domingo, 27 de outubro de 2013

Quero Ver Novamente # 24



O Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, está abrigando uma exposição sobre o genial Stanley Kubrick.. Recriando ambientes de filmes do diretor como "O Iluminado" e "Laranja Mecânica", a exposição também reúne centenas de objetos usados em cena - documentos, fotografias, cartas, anotações e peças originais dos longas. Infelizmente, não vou poder conferi-la, mas, nos últimos dias, fiquei com uma baita vontade de rever os filmes de Kubrick, especialmente os mais antigos e menos vistos. Abaixo, você pode conferir uma cena de "Glória Feita de Sangue" (Paths Of Glory, 1957), filme que pode ser considerado como sua primeira obra-prima ( e também o primeiro com a temática da guerra).

A trama se passa em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial, quando um general francês ordena um ataque suicida e, como nem todos os seus soldados se lançam ao ataque, ele exige que sua artilharia atinja as próprias trincheiras. Contudo, o general não é obedecido nessa ordem absurda, então resolve pedir o julgamento e a execução de todo o regimento por se comportar covardemente no campo de batalha e assim justificar o fracasso de sua estratégia militar. Finalmente, decide-se que três soldados serão escolhidos para servirem de exemplo, mas o coronel Dax (Kirk Douglas) não concorda e decide interceder de todas as formas para tentar revogar a estúpida decisão. Filmaço obrigatório!






terça-feira, 22 de outubro de 2013

Restaurando a Película

Na Hora da Zona Morta
(The Dead Zone, 1983)


O (bom) lado comercial de Cronenberg


Há tempos que eu procurava assistir a este filme do cineasta canadense David Cronenberg. Lembro que a Rede Globo o exibiu há muitos anos, mas não está entre suas reprises frequentes, razão pela qual comprei o (horroroso) DVD lançado no Brasil pela Spectranova e consegui satisfazer a curiosidade. Valeu à pena, diga-se de passagem. Cronenberg é uma referência quando se trata de cinema perturbador, escatológico, esquisito, incômodo, violento ou outros adjetivos similares. Muito embora nos últimos anos ele venha dirigindo abordagens mais convencionais, digamos assim, como o longa “Marcas da Violôncia” (A History Of Violence, 2005), sua marca registrada é o que se mostra imprevisível e desconfortável ao espectador, o qual costuma lembrar de Cronemberg por obras como “A Mosca” (The Fly, 1986) e “Gêmeos, Mórbida Semelhança” (Dead Ringers, 1988), filmes que demonstram pouca preocupação com o lado comercial. Neste ponto, soa como um ponto fora da curva a concepção de “Na Hora da Zona Morta” ainda em 1983, já que ele mais lembra os filmes recentes de Cronenberg do que os seus trabalhos gerados nos anos 80.

Adaptação de um livro de Stephen King (o mesmo que originou o seriado de TV de 2002), provavelmente o autor mais adaptado da história do cinema (embora eu não tenha essa estatística), “Na Hora da Zona Morta” é um longa que, de certa forma, acabou meio esquecido pela crítica, talvez por ser um filme de caráter mais “comercial”, menos perturbador, muito embora não deixe de abordar temas comuns na cinematografia de Cronenberg. Afinal, o protagonista Johnny Smith, um pacato professor de literatura que após um acidente de automóvel fica em coma por cinco anos e passa a desenvolver poderes paranormais, representa com muita eficácia o conceito do indivíduo isolado da sociedade devido a peculiaridades pessoais. Para Cronenberg, somos todos sujeitos que estão inexoravelmente alheios à comunidade em que vivemos. Por mais que tentemos, jamais estaremos em perfeita sintonia com o nosso meio e, quando vistos de perto, seremos seres estranhos, “esquisitos”, fadados ao isolamento diante de um contexto social que só admite padrões. Entretanto, sempre teremos algo que não será “padrão” em nosso íntimo. No caso do professor Smith, seus poderes de premonição em relação a eventos futuros acabam por transformá-lo em uma celebridade ao mesmo tempo que o distanciam dos outros, além de se tornarem um fardo, já que passa a pesar sobre ele a responsabilidade de interferir no destino não apenas daqueles que conhece, mas também de toda a sociedade. Assim, ao mesmo tempo em que se torna famoso, Smith está sozinho em sua penitência de conhecer o futuro das pessoas. Sua solidão, ademais, torna-se ainda maior por ter sido abandonado pela noiva durante o coma e ter perdido o emprego de professor. Ele “dorme e acorda” em realidades bastante diferentes, um verdadeiro choque que torna difícil definir os caminhos a seguir.


