sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Trilha Sonora # 28



Este é, possivelmente, o filme mais subestimado de Steven Spielberg. Muitos o consideram o seu pior trabalho, mas eu não o vejo assim. Se não está entre os seus melhores longas, "Além da Eternidade" (Always, 1989) é muito agradável, romântico (é um precursor de "Ghost", na verdade) e sabe utilizar com precisão a canção "Smoke Gets In Your Eyes", composição de Jerome Kern e Otto Harbarch para o musical da Broadway "Roberta", ainda em 1933. Essa linda canção você pode ouvir abaixo tal como a escutamos no filme, na imbatível versão do grupo "The Platters". Sobe o som! 

Ah, e essa na imagem acima é mesmo Audrey Hepburn!


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Para Ver Em Um Dia de Chuva

Sete Dias com Marilyn
(My Week With Marilyn, 2011)


Norma e Marilyn


O cinema, certamente, é a maior fábrica de mitos contemporânea e, dentre os muitos gerados no século passado, Marilyn Monroe sem dúvida é um dos maiores. Ela é uma das poucas estrelas hollywoodianas do século passado que ainda influenciam o comportamento das novas gerações. Entre as mulheres, sua aura só se equivale à de Audrey Hepburn. Contudo, se Audrey se coloca até hoje como um símbolo de sofisticação, Marilyn é a epítome da sensualidade evidente, escancarada, ajudada por suas curvas generosas e o ar pseudo-ingênuo que criou para sua presença pública, um personagem cultivado ao longo de toda a sua carreira, encerrada drasticamente após uma overdose de tranquilizantes em 05 de agosto de 1962. “Sete Dias Com Marilyn”, longa dirigido por Simon Curtis em 2011, é um longa que se presta justamente a levar o espectador a conhecer Norma Jeane Mortenson (seu nome verdadeiro) e não a Marilyn dos filmes e das badalações, procurando entender a persona escondida atrás da personagem pública. Ao mesmo tempo, não deixa de ser uma bela homenagem ao mito e também uma interessante abordagem acerca dos bastidores da Sétima Arte, levando-nos a conhecer vários dos desentendimentos, vaidades, conflitos e amizades que surgem ao longo das filmagens.

A maior virtude da direção de Curtis, bem como do roteiro de Adrian Hodges, é a de abordar um momento específico da vida da atriz. Baseado nos livros “The Prince, The Showgirl and Me” e “My Week with Marilyn”, de Colin Clark, que é o narrador e personagem central da película, o enredo trata dos dias em que Marilyn viajou ao Reino Unido para realizar as filmagens de “O Príncipe Encantado” (The Prince And The Showgirl, 1957), longa dirigido e estrelado por Laurence Olivier (papel de Kenneth Branagh, nada mais adequado), o renomado intérprete de Shakespeare, tanto no teatro quanto no cinema. Com a produção, Olivier estava tentando quebrar um pouco de sua imagem hermética, erudita, buscando apresentar um perfil mais popular. Para tanto, nada melhor do que se aliar à atriz mais famosa do mundo em uma comédia sem maiores consequências.


“Sete Dias com Marilyn” é focado na personalidade da atriz. A despeito do curto período temporal narrado, podemos perceber várias de suas características, como sua marcante insegurança, sua fragilidade por traz da diva encantadora, bem como seu esforço para ser vista não apenas como uma sex symbol, mas como uma intérprete de verdade, algo que, na realidade, nunca veio a acontecer. Adepta do famoso Método Stanislavski de interpretação, ela acaba por ser alvo das críticas constantes de Olivier, que não tem paciência com o tempo que a estrela leva para “imergir” no personagem, nem com sua notória dificuldade de memorizar diálogos. Por outro lado, Curtis não se furta a mostrar seu lado menos elogiável. Volúvel e adúltera, Marilyn era capaz de seduzir jovens inexperientes tão somente para afogar suas mágoas, várias delas advindas de seus problemas conjugais com Arthur Miller (Dougray Scott), seu marido à época. E ela o fazia assim como quem bebe uns tragos para curar uma dor de cotovelo, não se importando com as consequências emocionais que sua sedução e posterior indiferença poderiam causar nos eventuais apaixonados. É o que acontece com Colin Clark (Eddie Redmayne), mais uma “vítima” de seu poder de atração irresistível. Da mesma forma, o longa também não deixa de lado sua dependência química, mostrando o quão difícil era conviver e trabalhar com alguém se dopava quase diariamente.



