pelos seus filhos. Em planos mais claros, o Sr. O'Brien representa a face mais dura e inflexível de Deus, o amor severo, enquanto a Sra. O'Brien é o espelho de seu amor terno, benevolente. O primeiro é natureza e a segunda é a Graça. Entre os dois lados, destaca-se o filho Jack (Hunter McCracken na infância e Sean Penn na fase adulta) como figura representativa da humanidade, cometendo o pecado original da desobediência ao fugir das regras estabelecidas pelo Pai.

Por outro lado, o diretor transporta esta perspectiva familiar para um contexto mais amplo. Toda a película é permeada por longas sequências em que a natureza mostra toda a sua indiferença e força inexorável. Acompanhamos toda a evolução do universo, até chegarmos a nós, macacos de cérebro crescido. Ao colocar a natureza de forma tão exuberante no longa, Malick parece questionar: “onde está a Graça?”. A Graça só pode surgir dentro de nós, humanos, os únicos seres com a capacidade de amar, de nutrir algo que vai além de meros instintos. Nós é que devemos representar a face afável de Deus, trazendo o Amor (assim, com letra maiúscula) a um mundo que pela própria essência já é muito áspero e indiferente. Dentro de cada ser humano sempre haverá o embate entre os caminhos da natureza (satisfações próprias, necessidades instintivas) e o da Graça (amor altruísta) e somos, irremediavelmente, produtos deste conflito. Tais indagações, ao contrário do que muitos talvez esperem, são sublinhadas por imagens incríveis (como de hábito nos filmes de Malick), resultado da fotografia deslumbrante de Emmanuel Lubezki e ainda auxiliada por uma trilha sonora que induz à reflexão (com seu teor de “canto gregoriano modernoso”, como dito mais acima), em um deslumbre visual e sonoro condizente com o contexto. Tipo de filme que já valeria à pena somente pelas imagens. Ademais, conta com elenco estelar em grandes interpretações. Até mesmo os garotos, intérpretes dos três filhos dos O’brien se mostram bastante naturais.


Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2011, “The Tree Of Life” talvez não seja “a” obra-prima de Terrence Malick (eu ainda gosto mais do citado “Além da Linha Vermelha”), mas certamente está entre os melhores filmes dos últimos anos. Instigante e distante de superficialidades, mostra mais uma vez o talento de um diretor-filósofo que busca usar a Sétima Arte como debate e expressão de ideias. Ou seja, seu cinema é primordialmente arte, um artigo que anda em falta no mercado. Importante ressaltar que as interpretações expostas acima são algumas dentre várias outras possíveis. E só filmes que nos atingem enquanto autênticas expressões artísticas são capazes de gerar múltiplas leituras. É possível que o verdadeiro intuito do cineasta ao elaborar uma obra tão permeada de interrogações seja justamente o de nos lembrar que somos muito além do que dinossauros, meros animais à deriva na natureza. Como humanos, somos, antes de mais nada, amor e inteligência.


Cotação:



Nota: 10,0

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Dica de Livro

Eu estava pensando em falar alguma coisa sobre a abertura do Festival de Cannes (que foi ontem, dia 15/05), mas acredito que a web já deve estar empilhada de notícias sobre o evento. Portanto, resolvi postar alguma coisa sobre um livrinho interessante que adquiri há pouco tempo. Trata-se de "101 Filmes - Tesouros Perdidos", de Ricardo Matsumoto e Roberto Pujol, colaboradores da revista Preview. Como diz o texto da própria capa, o livro se propõe a indicar ao leitor “uma seleção dos melhores filmes que você (provavelmente) nunca viu", realizando uma apanhando daquelas películas que, por um motivo ou outro, não foram bem de bilheteria ou foram relagadas a um segundo plano pela crítica, sempre sujeita a erros. A seleção de obras é bem eclética, abordando tanto filmes antigos como mais recentes, de diversas nacionalidades e gêneros. A apresentação se realiza de maneira semelhante ao consagrado "1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer" , com resenhas de uma página e fotos das produções. Vale à pena conferir. Há muitas dicas preciosas na lista escolhida. Boa leitura.