Trabalhando com um roteiro de Jeffrey Boam (o primeiro na carreira do diretor que não foi escrito pelo próprio), Cronenberg desenvolve o conflito na forma de um suspense, como era de se esperar de um longa baseado em uma obra de King. Embora tenha problemas de ritmo em seus minutos iniciais, pois que o acidente com o protagonista ocorre muito rápido, sem que tenhamos tido tempo de nos identificarmos mais com o personagem e nos preocuparmos com o seu destino (o filme é relativamente curto e uns 20 minutos a mais de projeção poderiam ser perfeitamente encaixados), o diretor consegue estabelecer um bom clima de tensão que prende o espectador, fazendo-o torcer pelo herói E, mesmo não sendo tão aparente quanto em outros longas de sua autoria, há aquele clima de “estranheza”, algo meio surreal, tão característico de Cronenberg. Outro destaque é o trabalho na direção de atores, uma das grandes virtudes do diretor. Christopher Walken - sempre um ator marcante que merecia bem mais reconhecimento do que tem - está simplesmente ótimo como o protagonista paranormal. Embora Martin Sheen soe um pouco maniqueísta na pele do vilão da trama, o político candidato à presidência dos EUA Greg Stillson (ou será culpa do roteiro?), Brooke Adams como Sarah, a namorada de Smith que o deixa durante os cinco anos de coma, está carismática e convincente, assim como Herbert Lom na pele do médico que cuida de Smith.


Com um ótimo clímax (que faz referência a fatos históricos dos Estados Unidos), “The Dead Zone”é inferior aos melhores filmes de Cronenberg, mas “um filme menor” de um grande cineasta costuma ainda ser bem melhor do que a média das produções lançadas rotineiramente. Também merece destaque como uma das boas transposições de obras de Stephen King para o cinema, uma vez que “adaptação de Stephen King” hoje parece ter ser tornado um gênero à parte, tantas as que proliferam quase anualmente no cinema comercial. Então, se “Na Hora da Zona Morta” não chega ao nível de excelência de“O Iluminado” (The Shinning, 1980), do mestre Stanley Kubrick, também é muito superior a desastres como “O Apanhador de Sonhos” (Dreamcatcher, 2003). Suas credenciais, inclusive, me fazem lembrar da citada medonha edição em DVD vendida atualmente em nossas lojas. Um bom filme como este merecia uma cópia restaurada e não uma conversão chinfrim de VHS para DVD. Lamentável...


Cotação:



Nota: 8,0

domingo, 20 de outubro de 2013

Elysium

Ainda uma promessa


O cinema do jovem diretor Neil Blomkamp pode ser resumido da seguinte forma: premissas muito inteligentes, execução ineficiente. É a conclusão a que podemos chegar a partir deste seu novo trabalho, “Elysium”, atualmente em cartaz no circuito brasileiro, o qual repete as mesma virtudes e defeitos do seu longa anterior, o interessante “Distrito 9” (District 9, 2009), responsável por tentar atribuir conotações político-sociais ao cinema pipoca do fim de semana. Nascido em Joanesburgo, África do Sul, ele impregnou “Distrito 9” de referências ao Apartheid ao elaborar uma trama onde seres de outro planeta são segregados pelos humanos em uma espécie de gueto. Entretanto, se o longa causa reflexão e sensação de inovação em sua primeira metade, a segunda se reduz a, basicamente, cenas de ação clichês que mais entediam do que envolvem o espectador. Um trabalho de altos e baixos que nos traz um frustrante resultado mediano, dadas as suas potencialidades.

