terça-feira, 30 de julho de 2013

Wolverine - Imortal

Preservando a essência


Já faz um bom tempo que li a histórica série de Wolverine, concebida por Chris Claremont e Frank Miller, que elevou o famoso mutante a novos patamares. Nela, Logan respirou ares diferentes em uma trama ambientada no Japão, tentando alcançar o autocontrole (algo quase avesso ao seu temperamento irascível) e conhecendo uma nova paixão com Mariko, deixando, desta forma, um pouco de lado seu eterno amor não correspondido por Jean Grey. O mais popular entre os X-Men atingia sua maioridade artística, arregimentando uma legião ainda maior de fãs que não parou de crescer, sendo hoje Wolverine um dos super-heróis mais populares da Marvel. Tão popular que já chegou ao seu segundo filme solo, mesmo diante das críticas negativas relativas a “X-Men Origens: Wolverine” (X-Men Origins: Wolverine, de 2009), com as quais eu nunca concordei inteiramente. É verdade que se trata de um filme com problemas, mas está longe de ser a “bomba” alardeada quando do seu lançamento. Por outro lado, se nas HQs o personagem foi alçado a níveis excepcionais com a citada história de Logan em terras nipônicas, “Wolverine – Imortal”, atualmente em cartaz no circuito comercial brasileiro, também eleva o mutante esquentado a outros patamares na telona do cinema.

Acredito não ser por acaso o sucesso, uma vez que este novo longa-metragem do herói foi inspirado na famosa HQ de Miller e Claremont, com o acréscimo de algumas outras nuances que vieram de sagas posteriores. Durante boa parte da projeção, sequer temos a sensação de estarmos assistindo a um filme de super-herói. Parece mais uma mistura de filme de ação tradicional com filme de artes marciais. Algo que lembra “Kill Bill”, de Quentin Tarantino, muito embora nosso herói tenha motivações mais nobres do que uma mera vingança e não há toda aquela sanguinolência explícita. Entretanto, o estilo samurai-fantástico se faz presente em várias sequências, dirigidas com muito apuro por James Mangold, o mesmo de longas como “Garota Interrompida” (Girl, Interrupeted, 1999) e “Johnny & June” (Walk The Line, 2005). Ou seja, um diretor de viés artístico, escolhido para colocar na película um maior peso dramático. Vale lembrar que a primeira escolha para a realização havia sido Darren Aronofsky, amigo de Hugh “Wolverine” Jackman, mas o diretor de “Cisne Negro” (Black Swan, 2010) acabou desistindo. De qualquer forma, a escolha se mostrou feliz (muito superior a Gavin Hood, diretor do primeiro filme solo do mutante), já que Mangold demonstrou capacidade não apenas de imprimir um teor dramático mais consistente à trama, mas também de entregar ótimas sequências de ação, como o sensacional embate de Logan com um mafioso da Yakusa em cima de um trem em movimento.



O roteiro, escrito por Scott Frank e Mark Bombak, mostra o mutante vivendo como um selvagem no meio da floresta – e mais agressivo do que nunca - até ser encontrado por Yukio (Rila Fukushima), uma japonesa que lhe traz uma mensagem de um antigo amigo, o Sr. Yashida (Hal Yamanouchi), militar que Logan salvou no trágico dia da explosão da bomba atômica em Nagasaki, durante a Segunda Guerra Mundial. Yashida está moribundo, vítima de câncer, e Logan viaja ao Japão para ouvir o que ele tem a dizer. Já em terras nipônicas, conhece Mariko, a neta de Yashida, e acaba por se envolver em uma trama que envolve a máfia Yakuza, além de outros mutantes, sendo que uma delas, a Víbora (Svetlana Khodchenkova), acaba por afetar o seu fator de cura, deixando o herói combalido para enfrentar seus perigosos inimigos.

Claro que há muita ação em “Wolverine - Imortal”, com algumas sequências realmente ótimas (como já frisado), imageticamente bem concebidas e com edição eficiente que permite ao espectador entender perfeitamente o que se passa na tela. Contudo, um dos seus maiores trunfos é a construção dos personagens, com destaque para Yukio, uma mutante com capacidade de prever o futuro, e Mariko, o novo amor de Logan, ambas, vale dizer, muito bem interpretadas por suas respectivas atrizes. O elenco como um todo se mostra bastante eficiente, mas é mesmo Hugh Jackman que mais uma vez mostra porque é o Wolverine definitivo. Alguns atores se encaixam tão perfeitamente em alguns papeis que sequer podemos imaginar outra pessoa interpretando-os. É o caso de Harrison Ford, por exemplo, como Indiana Jones. E é o caso de Hugh Jackman como o mutante de garras de adamantium.


