sexta-feira, 21 de junho de 2013

Será que o Brasil realmente mudou?




Pausa no cinema.

Ontem, dia da manifestação que reuniu cerca de 20.000 pessoas aqui em Natal, eu trafegava com minha esposa em uma rua de Capim Macio, bairro de classe média alta situado na zona sul da cidade, quando avistamos um grupo de adolescentes saindo de um luxuoso edifício residencial. Estavam com os rostos pintados de verde e amarelo e carregavam a bandeira nacional. Entraram em uma picape Hillux e, obviamente, dirigiram-se ao local marcado para o protesto, situado em frente a dois shoppings centers também da zona sul.

O fato me chamou a atenção e me despertou para um dado que talvez esteja sendo pouco observado nas análises dos protestos que tomaram conta do país desde a semana passada. Este não é um movimento com participação predominante daqueles que realmente possuem legitimidade para reivindicar as bandeiras em discussão, mas de uma classe média que em muito foi beneficiada por políticas do atual governo.

Os jovens mencionados, provavelmente nunca andaram de ônibus em suas vidas, ou o fizeram apenas em situações de exceção, como de resto é o perfil de ampla parcela dos manifestantes. São jovens que, em geral, possuem planos de saúde e estudam em caras escolas privadas ou universidades respeitadas. Se observarmos bem, foram ao protesto porque, de uma hora para outra, tornou-se “cool” participar das manifestações. Estavam empunhando bandeiras não porque possuíssem uma real identificação com as causas levantadas, ou porque acreditassem no surgimento de novas forças sociais capazes de interferir no processo político. Foram ao manifesto para bater fotos de suas participações e, mais tarde ou via celular, postá-las no “Face”, Instagram ou enviá-las para os amigos. Não nos enganemos.

É assim que funcionam as relações dentro das redes sociais, as quais são de suma importância para a facilitação e surgimento de movimentos como o que estamos vivenciando, mas também são extremamente propícias a esvaziá-los de conteúdo, transformando-os tão somente em eventos semelhantes a shows, aptos a satisfazer a vaidade de uma juventude que não iria deixar seu individualismo de lado de uma hora para outra.

A verdade é que há uma tremenda perda de foco nos protestos. Tem-se a impressão que cada um vai a campo reivindicar a demanda que mais afeta seus próprios interesses, como pude perceber a partir da leitura de uma matéria do portal IG, onde uma senhora de 58 anos afirmava participar da manifestação porque esteve em Roma há pouco tempo e percebeu “o quanto é bom sair nas ruas sem medo”. Trocando em miúdos, não estava se solidarizando com os pleitos do Movimento Passe Livre (cujos líderes me parecem dotados de grade lucidez), mas simplesmente revindicando a respeito do que especificamente lhe incomoda.

Essa dispersão de objetivos, espécie de revolta generalizada contra a “situação”, apenas contribui para que alguns grupos, especialmente a mídia mais conservadora, procurem se aproveitar e tomar como seu um discurso democrático que não lhes é próprio, como é o caso exemplar da Rede Globo, a qual ontem retirou de sua grade de programação as suas novelas, onipresentes em praticamente todos os 365 dias do ano, para “realizar a cobertura dos protestos” (e sem comerciais durante mais de duas horas!). Logo ela, a Globo, que nos anos 80, durante a campanha “Diretas Já!”, escondia os gigantescos comícios que aconteciam nas grandes metrópoles brasileiras. A mesma rede que, semana passada mesmo, durante os primeiros protestos, atribuía genericamente a pecha de “vândalos” aos manifestantes do MPL. Arvorar-se como defensora da democracia e tentar tomar para si o título de “emissora que dá voz aos protestos” é, no mínimo, uma hipocrisia e já denota possíveis segundas intenções. Afinal, nada vindo da TV dos Marinho é´gratuito ou por acaso.

Este deveria ser um momento para uma real mudança no Brasil, onde o cidadão se tornasse o centro das políticas públicas. Entretanto, a perda de foco demonstrada ao longo das manifestações aliada a um oportunismo barato de parte da mídia, além de alguns partidos políticos, talvez façam com que estes dias, no futuro, sejam conhecidos apenas como a “revolta do busão”, sem implicâncias maiores do processo histórico nacional. E digo mais: sempre devemos ter receio quando manifestações começam reunir famílias inteiras, como se estivessem a participar de um ato “cívico” como as comemorações do 7 de setembro. Basta lembrar que algo semelhante aconteceu em 1964, pouco antes do golpe militar que nos legou tantas heranças negativas.
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4 comentários:

renatocinema disse...

Amigo.....infelizmente não acredito em mudança alguma.

Acredito que segunda-feira ou em dez dias tudo será esquecido.....a geração dos caras pintadas me desanimou totalmente.

abs

Hugo disse...

Gostei do texto, penso muito coisa igual a você.

Acredito que a revolta cresceu por conta da violência policial nas primeiras manifestações aqui em SP.

A ignorância e arrogância dos governantes criou esta situação, que na minha opinião acabará com alguma mudança, mesmo sem saber agora exatamente qual será.

Abraço



Fábio Henrique Carmo disse...

Amigos, começaram a pipocar na internet informações de que, na realidade, as manifestações não foram, digamos assim, tão espontâneas. Vejam no link abaixo:

http://www.tijolaco.com.br/index.php/what-is-this-companheiro/

Abraço!

ANTONIO NAHUD disse...

Ótimo reflexão, Fábio.

http://ofalcaomaltes.com/