Da mesma forma se desenvolve “Elysium”. Na sua premissa, vemos uma Terra superpovoada e esgotada em seus recursos naturais. Nela, residem as classes mais baixas, operários que lutam pela sobrevivência, enquanto os abastados vivem em uma espécie de satélite artificial denominado Elysium (obviamente, uma referência aos Campos Elísios, local que se pode definir como o paraíso da mitologia greco-romana), onde a qualidade de vida de tempos pretéritos foi preservada. Ou seja, o filme se presta a realizar uma alegoria da luta de classes, com direito a abordar detalhes como a questão da saúde pública, onde alguns têm direito à assistência médica e muitos não têm direito a sequer um atendimento básico. É o que ocorre com o personagem de Max da Costa (Matt Damon), operário de uma fábrica que sofre um acidente radioativo e deve morrer em poucos dias. Para se curar, ele precisa de um método de tratamento só existente em Elysium, mas não tem do dinheiro suficiente para comprar sua estada da fortaleza. Será necessário entrar clandestinamente e para isso contará com a ajuda de especialista em infiltrações, Spider (o nosso Wagner Moura).


Como se vê, o roteiro, escrito pelo próprio Blomkamp, tem um ótimo núcleo de ideias, o que torna o longa interessantíssimo em sua primeira metade, muito eficiente em retratar o drama das classes subalternas em um planeta cada vez mais duro. A ambientação, inclusive, lembra muito a realidade dos Estados Unidos de hoje, cada vez mais latinizado, onde em diversas regiões existe uma mistura de línguas, predominando o inglês e o espanhol. As características da cidade terrena também remetem a uma Cidade do México ou à própria Joanesburgo de Blomkamp (em um eficiente trabalho de direção de arte). Também se mostra perspicaz a escolha de Alice Braga, com sua aparência de latina, para ser o interesse romântico do herói, coadunando-se com caráter “globalizado” da produção. Entretanto, mais uma vez Blomkamp se perde em cenas de ação na segunda metade da projeção e o filme assume aquela perspectiva trivial de qualquer outro filme de ação, com destaque para o mote do “sacrifício” do herói, que também se fez presente no anterior “Distrito 9”. Em suma, “Elysium” se torna previsível até mesmo naquilo em que não pretende ser previsível.



Mas, como disse Wagner Moura em recente entrevista a uma famosa revista de caráter cultural, o maior diferencial do cinema estadunidense é o dinheiro, muito dinheiro, e isso invariavelmente dá destaque ao padrão técnico de seus filmes. Se o longa tem destaque, como dito acima, na sua ambientação, é claro que muito desse mérito se deve à direção de arte, muito eficiente não só na caracterização do planeta Terra, mas também na concepção do satélite Elysium, uma espécie de paraíso da imaginação judaico-cristã. Da mesma forma, o elenco de primeira contribui muito para tornar o longa algo mais envolvente. Matt Damon está inspirado na pele do protagonista e Jodie Foster consegue dar alguma alma à vilã unidimensional da trama, uma espécie de secretária de Estado da nave que nutre ambições maiores. Entre os brasileiros, todavia, há uma certa surpresa. Wagner Moura sofre com um personagem mal desenvolvido e que tem menos tempo de tela do que seria esperado. Assim, acaba que Alice Braga tem mais destaque como Frey, a namorada de Max que tem uma filha também precisando de assistência médica em Elysium, em uma atuação bastante competente.

Embora esteja longe de ser um filme ruim, “Elysium” se constitui em uma demonstração da imaturidade de Blomkamp como cineasta, muito embora, tal como “Distrito 9”,deixe entrever que o jovem tem potencial, ainda sendo uma promessa de grande diretor. Precisa desenvolver melhor suas ótimas premissas para que elas não gerem tão somente bons entretenimentos, mas filmes que sejam mais memoráveis do que as suas duas horas de projeção, ou seja, para que se tornem algo mais do que uma “diversão inteligente” para o final de semana.