domingo, 12 de maio de 2013

Para Ver Em Um Dia de Chuva

Mother - A Busca Pela Verdade
(Madeo, 2009)


Suspense hitchcockiano sobre a maternidade


Ultimamente, ando afastado do cinema asiático. Um descaso bastante reprovável, tenho ciência disso, o que me levou a procurar resolvê-lo assistindo a algum representante do crescente e elogiável cinema coreano, considerado pela crítica internacional como o maior celeiro de criatividade atual. Confesso que, entre os representantes da produção coreana recente, eu havia visto apenas “Old Boy” (2003), a perturbadora saga de vingança concebida pelo diretor Chan-wook Park. Diante da proximidade do dia das mães, o que estava me motivando a postar algum texto relacionado à data (tudo bem, até o Cinema Com Pimenta às vezes acaba contaminado por essas datas que, no fundo, são comerciais), acabei optando pelo longa-metragem “Mother – A Busca Pela Verdade”, cujo diretor Bong Joon-Ho é um dos mais incensados da atual cena da Coreia do Sul. Ele é o mesmo cineasta de “O Hospedeiro” (Gwoemul, 2006), filme conhecido pela mistura de diversos gêneros, passeando do terror até a comédia e crítica social. Não vi “O Hospedeiro”, mas, a julgar por este “Mother”, o ecletismo parece mesmo ser uma marca do trabalho de Joon-Ho.

Em “Madeo” (título original do longa), o diretor consegue misturar com precisa eficácia gêneros como drama, suspense e policial, trazendo um resultado original e, até certo ponto, surpreendente. Um modo diferente de abordar uma narrativa que questiona até onde pode ir o amor materno. Na trama, Hye-Ja (papel da excelente atriz Kim Hye-Ja), comerciante que também realiza sessões de acupuntura clandestinamente, é mãe solteira de Do-Joon, uma rapaz que tem já os seu vinte e poucos anos, mas que tem um significativo retardo de desenvolvimento mental, comportando-se como uma criança. Após uma noite de bebedeira, Do-Joon acaba se tornando o principal suspeito do brutal assassinato de uma jovem de seu bairro. A super protetora Hye-Ja fará, então, de tudo para provar a inocência do filho, em um caminho tortuoso onde terá de enfrentar uma polícia ineficiente e advogados negligentes. Um percurso com surpresas e situações de choque e que levarão o espectador tanto ao espanto quanto à reflexão.


A estrutura básica de “Madeo” é a de um “whodunit”, aquele tipo de filme cujo mote central é descobrir quem cometeu um crime. Joon-Ho desenvolve o mistério utilizando estruturas inspiradas em Alfred Hitchcock, como a famosa premissa do “homem errado”, tão frequente na filmografia do cineasta britânico. Além disso, realiza uma interessante mistura de tons de suspense com elementos cômicos, uma das especialidades do velho Hitch. Contudo, se este utilizava uma superfície de mistério e suspense para realizar análises acerca da relação homem-mulher, dissecando a sedução e dominação presentes nos envolvimentos amorosos, Joon-Ho tenta entender aquela que talvez seja o mais instintivo, visceral e, ao mesmo tempo, belo e comovente dos sentimentos: o amo materno. A trajetória de Hye-Ja para proteger sua prole alcança pontos em que certos limites éticos e morais são ultrapassados, levando-nos a refletir sobre a aceitabilidade de suas condutas, além de fazer-nos questionar o quanto do ser humano pode ser condicionado pelos nosso instintos mais primitivos. Joon-Ho, todavia, não oferece julgamentos, seja condenando ou absolvendo a protagonista e está longe de enquadrá-la em uma visão santificada ou que procurasse ao menos justificar suas atitudes. De outra ponta, Joon-Ho demonstra uma forte preocupação em exibir a realidade da Coreia capitalista, muitas vezes vista nos Ocidente como exemplo de país que soube sair do subdesenvolvimento. A Coreia que vemos nos filme é repleta de semifavelas e demonstra possuir uma sociedade bem menos rica e pujante do aquela que a mídia globalizada costuma divulgar.