Todavia, o longa é feliz não apenas na abordagem adotada, mas também em seus aspectos técnicos, apresentando uma reconstituição de época precisa, além de uma maquiagem e figurinos impecáveis. Também merece destaque a bela trilha sonora de Conrad Pope, de tom melancólico e nostálgico, bastante adequada ao caráter sensível da produção. Entretanto, este é o típico filme que não se sustentaria sem atuações de peso, mormente a interpretação da biografada. A respeito, Michelle Williams dá conta do recado? Não inteiramente seria a melhor resposta. Não vou entrar aqui nos méritos estéticos, pois Williams é uma mulher bonita, mas é quase óbvio dizer que a original era ainda mais. Entretanto, na composição de Williams falta um pouco da descontração de Marilyn, que era mais extrovertida publicamente do que se percebe na adaptação. Não que ela não tenha um bom desempenho e é possível estar sendo muito exigente, mas não vi Williams como a “Marilyn definitiva”. Faltou alguma coisa. Mas, vale dizer, não sei se é possível alguém alcançar esse “indefinível” que só a biografada tinha. De qualquer forma, valeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz (que perdeu, com justiça, para Meryl Streep como “ A Dama de Ferro”). Já Kenneth Branagh rende um ótimo Laurence Olivier e a atuação de Eddie Redmayne, como o narrador Colin, é competente. Destaque ainda para a presença de Julia Ormond na pele de Vivien Leigh, aflita com a “queda” que seu marido Laurence mal disfarçava sentir pela diva norte-americana.

Destarte, mesmo que, como mencionado acima, o filme não omita o lado menos notável da diva, sua conclusão, realçando que Colin nunca deixou de ser um eterno apaixonado por ela, conduz o público a uma inescapável admiração pela estrela, como a sugerir que somos todos fãs de Marilyn, mas não de Norma Jeane. Em determinado momento do filme, quando reconhecida por funcionários de uma biblioteca, ela pergunta ao rapaz: “devo ser ela?”. Em seguida, começa a posar e a se comportar como a personagem que criou. Sim, o público sempre amará a estrela Marilyn Monroe, esquecendo que Norma Jeane faleceu sozinha em um quarto poucos anos depois de concluir “O Príncipe Encantado”.


Cotação:



Nota: 8,0

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Histórias Marcantes do Cinema

Inauguro com este post uma nova série no "Cinema Com Pimenta", dedicada a contar um pouco da história dessa arte tão apaixonante. A seção tratará tanto de fatos que marcaram época, quanto de personalidades importantes nos desenvolvimento do Cinema. Uma tentativa de acender a curiosidade dos cinéfilos acerca de momentos e nomes já distantes, mas de extrema relevância no desenvolvimento da Sétima Arte. Vamos começar? Só acompanhar o texto abaixo.


Alice Guy-Blaché - A primeira (e esquecida) diretora de cinema


Quando lembramos dos pioneiros da Sétima Arte, logo recordamos os irmãos Lumiére, celebrados como os “inventores” do cinema. Assim mesmo, entre aspas, uma vez que o cinema, na verdade, foi uma invenção coletiva. Outro bastante lembrado costuma ser Georges Méliès, o diretor de “Viagem à Lua” (La Voyage Dans La Lune, 1902), filme que pode ser considerado o primeiro do gênero ficção científica e um dos precursores no uso de efeitos visuais. Principalmente depois de “A Invenção de Hugo Cabret” (Hugo, 2011), longa de Martin Scorsese, Méliès tornou-se um figurinha carimbada do meio cinéfilo, recebendo homenagens e constando em todos os livros que se prestam traçar, mesmo que de forma sintética, a história do cinema. Entretanto, há alguns nomes pioneiros a quem o tempo ainda precisa fazer justiça. Um deles é o de Alice Guy-Blaché. Não sei se por um provável machismo ou simplesmente uma dessas injustiças corriqueiras, mas esta francesa, que desenvolveu um belíssimo trabalho nos primórdios da produção cinematográfica, ainda precisa ter o seu valor reconhecido.