Destarte, não se pode negar que o longa deixa a desejar no seu último terço, embarcando em alguns exageros dispensáveis que só contribuíram para enfraquecer a narrativa. Ademais, os fãs vão reclamar de algumas distorções em relação ao material original (principalmente com relação ao vilão Samurai de Prata, que dá as caras lá para as tantas). Todavia, mesmo com algumas ressalvas, a adaptação de Mangold preserva a essência do personagem, mesmo que Wolvie seja ainda mais violento e truculento nos quadrinhos. Aqui, devido às questões que envolvem um blockbuster, que, como sabemos, tem de gerar retorno financeiro, não é possível deixar a violência de forma muito gráfica na tela mas, de qualquer forma, está lá o Logan de temperamento arredio, quase um animal selvagem, lutando para domar seus instintos e superar o passado. Ou seja, encontramos o Wolverine que conhecemos e não um simulacro do herói, como aconteceu recentemente na nova adaptação do Homem de Aço para a telona. Enfim, saí da projeção desejando uma continuação e com vontade de recomendar “The Wolverine” para os interessados em curtir uma boa sessão no fim de semana.


Cotação:



Nota: 8,0

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Tenho Sede





Tenho Sede
(Dominguinhos/Anastácia)

Traga-me um copo d'água, tenho sede
E essa sede pode me matar
Minha garganta pede um pouco d'água
E os meus olhos pedem teu olhar

A planta pede chuva quando quer brotar
O céu logo escurece quando vai chover
Meu coração só pede teu amor
Se não me deres, posso até morrer


Pausa no cinema para uma singela homenagem a José Domingos de Morais, o Dominguinhos, falecido no último dia 23/07.

Mais uma mestre que se foi. Tenho certeza que agora está tocando ao lado de Gonzagão, fazendo um baita São João no céu!

(E que linda interpretação, essa do Gil!).


domingo, 21 de julho de 2013

O Homem de Aço

5 motivos para não gostar de “O Homem de Aço”


ALERTA: o  texto a seguir está cheio de spoilers. Portanto,  é melhor acompanhá-lo apenas se você já tiver assistido ao filme.


Este foi um dos filmes mais aguardados do ano e as grandes expectativas quase sempre geram decepções. Infelizmente, não consegui fugir a tal regra e saí do cinema frustrado após assistir a “O Homem de Aço” em uma sessão 3D (dispensável) completamente lotada. A pergunta que não calava na minha mente era justamente: “mas, afinal, onde está o Superman?”. Sim, porque, convenhamos, aquele personagem na tela tinha algumas semelhanças com o Kal-El que conheci nos quadrinhos e na franquia cinematográfica protagonizada por Christopher Reeve, mas não era ele. A seguir, em tópicos, vou discorrer sobre os motivos que me levaram a rejeitar essa nova adaptação, esse reboot tão desnecessário quanto o foi, ano passado, o reinício da franquia do Homem-Aranha.

1) O roteiro – A impressão que tive foi a de que os roteiristas David S. Goyer e Christopher Nolan, os mesmos da recente trilogia “O Cavaleiro das Trevas”, estavam de ressaca depois do seu trabalho com o homem morcego e as ideias acabaram não fluindo da forma esperada, pois o enredo de “Man Of Steel” é repleto de atropelos e incongruências. Há muitas circunstâncias mal explicadas, como o fato dos kryptonianos não mais se reproduzirem naturalmente (será que alguma saga recente dos quadrinhos criou essa ideia estapafúrdia?) ou a ida de Lois à Fortaleza da Solidão, assim, digamos, meio que por acaso, logo após ver Kal-El caminhando (hein?) no Ártico em busca de suas origens. De quebra, o roteiro ainda transformou o Superman em um assassino ao matar o General Zod. A desculpa de Zack Snyder, diretor do longa, é a de que “a inocência acabou”. Pois bem, Sr. Snyder, eu acredito que justamente no mundo de hoje estamos precisando de mais pureza, inocência, inspiração e o personagem do Super-Homem era justamente o mais eficaz em mostrar aos garotos uma inigualável retidão de caráter. E aqui, entramos no segundo problema.