Tais questionamentos nos são trazidos por meio de um roteiro muito bem construído, atento a minúcias e com pistas falsas, muito embora algumas de suas reviravoltas, mormente a principal delas, se mostrem uma tanto previsíveis. Apesar de tais previsibilidades, a narrativa não deixa de ser envolvente e não só porque o roteiro é bem construído. As atuações contribuem poderosamente para o ótimo resultado final da película. O jovem intérprete do filho Do-Joon, o ator Bin Won, realmente convence como uma rapaz com problemas de desenvolvimento mental, em uma atuação muito natural. Além dele, Ku Jin, intérprete do amigo Jim-Tae, também trabalha com competência na construção de uma personalidade dúbia. Contudo, é mesmo Kim Hye-Ja que arrasa em sua performance como a mãe protagonista. Uma atuação perfeita que certamente levaria indicações e prêmios Oscar caso ela tivesse trabalhado em um longa hollywoodiano.

“Mother-A Busca Pela Verdade” tornou-se quase uma unanimidade perante a a crítica internacional e não impunemente. Trata-se de uma obra que demonstra, de fato, porque o cinema coreano é considerado o mais criativo da atualidade, abordando temas complicados de forma inteligente, mas sem tem medo de ser incômodo. Interessante, inclusive, constatar como a produção coreana consegue fugir do politicamente correto e até chocar o público, mas sem nunca deixar de envolvê-lo, em uma mistura de forma e substância à qual é impossível ficar indiferente. E Bong Joon-Ho é, indubitavelmente, um dos grandes representantes dessa escola cinematográfica singular, sendo “Mother” uma ótima forma de começar a conhecê-lo. Não sei se é exatamente uma longa para ser visto no dia das mães, mas que é um baita filme, isso é.


Cotação:



Nota: 9,0

terça-feira, 7 de maio de 2013

Somos Tão Jovens

Recorte de um tempo perdido


Eu sou um legionário. Sim, eu sou daqueles que sabem cantar todas as músicas da Legião Urbana, banda liderada pelo mito Renato Russo que atingiu sua apoteose na segunda metade dos anos 80 e início dos anos 90. Tenho todos os discos, já li obras sobre Renato, entrevistas e documentários. Estou fazendo essa advertência porque acredito que as seguintes linhas traçadas sobre “Somos Tão Jovens”, longa-metragem dirigido por Antônio Carlos da Fontoura que estreou em circuito nacional na última sexta-feira, podem sofrer a interferência da visão indissociável de fã que será apresentada. Para o bem ou para o mal, é importante sublinhar, pois que, se em alguns momentos minha empolgação pode ter falado mais alto, em outros o fato de conhecer bastante a história daqueles personagens pode ter elevado minha visão crítica.

“Somos Tão Jovens” é, antes de mais nada, um recorte de uma época. Mais precisamente, os anos da adolescência de Renato Manfredini Jr. (interpretado por Thiago Mendonça, o Luciano de “2 Filhos de Francisco”) em Brasília. Portanto, não vá ao cinema esperando encontrar uma apanhado biográfico de toda a vida do artista, incluindo sua maturidade e falecimento resultado do vírus HIV. Quem aparece no filme é o Renato do Aborto Elétrico - a banda do punk brasiliense formada por ele, o sul-africano Andre Pretorius e os irmãos Felipe (o Fê) e Flávio Lemos (hoje, no Capital Inicial) - e também a sua passagem como “Trovador Solitário”, quando deixou o Aborto devido aos desentendimentos constantes com Felipe. E também vemos Renato antes de participar de qualquer banda, aos 15 anos, quando ficou meses de molho em casa devido a uma doença que debilitou suas pernas, a epifisiólise. Esse período é o ponto de partida do longa, uma fase fundamental para a formação intelectual do futuro astro, uma vez que se dedicou a devorar livros e discos em seu quarto, surgindo então o sonho de se tornar “um astro do rock”. Daí em diante, o roteiro de Marcos Bernstein (o mesmo de “Meu Pé de Laranja Lima” e “Central do Brasil”) enfoca não apenas sua trajetória musical, mas também seu relacionamento com os amigos da turma da “Colina” (como eles eram conhecidos na capital do país), com a família e com Ana Cláudia, uma amiga/namorada fundamental em sua juventude.