Cotação:



Nota: 7,0

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Gravidade

Beleza, solidão e revolução


Inicio esta resenha com uma afirmação que pode ser precipitada, mas que reflete inteiramente minhas impressões ao fim da sessão de “Gravidade”: trata-se do melhor filme de ficcção-científica desde “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (2001 – A Space Odyssey, 1968), talvez tendo apenas como rivais “Alien – O Oitavo Passageiro” (Alien, 1979) e “Blade Runner – O Caçador de Androides” (Blade Runner, 1982). Este é um daqueles filmes que, ao terminar de vê-lo, já sentimos algo diferente, sabemos que estamos diante de uma obra que  será lembrada ao longo dos anos, que influenciará inúmeros longas posteriores e, provavelmente, deixará sua marca  na cultura pop como um todo, tornando-se um fenômeno em várias mídias. E não estou exagerando. Na realidade, eu sempre desconfio de filmes com muito “hype”, como nos casos de “Avatar” (2009) - longa que trouxe inovações apenas no uso do recurso 3D, mas que possui uma trama meio rasa e clichê – e “A Origem” (Inception, 2010), um ótimo thriller dirigido por Christopher Nolan, mas que não chega a ser (e o tempo vem mostrando isso) nenhuma obra-prima. Pelas mesmas razões (gato escaldado tem medo de água fria), estava antevendo que havia um certo exagero com relação ao novo longa do diretor mexicano Alfonso Cuáron (de “E Sua Mãe Também!” e “Filhos da Esperança”), o qual vem sendo incensado pela crítica. Felizmente, desta vez eu errei em minhas previsões.

Já fazia muito tempo que eu não via um longa-metragem com tanta força imagética, profundidade na abordagem dos nossos mais instintivos, fortes e belos sentimentos e, ao mesmo tempo, conseguir prender a respiração dos espectadores até o último frame da projeção (talvez Ang Lee tenha feito algo igualmente relevante com o seu “As Aventuras de Pi”, mas não é um filme tão intenso quanto este). Tudo isso em enxutíssimos 91 minutos e com apenas três personagens na tela. E vale dizer que um desses morre logo no início do longa (isso não é um spoiler). Ou seja, Cuáron, também autor do roteiro em parceria com seu filho Jonás Cuáron, conseguiu criar uma obra que alcança o perfeito equilíbrio entre substância e tensão, gerando um filme capaz de entusiasmas crítica e público e isso, convenhamos, é um feito que poucos conseguiram na história do cinema. De quebra, ainda teve a percepção de filmar com o intuito de colocar o espectador na pele dos astronautas, contando com o auxílio da tecnologia 3D. É possível que nunca uma câmera em primeira pessoa tenha atingido um nível tão elevado de subjetividade quanto aqui. Em várias sequências temos a sensação de estarmos na pele da astronauta Ryan Stone (Sandra Bullock), em busca da sobrevivência. Não é por acaso que muitos vêm atribuindo ao filme o adjetivo de “revolucionário” e, desta vez, não é de forma gratuita.


A trama é minimalista, por assim dizer. Nela, vemos a referida Dra. Ryan Stone em uma missão para operar reparos no telescópio Hubble, na qual é acompanhada por dois outros astronautas, um deles o piloto Matt Kowalski, que está prestes a se aposentar (interpretado pode George Clooney). Quando estão efetivamente realizando o serviço, uma onda de destroços de uma satélite destruído pelos russos atinge o telescópio e a nave dos engenheiros e começa, então, uma batalha pela sobrevivência no ambiente mais inóspito que existe para o ser humano: o espaço. Principalmente a Dra. Ryan, que é lançada no vácuo com apenas 10% de oxigênio restando no reservatório do traje espacial. Mas se engana quem pensa que isso resultará apenas em uma correria desenfreada. O foco de Cuáron é o espírito humano. Ao mesmo tempo em que somos tão pequenos diante da imensidão e perigos do universo, temos força suficiente para vencermos esses desafios e nos mantermos vivos diante de um ambiente tão áspero ao ser humano. E, por mais que tenhamos motivos para, quem sabe, nos entregarmos, como no caso da Dra. Stone, viver sempre será a melhor escolha.

Convém ressaltar que a Terra nunca esteve tão bonita no cinema. As imagens concebidas pelo diretor de fotografia Emmanuel Lubeski são simplesmente lindas. Chega a dar o gostinho de realmente estarmos a contemplar a Terra, privilégio que só cabe a mais do que restrita classe dos astronautas. Aliás, a sensação de estarmos vendo o espaço como ele de fato é só se equivale àquela vista no citado “2001”. Um espetáculo de realismo em algo tão difícil de reproduzir quanto é a realidade fora do nosso planeta. Em similar competência mostra-se a trilha sonora de Steven Price, a qual se faz sentir com ainda mais vivacidade após os contínuos momentos de silêncio engenhosamente concebidos para nos passar o clima do ambiente. Por outro lado, o filme não seria tão bom sem a sensacional atuação de Sandra Bullock, no melhor momento de sua carreira, incontestavelmente. Ela nunca havia conseguido transmitir tanta força e concomitante fragilidade a uma personagem. Será até uma piada se ela não levar o Oscar de melhor atriz, já que anos atrás acabou sendo premiada por um trabalho bem menos relevante (em “Um Sonho Possível”).