2) A direção – Zack Snyder é o diretor, mas não se pode negar que “O Homem de Aço” possui a mão forte de Christopher Nolan no processo criativo. Com dito anteriormente, recém egresso da franquia de Batman, ele aparentemente confundiu os personagens, querendo atribuir à narrativa um tom sombrio que destoa do Superman. Podem me acusar de “purista” ou “saudosista”, mas sempre defendi que uma adaptação de HQ é bem-sucedida quando consegue captar a essência do personagem. É o que sucedeu com a referida trilogia do Cavaleiro das Trevas e também com a trilogia do Homem-Aranha comandada por Sam Raimi. O que ocorre em “O Homem de Aço” é justamente o oposto. Super-Homem transforma-se em uma pessoa cheia de complexos, sem autoconfiança sentindo-se um rejeitado-deslocado-excluído devido à sua condição de alienígena. Algo semelhante ao sentimento dos mutantes dos X-Men, mas o filme não é sobre Wolverine (o filme dele é outro). Ressalte-se que os humanos sentem mais medo do super-herói do que admiração. Aliás, o fato de Kal-El ser um alienígena já é conhecido por todos, assim, logo de cara, inclusive por Lois Lane. Sim, não existe nenhum mistério e riqueza no relacionamento entre os dois. Ela já sabe que Clark é Superman, sem rodeios. O romance resta mal desenvolvido e, em compensação, no último terço de projeção, temos meia hora de pancadaria desenfreada que chega a ser cansativa. Metrópolis é devastada praticamente inteira, sem dó nem piedade, umas três vezes. Ah, e tudo isso com uma fotografia que prima pelos tons escuros, como se a qualquer momento Clark Kent fosse entrar na Batcaverna.

3) O ator – Em geral, o elenco não compromete. Amy Adams convence como a repórter Lois Lane, conferindo-lhe aquele ar arrogante-petulante característico da personagem. O veterano Kevin Costner também se sai bem como Jonathan, o pai terráqueo de Clark, exalando aquela aura de sabedoria a que nos acostumamos ver tanto nas HQs quanto no cinema. Até Russel Crowe, que vivia péssima fase, convence como Jor-EL, o pai kryptoniano do herói. Entretanto, é justamente na peça central que mora o problema. Henry Cavill, ator britânico egresso da TV (participou da série “The Tudors”), realmente é um homem bonito, lembrando o ícone Christopher Reeve, tem porte atlético e jeitão de Superman. Contudo, como ator, não convence ninguém. Está sempre com o semblante fechado e, nos poucos momentos sorridentes, eles aparecem forçados, como em um comercial de pasta de dente. Assim, a empatia com o espectador resta diminuída, algo que prejudica demais em um filme de super-herói. Mas, vá lá, ele é melhor do que o completamente inexperessivo Brandon Routh, intérprete (?) do filme de Bryan Singer.


4) A pretensão – Tudo bem, uma das conotações mais notórias do Super-Homem é a sua similaridade com Jesus Cristo. Afinal, ele foi “enviado” para a Terra, onde deveria trazer esperança para a humanidade; foi criado por pais terrenos; usa um manto vermelho nas costas; é moralmente irrepreensível e por aí vai. Contudo, “O Homem de Aço” leva essa conotação messiânica ao extremo, chegando ao ponto de, em determinada cena, o herói abrir os braços como se estivesse para ser crucificado. É como se, de repente, estivéssemos estranhamente a assistir um filme religioso. Tal subtexto sempre vai existir nas histórias do Superman, mas não precisa exagerar tanto assim. Esses excessos só contribuíram para deixar o longa com uma jeitão pretensioso totalmente dispensável.

5) A trilha sonora – Esse é o pior trabalho de Hans Zimmer em muito tempo. Uma trilha sonora invasiva, constante e permanentemente tensa. Dá até a impressão de que foi concebida para um filme de suspense. Entretanto, ao contrário de causar tensão nos momentos certos, torna-se cansativa e é totalmente esquecível. Quando lembramos da trilha épica e icônica que John Williams concebeu para o filme de 1978... Bom, aí a comparação vira covardia.

“O Homem de Aço”, apesar de todos esses poréns, não chega a ser um desastre. É perfeitamente assistível (tem ótimos efeitos especiais, claro), desde que esqueçamos que se trata de um filme sobre o Superman e imaginemos que aborda um outro herói qualquer. Ademais, ser “assistível” é algo muito abaixo do que se esperava da produção e o que percebo, diante da grande bilheteria que o longa vem obtendo, é que o seu marketing foi muito bem realizado (e os preços da salas 3D também ajudam né?). Esperemos que a continuação (já confirmada pela Warner) traga progressos na construção do roteiro e, principalmente, não esqueça que Super-Homem e Batman são personagens diferentes. Como frisado acima, não há nada pior para uma adaptação do que fugir à essência do personagem transposto para a tela. E, lamentavelmente, foi o que aconteceu.