Seria injusto acusar a película de “mitificar” Renato. É certo que o roteiro faz aparecer muito da persona artística do músico na sua adolescência, o que talvez seja um equívoco. Entretanto, quem já ouviu comentários e entrevistas de outros participantes do denominado “Rock Brasília” sabe que Renato era idolatrado por amigos e colegas ainda na adolescência, demonstrando desde cedo que sabia ser uma personalidade midiática. Ademais, seu temperamento intempestivo é bastante abordado, além de serem “denunciadas” algumas de suas atitudes cretinas, como o hábito nada louvável de gravar conversas com os amigos, sem o conhecimento destes, para depois servir de inspiração para composições. Portanto, “mitificar” não é o verbo certo para definir os resultados alcançados pela produção. A maior carência de “Somos Tão Jovens” reside em sua pouca propensão em buscar os “porquês” da trajetória do astro, limitando-se quase tão somente a exibir “como” ele desenvolveu esse caminho. Vemos na tela alguns de seus sentimentos de inadequação, como as dúvidas e angústia relativa à sua sexualidade, mas são apenas pinceladas que se tornam insuficientes para compreender sua mente. Não há muito que denuncie que aquele garoto de músicas rebeldes iria anos mais tarde compor canções introspetivas como “Há Tempos”. Além disso, várias passagens, como os problemas com a polícia, o consumo de drogas e os relacionamentos homossexuais são abordados de forma mais leve e pouco disposta a causar desconforto no público médio (diferindo significativamente, neste aspecto, da cinebiografia “Cazuza – O Tempo Não Para”, de Sandra Werneck e Walter Carvalho). Incomoda, ainda, uma certa vontade de pontuar os diálogos com frases das músicas da Legião, como se a cada momento surgisse uma inspiração para futuras composições.

Contudo, é inegável que o longa é feliz em transmitir o clima juvenil daqueles tempos, impactado pelo movimento punk e buscando formas de extravasar seu tédio e inconformismo diante de um governo militar arbitrário. O longa respira rock 'n roll e não apenas porque está recheado de músicas do próprio Renato Russo e de bandas famosas (como o Sex Pistols), mas também por trazer a sensação de estar presente naqueles dias, como se fôssemos mais um daqueles jovens pulando ao som pesado emitido por caixas de som em volume máximo. Para isso colaboram opções técnicas como o uso da câmera em primeira pessoa nas cenas de shows, fazendo com que o espectador se sinta no meio da agitação da plateia ou nas pistas de dança. A ótima edição também proporciona um ritmo tão agitado quanto aqueles dias de rock, contribuindo para que nem cheguemos a sentir o tempo passar. Tudo bem, são 114 minutos, não é um filme longo, mas a sensação ao final é de ainda estarmos na metade (a julgar pela reação do público da sessão, não fui o único a ter essa impressão).



E Thiago Mendonça? Consegue dar conta do recado ao interpretar um personagem tão complexo? A resposta é: mais ou menos. Não seria mentira ou chatice afirmar que ele baseou sua performance na versão midiático-estilizada criada pelo próprio Renato Russo. De fato, sua interpretação possui vários cacoetes. Entretanto, ela se encaixa perfeitamente nas aparições durante shows, levando-nos, nestes momentos, a esquecer que aquele é um ator e não o verdeiro cantor. Também vale mencionar o seu esforço em ser verdadeiro em ditas sequências, uma vez que aprendeu a tocar violão para o longa-metragem e consegue cantar no mesmo tom de Renato sem desafinadas muito aparentes (e convenhamos, é difícil cantar no mesmo tom do líder da Legião Urbana). O resto do elenco não tem muito o que desenvolver. A lista de personagens é extensa, fazendo com que nenhum deles tenha muito tempo de cena. A exceção é Ana, a mencionada “amiga/namorada” que exerce uma grande influência sobre o roqueiro. A atriz Laila Zaid consegue lhe conferir ótima presença em cena, além de delinear com competência e sensibilidade a sua personalidade.