“Gravidade” é um filme repleto de imagens marcantes, daquelas destinadas a se tornarem icônicas, indicando que Cuáron poderá ser conhecido no futuro como um dos grandes estetas do cinema. A cena das lágrimas flutuantes da astronauta, por exemplo, é uma delas. Ainda mais se você assistir em 3D. Aliás, procure realmente ver em uma sala 3D, pois este é um dos raros casos em que o recurso se mostra realmente como um diferencial (e quem costuma ler meus textos sabe o quanto eu sou exigente para considerar que um filme precisa ser visto em 3D). Em dado momento da película, a simbiose de emoção e beleza me impressionaram tanto que, faço aqui uma confissão, algumas lágrimas furtivas brotaram dos olhos. E é nesse ponto que reside a principal diferença entre “Gravidade” e o clássico “2001”. Se o filme de Kubrick instiga a reflexão, levando-nos a questionamentos sobre quem somos e para onde vamos, o longa de Cuáron é visceral, procurando despertar o nossos mais básicos e essenciais sentimentos. Fala, sobretudo, da solidão de cada ser humano, cada qual constituindo um universo à parte em meio à imensidão que nos cerca. Diante de tantas “revoluções” que são alardeadas com uma estranha frequência no cinema, mas que logo em seguida se revelam no máximo obras competentes (vide os exemplos dos citados “Avatar” e “A Origem”), talvez neste caso o termo esteja, enfim, sendo usado de maneira apropriada. Só o tempo irá dizer se tal impressão é verdadeira, mas foi a que tive quando surgiram os créditos finais, logo após a linda sequência que conclui este clássico imediato.


Cotação:



Nota: 10,0

domingo, 6 de outubro de 2013

Eu Quero Esse Pôster #24


"Gravidade", o novo longa de Alfonso Cuáron, protagonizado pelos astros George Clooney e Sandra Bullock, está sendo visto pela crítica especializada como o melhor filme de ficção-científica desde "2001 - Uma Odisseia no Espaço" (2001 - A Space Odissey, 1968). O filme estreia sexta-feira, dia 11/10, aqui no Brasil e já estou na contagem regressiva para poder conferi-lo. Como aperitivo, segue este já icônico pôster.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Filmes Para Ver Antes de Morrer

Era Uma Vez Em Tóquio
(Tôkyô Monogatari, 1953)


Profundamente japonês, humano e universal


Em recente eleição realizada pela revista britânica “Sight & Sound”, “Era Uma Vez em Tóquio” foi considerado, entre os cineastas votantes, como o melhor filme de todos os tempos, desbancando o tradicionalmente escolhido “Cidadão Kane”, de Orson Welles. Muitos podem discordar, mas o resultado mostra o quanto o cinema asiático ainda precisa ser visto e descoberto no Ocidente. Fora do círculo cinéfilo, este filme é praticamente desconhecido, por exemplo, pelo público brasileiro e o nome de seu diretor, Yasujiro Ozu, pode ser entendido como o de um E.T. Quando muito, algumas pessoas conhecem o nome do mais popular diretor japonês, Akira Kurosawa, famoso pelo estupendo “Os Sete Samurais” (Shichinin no Samurai, 1954). Entretanto, apesar de ser comumente visto como um diretor de cinema “de arte” (eu detesto essa expressão), os filmes de Ozu são muito acessíveis, centrados em narrativas sobre o cotidiano de famílias da classe média baixa do Japão, principalmente do período pós-guerra. Ozu é o maior representante de um gênero nipônico denominado shomin-geki, cuja principal característica era justamente a abordagem do dia a dia dessas famílias, causando uma quase imediata identificação com o espectador.