Guy-Blaché foi a responsável por dirigir cerca de 700 curtas-metragens na aurora do cinema. E, talvez mais importante do que ser a primeira mulher diretora, ela foi a realizadora daquele é considerado o primeiro filme com roteiro (1): A Fada dos Repolhos (La Fée Aux Choux, 1896), uma fantasia acerca do nascimento dos bebês. Uma produção de valor inegável para a cinematografia, uma vez que, até então, os filmes se limitavam a exibir imagens documentais de eventos cotidianos, como a chegada de um trem na estação ou ida de trabalhadores a uma fábrica. São apensa 57 segundos de projeção, mas que trouxe algo, até então, inédito. Vale dizer que ela foi também a única mulher até hoje que conduziu o seu próprio estúdio, o Solax.

Nascida na França em 1 de julho de 1873, Alice Guy começou sua carreira como secretária na Gaumont Film Company. Em 1907 se casa com Herbert Blaché (daí o seu sobrenome), o qual, ao ascender ao posto de gerente de produção da Gaumont nos Estados Unidos, imigra com a família para o país. Em 1910, Alice e Herbert, em parceria com George A. Magie, criam o Solax,o maior estúdio pré-Hollywood dos EUA. Enquanto Herbert trabalhava como gerente e produção e cineasta, Alice se tornou a diretora artística. O estúdio foi tão bem sucedido que, em apenas dois anos, investiram cerca de cem mil dólares em novas instalações tecnológicas em Fort Lee, Nova Jersey.


Anos depois, em 1918, Herbert abandona a esposa e vai para Hollywood com uma de suas atrizes. Com o declínio da Costa Leste como lar do cinema em favor do clima mais propicio de Hollywood, a parceria cinematográfica também temina. Voltando à França em 1922, embora nunca mais dirigindo qualquer produção, concede palestras sobre cinema e escreve romances baseados em seus roteiros. Em 1953 o governo francês lhe condecorou com a maior honra para um civil: a Legião da Honra. Nunca mais se casou e em 1964 retornou aos EUA para ficar com uma de suas filhas, vindo a falecer em 1968, aos 94 anos, em uma casa de idosos.

Abaixo, confira a “Fada dos Repolhos”, uma das grandes contribuições dessa mulher excepcional ao cinema.





(1) Segundo Mark Cousins, em "História do Cinema - Dos Clássicos Mudos ao Cinema Moderno". Martins Editora. 1ª ed. 2013.

sábado, 10 de agosto de 2013

Para Ver Em Um Dia de Chuva


Intocáveis
(Intouchables, 2011)


Blockbuster sobre a amizade


Este é considerado o filme francês mais rentável de todos os tempos, com cerca de 19 milhões de espectadores. Também foi sucesso em vários outros países europeus, como a Alemanha, onde também chegou a alcançar o posto de filme mais visto nos cinemas durante algumas semanas. No Brasil, alcançou a marca de mais um milhão de espectadores, uma proeza para um filme francês em nossas terras. Ao redor do mundo, obteve uma bilheteria de US$ 360 milhões de dólares. Em outras palavras, “Intocáveis” foi um sucesso absoluto de público, como poucas produções europeias conseguem ser. Um blockbuster, enfim. Entretanto, vale ressalvar, tal sucesso não foi sem méritos. Dirigido pela dupla Olivier Nakache e Éric Toledano (também autores do roteiro), o filme consegue a proeza de tratar de um tema pesado - extremamente propício a tentar arrancar lágrimas e ranger de dentes do público médio – de uma forma leve e descontraída, deixando o espectador com um sorriso nos lábios ao fim da sessão.