Este é um filme para jovens e preocupado, como já assinalado, em captar a atmosfera de um um tempo que, como diz a famosa canção do compositor, parece perdido, distante e esquecido. Talvez o grande mérito do diretor Fontoura seja, mesmo diante de algumas inconsistências, recuperar esse espírito de contestação e inconformismo que parece estar sendo esquecido pelos cada vez mais conservadores e anódinos jovens contemporâneos, todos iguais em suas preocupações pequeno-burguesas. Em sua canção “Geração Coca-Cola”, Renato já cantava que ele fazia parte de uma geração apática e individualista, “burgueses sem religião”. Pelo que vemos, a situação apenas se agravou, pois que aquela geração possuía uma autocrítica que não se vê na atual. Todavia, ao ver a sala repleta de uma rapaziada universitária, as esperanças se renovaram. Tomara que ela tenha saído da sessão contaminada pelo espírito rock 'n roll vivenciado pelo jovem Renato Frandeni Jr.


Cotação: 



Nota: 8,0

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Filmes Para Ver Antes de Morrer

A Noviça Rebelde
(The Sound Of Music, 1965)


Alegre como o ano novo


Eu nunca fui muito adepto de festas de réveillon. Sempre considerei uma celebração meio sem sentido. Afinal, não é porque o planeta Terra iniciará mais uma volta em torno do Sol que a vida de ninguém vaia mudar. Nós é que devemos fazer com que as coisas mudem e não ficar esperando transformações devido a uma alteração no calendário. Sendo assim, costumo passar as entradas de ano em família, se não na minha própria, casa passo em casa de parentes. Nada de badalações em praias, bares, clubes etc. O fato de passar os réveillons próximo a uma televisão sempre me possibilitou verificar quais os primeiros filmes exibidos pelas emissoras em cada ano (tudo bem, realmente acho que isso é coisa de cinéfilo maluco). Há algum tempo, a Globo costumava exibir como primeiro filme do ano um clássico absoluto entre os musicais, o qual, com sua sequência de abertura característica, era de fácil identificação. Tratava-se da tomada aérea que mostrava as belas montanhas da Áustria em um longo plano-sequência que culminava com a aparição de Julie Andrews cantando “The Sound Of Music”. Sim, você já deve ter percebido qual o filme em questão. Trata-se de “A Noviça Rebelde”, um dos mais populares musicais de todos os tempos.

Dizer que este longa-metragem é um dos musicais mais populares já realizados não é uma hipérbole. Ele é o terceiro filme com maior número de ingressos vendidos, ficando atrás apenas de “...E o Vento Levou” (Gone With The Wind, 1939) e “Star Wars – Episódio IV” (1977). Em valores corrigidos, sua arrecadação atingiu quase US$ 1 bilhão apenas nos Estados Unidos. Estima-se que mais de um bilhão de pessoas ao redor do globo já viram a história da família Von Trapp levada à tela grande em 1965 por Robert Wise, um cineasta normalmente relegado ao segundo plano pela crítica, mas que aos poucos vem tendo sua reputação devidamente restabelecida. Apesar de não ser exatamente sua especialidade, Wise foi responsável por dois musicais de extrema importância no cinema hollywoodiano. Antes de “A Noviça Rebelde”, dirigiu em 1961, ao lado de Jerome Robbins, “Amor, Sublime Amor” (West Side Story), outro exemplar do mais autêntico musical representativo do antigo studio system. É possível, inclusive, enxergar “A Noviça Rebelde” como o canto do cisne dessa “era de ouro” do gênero. Lembre-se que o cinema norte-americano estava às vésperas de uma revolução que mais tarde seria conhecida como “Nova Hollywood”.