Cotação:



Nota: 6,5

terça-feira, 16 de julho de 2013

Filmes Para Ver Antes de Morrer

Acossado
 (À Bout de Souffle, 1960)


O filme do Godard


“O Eduardo sugeriu a lanchonete, mas a Mônica queria ver o filme do Godard”. Foi através dessa frase de “Eduardo e Mônica”, famosa canção de Renato Russo, que, ainda garoto, ouvi falar pela primeira vez em um tal de “Godard” ("Mas quem é esse cara?"). Alguns anos mais tarde, descobri que o tal Godard da música era um importante diretor de cinema francês, que havia dirigido um filme chamado “Acossado”, uma obra considerada revolucionária que haveria de influenciar todo o cinema posterior. Mais alguns anos depois, já barbado, o primeiro filme que vi de Jean-Luc Godard não foi “Acossado”, mas “Alphaville” (1965), uma ficção científica distópica que influenciaria até Stanley Kubrick em “2001 – Uma Odissseia no Espaço” (2001 - A Space Odyssey, 1968). Devo dizer que foi uma experiência diferente, bem mais até do que eu esperava. No entanto, a curiosidade de ver “Acossado” ainda perdurava e, enfim, neste último sábado consegui saciá-la. E, tal como aconteceu com o citado “Alphaville”, o longa-metragem ainda trouxe mais do que era esperado. Finalmente entendi por que todos o consideravam uma “revolução”.

Em “Acossado” nada é convencional. Impressionante que, mesmo com mais de cinco décadas, o longa ainda continue moderno, original, contemporâneo, mais até do que 90% dos filmes que enchem as salas de cinema nos finais de semana. Decididamente, em “Acossado” nada envelheceu. E não estou fazendo tais afirmações para reverenciar Jean-Luc Godard. Aliás, ele nem precisa disso, tamanha a sua inegável importância para a história do cinema. Eu sou daqueles que não elogiam um filme apenas por ser um clássico. Por exemplo, considero “Juventude Transviada” (Rebel Without A Cause, 1955), do genial Nicholas Ray, um filme datado, mesmo com a presença de James Dean em cena. Já no longa primogênito de Godard, cada cena parece destinada a receber o adjetivo “cool”, à revelia da passagem do tempo.


A cada novo filme que vejo da Nouvelle Vague, passo a alimentar ainda mais a convicção de que este foi o movimento mais importante no cinema em todos os tempos. De fato, não se pode negar que foram aqueles jovens críticos da revista Cahiers du Cinéma os principais responsáveis por inaugurar uma era em que o cinema restou imbuído de plena subjetividade, uma mudança decorrente da prática da teoria do autor, a qual eles próprios haviam elaborado exercendo a crítica no referido periódico. Com a Nouvelle Vague, os diretores ganharam espaço na eterna luta com os produtores pelo controle criativo da película, um embate que, se ainda perdura, hoje, não se pode negar, apresenta ligeira vantagem para os diretores. Afinal, basta lembrar quantas oportunidades vamos ao cinema porque queremos ver o novo trabalho de Woody Allen, Steven Spielberg, Martin Scorsese ou Michael Haneke. Aliás, os três primeiros citados são crias da Nova Hollywood, aquele período da cinematografia norte-americana entre a segunda metade dos anos 60 até o final dos 70 que foi diretamente influenciado pela “nova onda” francesa.

Contudo, dentre vários cineastas e filmes inovadores da Nouvelle Vague, Godard e “À Bout de Souffle” merecem um destaque especial. Trata-se de um marco para uma nova perspectiva da narrativa cinematográfica. Até então, todos os planos e sequências de uma película tinham finalidade utilitarista, servindo unicamente para mostrar os fatos que compunham a narrativa. “Acossado” trouxe uma nova perspectiva, lançando a ideia de que o diretor poderia inserir planos na projeção apenas por considera-los belos ou interessantes, sem necessariamente acrescentar algum elemento importante ao entendimento do enredo. É a imagem pela imagem, desvinculando o cinema de sua perspectiva pragmática. Se Godard, em boa parte do longa, realiza close ups apaixonados no rosto de Jean Seberg, não é porque isso é importante para o desenrolar do roteiro, mas tão somente porque o belo rosto da atriz lhe agrada e ele busca que o espectador sinta o mesmo encantamento. Assim, somos envolvidos na trama a partir de uma perspectiva inteiramente vinculada ao olhar do diretor. É a execução perfeita do cinema autoral.