Baseado em uma história real, descrita no livro de memórias de Philipe Pozzo di Borgo, o longa tem como foco a relação entre Philipe, - um aristocrata milionário, culto e tetraplégico – e Driss, um bem-humorado imigrante senegalês que já teve problemas com a justiça francesa. Ambos são basicamente opostos, não apenas na condição social de cada um. Philipe (interpretado com muita competência por François Cluzet) é o típico branco europeu, vindo de família tradicional, de educação esmerada e modos refinados. Já Driss (o também ótimo Omar Sy), negro e com uma vida bem mais dura, repleta de dificuldades, reflete em sua conduta as frequentes disparidades entre os dois mundos, os quais, ironicamente, conseguem conviver dentro de uma mesma sociedade. Mas é exatamente pelas óbvias diferenças entre os dois que a amizade surge e cresce. Philipe não contrata Driss para trabalhar como seu cuidador por esse reunir as melhores qualidades profissionais, mas justamente por que o senegalês o trata com igualdade, esquecendo tratar-se de um deficiente físico. Driss não cuida do rico aristocrata com “pena”, mas deixando de lado as limitações do paciente, muitas vezes até fazendo piada com a sua condição. É o que Philipe precisa para sentir-se “igual”, assim como a sensação de inserção social chega a Driss por passar a viver em uma bela mansão, onde não existem as limitações materiais com as quais se acostumou a viver.


Os diretores Toledano e Nakache, todavia, não investem pesado em um possível caráter sociopolítico da trama. O subtexto social se faz presente, não deixando de abordar a atual realidade francesa, onde imigrantes e franceses de origem africana buscam seu espaço mas não é o norte do enredo. Uma decisão sábia, uma vez que, do contrário, a película poderia perder o seu encanto. Na vida, nossas relações e vivências não construídas a partir de um tratado ideológico. Elas simplesmente acontecem e dessa maneira natural que o longa é conduzido. E é interessante perceber como, ao longo da projeção, temos mais momentos de sorrisos do que de lágrimas, mas sem perder de vista o drama dos dois protagonistas. Uma dramédia muito bem posta e acabada.

Contudo, os méritos dos diretores não residem apenas no tom da narrativa. Narrado a partir de um longo flashback, o ritmo do longa é excelente, jamais se tornando cansativo. Pelo contrário, passa até muito rápido, deixando aquela vontade de vermos ainda mais da história de paciente e cuidador, sendo esse um mérito da edição de Dorian Rigal-Ansous. Ademais, não só apenas o personagens centrais, mas também os coadjuvantes são bem caracterizados, como a secretária de Philipe interpretada por Audrey Fleurot, constante alvo das cantadas de Driss. Por sinal, o elenco é ótimo, mas o grande destaque vai mesmo para a dupla de protagonistas. Tanto Cluzet (como ele lembra o Dustin Hoffman, não?) como Omar Sy emprestam uma tremenda verdade aos seus personagens sem jamais caírem na caricatura. Fosse um filme estadunidense, certamente seriam indicados ao Oscar e ambos na categoria principal, de melhor ator. Aliás, falando no prêmio da Ademia: como foi possível que este longa não foi indicado ao prêmio de filme estrangeiro? Uma pergunta que só nos faz questionar ainda mais os estranhos critérios da premiação.


É verdade que “Intocáveis” acaba investindo em alguns clichês, enfraquecendo um pouco o resultado final. Ademais, não deixa de ser um filme de “mensagem”, o que certamente foi um dos fatores preponderantes para que se transformasse em tão grande sucesso de público. Entretanto, tais fatores não chegam a transformá-lo em uma película banal. Pelo contrário, suas qualidades se sobressaem e criamos tanta empatia pelos personagens que sentimos saudades deles ao final. E, como vemos antes dos créditos a imagem dos homens reais que inspiraram a ficção, ficamos imaginando como foram suas vidas após o ponto onde o longa termina. Que belos momentos de amizade ainda terão vivido? Afinal, mais do que sobre preconceito ou qualquer outra questão social, esta é uma obra sobre a amizade, sentimento que pode surgir mesmo entre pessoas tão diametralmente diferentes.


Cotação:



Nota: 9,0