Wise não só foi o diretor do longa-metragem, mas também o seu produtor, o que lhe garantiu total controle sobre o projeto, uma adaptação para a tela grande de um musical da Broadway, cuja trama se baseia na história real da família de cantores Von Trapp. Ou seja, como acontece com frequência no gênero musical (a exemplo do citado “West Side Story”), temos aqui uma adaptação da adaptação. Torna-se importante ressaltar que a história a ser contada é a da família, pois o título em português pode levar muitos a imaginarem que o foco da narrativa é a noviça Maria (Julie Andrews). Ela realmente possui um papel predominante na primeira metade da trama, (com roteiro de Ernest Lehman) centrada na maneira como se desenvolveu o romance entre a espevitada noviça e o Capitão Georg Von Trapp (interpretado por Christopher Plummer), um viúvo pai de sete filhos que controla com regras militares. Maria, que não consegue se adequar à rigidez do convento (1), vai trabalhar como governanta no casarão da família e as crianças, inicialmente resistentes (como sucedia com todas as governantas), vão se afeiçoando e se encantando com seu jeito alegre e amoroso. Ela e o capitão acabam se apaixonando e ele desfaz o noivado com uma rica baronesa (Eleanor Parker) para se casar com Maria. Já na segunda metade da projeção, vemos a invasão nazista em território austríaco e a recusa do Capitão em colaborar, dado o seu perfil antinazista. A família então se vê forçada a fugir para outro país, atravessando a pé a fronteira com a Suíça (na história real, posteriormente eles emigrariam para os EUA).

Opa, sei que acabei contando toda a história do longa. Spoiler gigante? Pode ser, mas, sinceramente, o encanto da película não está exatamente na história narrada, de resto já bastante conhecida, mas na forma como ela é contada, repleta da magia que só os grandes musicais sabem proporcionar. O poder das canções concebidas pela famosa dupla de compositores Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II é atemporal, ainda mais quando interpretadas por uma Julie Andrews em estado de graça e um sensacional elenco infantil de crianças bonitinhas e carismáticas. Christopher Plummer está divertidíssimo como o patriarca Von Trapp (e olha que o primeiro a ser cogitado para o papel foi Yul Brynner) e todo elenco de apoio também se encontra especialmente inspirado, vide as ótimas participações de Richard Haydn como o impagável Tio Max e Eleanor Parker como a Baronesa Elsa. Mas não é só o elenco e as músicas que impressionam em “The Sound Of Music”. A sua mise-en-scène é admirável, com um direção de arte soberba e uma fotografia inesquecível (de Ted McCord), vide a mencionada cena de abertura, de beleza ímpar, que foi filmada seis vezes a partir de um helicóptero. No mesmo nível de qualidade encontra-se a edição, a qual imprime um ritmo perfeito para uma produção com 174 minutos.


Vencedor de 5 Oscars (melhor filme, diretor, edição, som e trilha sonora), “A Noviça Rebelde” é um verdadeiro espetáculo tanto para os olhos quanto para os ouvidos e o fato de ser um filme tão querido até hoje é o maior indício de sua excelência. O American Film Institute o coloca, merecidamente, entre os cinco melhores musicais estadunidenses de todos os tempos. Ao revê-lo recentemente, entendi o porquê de sua exibição constante em viradas de ano. Além de sua alegria latente, é uma obra que exala otimismo. O final, com a família Von Trapp atravessando a pé a fronteira com a Suíça, através dos Alpes, enaltece de forma emotiva e eficiente a força dos laços familiares e de solidariedade, valores estes lembrados coletivamente nas festas de fim de ano. Sendo sincero: para um cinéfilo, assistir a “The Sound Of Music” pode ser bem mais interessante e recompensador do que certas festas de réveillon. Ah, e não estranhe se depois de vê-lo as suas canções permanecerem pegajosamente na sua memória. Comigo aconteceu a mesma coisa...


Cotação:



Nota: 10,0


(1) Segundo informação que consta da edição brasileira em blu-ray, a própria Maria afirmava que sua indisciplina no convento era bem maior do que a mostrada no filme.