Outro expediente do diretor na sua elaboração foi a ideia da “edição brusca”, algo que não era inteiramente original, mas que aqui ganha contornos diferenciados. Saltamos de uma cena a outra sem aquela sensação de continuidade, de “virada de página”, como ocorre na edição tradicional. Tal recurso transmite uma significativa urgência, algo que certamente contribui para o caráter atual que o filme ainda exala. Essa edição abrupta teria sido uma sugestão de Jean-Pierre Melville, um dos poucos cineastas franceses que eram admirados pela trupe da Cahiers du Cinéma. Um pitaco importante que ajudou em muito no processo criativo de Godard, assim como a trilha sonora jazzística de Martial Solal, praticamente onipresente em todo a projeção e que contribui para estabelecer o clima noir que reina em “Acossado”.

Sim, pode-se afirmar que “Acossado” é um noir modernizado. Godard, assim como os demais cineastas da Nouvelle Vague, era fã do cinema estadunidense e, na sua obra, usou e abusou de elementos hollywoodianos. Na trama, cujo roteiro foi elaborado em parceria com o amigo François Truffaut (anos mais tarde eles romperiam a amizade devido a divergências criativas), Jean-Paul Belmondo (em papel que lhe rendeu a fama) interpreta Michel Poiccard, um escroque que vive de furtar carros e outros pequenos delitos. Em certa oportunidade, quando perseguido pela polícia, acaba assassinando um dos policiais, o que o transforma em procurado. Paralelamente, ele mantém um romance com Patricia Franchini, a personagem da bela Jean Seberg (a qual nunca atingiria o mesmo sucesso posteriormente), uma norte-americana que vive em Paris vendendo jornais. O relacionamento entre os dois tem aquele caráter modernoso que se tornaria padrão no cinema francês, colocando-se como mais um incremento do longa que desafia a passagem do tempo.


 É na relação entre ambos que surgem os melhores diálogos, longos e repletos de referências culturais. Não, não é por acaso que você está lembrando de Quentin Tarantino. Ele realmente deve muito ao cinema de Godard e não apenas na forma de elaboração dos diálogos. Godard também criou o cinema autorreferencial. Basta lembrar da cena em que Poiccard olha fixamente o pôster de um filme com Humphrey Bogart e perceber que vários dos seus trejeitos são imitações daqueles criados pelo astro hollywoodiano. É o cinema declarando amor ao cinema, algo que mais tarde seria latente em toda a obra de Tarantino.

É possível que todas a linhas escritas acima signifiquem apenas chover no molhado. Isso costuma acontecer quando tratamos de filmes que fizeram história no Cinema. Chovendo ou não no molhado, posso dizer que agora realmente entendo porque “Acossado” é considerado revolucionário, um marco cultural ainda cheirando a novo e, da mesma forma, porque o seu diretor é tomado como um dos mais importantes não apenas do cinema francês, mas da cinematografia internacional. Tão relevante que seu nome é citado até em música popular como sinônimo de cinema de arte. E isso é para poucos.


Cotação e nota: Obra-prima.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Universidade Monstros

Recuperando a boa forma


Pode parecer estranho, mas eu nunca assisti a “Monstros S.A.” (Monsters, Inc.), animação da Pixar datada de 2001. Apenas vi alguns trechos em exibições na TV. Portanto, minha experiência ao assistir ao prequel “Universidade Monstros”, atualmente em cartaz nos cinemas, foi praticamente “verde” com relação ao universo dos personagens apresentados. Eu só sabia que se tratavam de monstros encarregados de assombrar as crianças à noite, uma maneira engenhosa de brincar com aqueles medos dos pequenos. Além disso, tinha conhecimento de que os simpáticos monstrinhos da animação trabalham em uma espécie de indústria especializada em provocar sustos na garotada e assim gerar energia para a cidade de Monstrópolis. A nova prequela trata de mostrar como esses monstros chegaram à função que exercem no primeiro episódio da franquia, narrando a sua vida de estudantes universitários na “Universidade Monstros” do título. A verdade é que, ao fim da sessão, fiquei me perguntando porque nunca havia dado chance ao primeiro filme. Um tremendo erro cinéfilo, agora admito.

Interessante como a Pixar sabe trabalhar com sequências de seus filmes. Tudo bem, “Carros 2” foi um desastre, mas cabe afirmar que o primeiro já não era lá essas coisas (o ponto mais baixo de sua fase, digamos, “áurea”). O que poderia ser tomado como falta de criatividade, acaba se transformando em algo de qualidade indubitável. Conseguiu gerar uma obra-prima com “Toy Story 3” (2010) e se sai muito bem nessa empreitada com os camaradas de Monstrópolis, resultando em um longa superior ao anterior “Valente” (Brave, 2012) o qual, mesmo tendo levado o Oscar de melhor animação (bastante duvidoso) e com material inédito, não convenceu muito a crítica. E, como sempre, realizando uma obra que alcança tanto o interesse das crianças quanto dos adultos. Aliás, no caso de “Universidade Monstros”, arrisco dizer que é uma animação mais adulta do que infantil, uma vez que não será muito fácil para os pequenos entenderem e se familiarizem com a cultura universitária ianque, repleta de sectarismos e divisões calcadas em “irmandades” que só aceitam fulanos ou sicranos (parece que ainda estão no primário e não na faculdade), algo muito explorado no enredo do longa.


O filme usa o ambiente dos universitários estadunidenses para tecer uma saudável crítica à cultura de “vencedores” e “perdedores” típica das terras do Tio Sam. Ser um estudante do Programa de Sustos da Universidade Monstros é o objetivo de Mike Wazowski (voz em inglês de Billy Crystal) no desde pequeno, quando resolveu que o destino de sua vida seria o de fazer parte da equipe de assustadores que atormenta os sonhos infantis. Como não possui um talento nato para o susto, compensa suas limitações com muito esforço e estudo e é por suas altas notas que é aceito no curso. Já James Sullivan (voz de John Goodman) entra para a Universidade Monstros por ser de uma famosa e tradicional família de assustadores, muito embora não seja muito dado a esforços. Ou seja, está no programa de sustos “jogando com o nome”, para usarmos uma gíria tipicamente futebolística. Inicialmente, eles nutrem antipatia mútua, mas depois de uma série de eventos, acabam disputando lado a lado uma competição entre as irmandades do campus. Eles fazem parte da Oosma Kappa, a irmandade dos “losers” e esquisitões.

Destarte, o roteiro, escrito por Robert L. Baird, Daniel Gerson e Dan Scanlon (esse último também é o diretor), não se resume a criticar a cultura competitiva dos Estados Unidos. Multifacetado, também aborda a aceitação e complementação entre os diferentes, o valor da amizade e a perseverança na busca da realização dos nossos sonhos. Tudo isso, claro, com muito humor e diversão à prova de gostos. As melhores produções da Pixar conseguem essa proeza que é a de agradar a vários tipos de humor, algo difícil de ser alcançado (e que é o sonho de todo comediante). O longa também possui ótimo ritmo, não se tornando desinteressante em nenhum momento, um mérito da direção de Scanlon.


Contudo, o aspecto possivelmente mais interessante de “Universidade Monstros” é a sua fuga dos clichês. Em certas passagens, quando estamos praticamente convencidos de que o longa se rendeu às previsibilidades, ele nos reserva novos caminhos inesperados que trazem à luz até mesmo conflitos morais e éticos. Algo realmente alentador em animações, as quais, devido ao seu caráter lúdico, acabam, por vezes, a turvar o senso crítico, fazendo-nos tolerar certos clichês ou maniqueísmos por se tratar de um produto que inevitavelmente desperta nosso lado infantil. Essa tolerância à vezes nos faz superestimar algumas produções, a exemplo do aclamado “Procurando Nemo” (Finding Nemo, 2003), que é muito divertido, mas não se pode negar que é permeado de clichês.

“Universidade Monstros” não é tão emocionante como o citado “Toy Story 3”, não alcançando o patamar de uma obra-prima. No entanto, trata-se realmente de um retorno da Pixar à sua boa forma ao aliar inteligência e diversão em igual medida, recuperando aquele espírito de “filmar como uma criança” tão presente em suas produções mais icônicas. E, principalmente, lembra-nos que, por mais sinuosas que sejam as estradas na busca de nossos sonhos, sempre é possível atingi-los. O mais importante é nunca desistir deles.


Cotação:



Nota: 9,5

Obs. O curta "O Guarda-chuva Azul" vale à pena ser conferido. Portanto, não chegue atrasado(a) à sessão.