Nascido em 1903, Yasujiro Ozu começou sua carreira ainda no cinema mudo, mas foi na produção sonora que realizou suas grandes obras-primas, entre elas “Era Um Vez Em Tóquio”, longa de extrema percepção das relações humanas e que não precisa de uma trama intricada ou grandiosa para nos levar às mais perspicazes reflexões. Toda a película trata sobre a viagem de um casal da cidade japonesa de Onimichi a Tóquio. É a primeira vez que eles vão até à capital do País, com o intuito de visitar os filhos que lá trabalham. Entretanto, decepcionam-se com a acolhida dos mesmos, os quais não têm tempo para lhes dar atenção e consideram a visita dos genitores como um fardo. Apenas a nora Noriko (Setsuko Hara), esposa do filho já falecido na guerra, trata os idosos com o devido respeito e cuidado. A partir desse enredo simples, Ozu desenvolve uma belíssima análise das relações familiares e, importante frisar, válida para qualquer tempo ou cultura. Aliás, ao assistir a “Era Uma Vez em Tóquio” tive a sensação de estar a ver um filme concluído ontem, dada a sua temática extremamente atual, plena de contemporaneidade. Vivemos uma era em que os indivíduos possuem cada vez menos disposição para as relações interpessoais, embriagados de egoísmo e consumismo, buscando objetivos materiais em detrimento do convívio e disso Ozu já tratava em 1953, quando o Japão vivia um acelerado ritmo de industrialização.


Esse choque entre a modernidade e a tradição, entre o industrial e o humano, é contraposto por Ozu não apenas por meio da interação entre os personagens, mas também a partir dos elementos imagéticos do longa. As ações são frequentemente interrompidas por cenas de trens em movimento, bem como navios e outros símbolos de industrialização. O cineasta parece sempre comentar, através das imagens, que uma nova era, como novos valores, está substituindo a anterior. Contraposição essa que também se percebe na relação entre os idosos (os antigos valores) e os jovens filhos (os novos paradigmas). Na visão de muitos, Ozu revela a cada fotograma o seu conservadorismo, não apenas no aspecto estético, mas também ideológico, o que não deixa de ser verdade. Há uma certa rejeição ao novo em seu cinema, no qual reside latente uma perene crítica à ocidentalização do Japão no período pós-guerra. Aliás, a famosa qualificação de Ozu como “o mais japonês dos cineastas japoneses” não deixa de realçar esse lado de extremo apego às suas raízes. Entretanto, seria errado imaginar Ozu como uma espécie de anti-Kurosawa, pois o mestre Akira se valia da influência do Ocidente em sua estética, é bem verdade, mas suas temáticas são tão profundamente japonesas quanto as de Ozu.


Nas imagens de Ozu, até mesmo sua estética é peculiar. A câmera é estática, com os personagens entrando e saindo de cena em quadros fixos, além de posicionada próxima ao chão (a famosa “câmera baixa”), na mesma altura em que os japoneses costumam fazer suas refeições, técnica que iria influenciar até mesmo Steven Spielberg em “E.T. - O Extraterrestre” (E.T – The Extra-Terrestrial, 1982), o qual a utilizou como uma forma de vermos os acontecimentos a partir do ponto de vista das crianças. Ozu também usava como poucos a técnica de campo e contracampo, principalmente em passagens de diálogos, quando vemos os personagens de frente para a câmera, como se estivéssemos conversando com eles. Por outro lado, sabia usar a trilha sonora para acentuar a melancolia do drama, mas sem torná-la invasiva ou excessiva. Ademais, era um ótimo diretor de atores, extraindo deles o seu melhor, vide o ótimo desempenho de Chishu Ryu, como o pai Shukishi Hirayam, que conseguiu interpretar com inteira veracidade um tipo 20 anos mais velho do que a sua verdadeira idade à época. Outro destaque é, Chieko Higashiyama, como a mãe idosa e doente, além de Setsuko Hara, como a dedicada nora Noriko e Haruko Sugimura, como a antipática e vazia filha Shige.

Contudo, para além de questões estilísticas, a maior relevância do cinema de Ozu é seu caráter profundamente humano, que inclusive nos faz repensar nossas próprias relações familiares. Como diz o cineasta Aki Kaurismaki, no documentário “Conversando com Ozu” (que acompanha a edição brasileira de “Era Uma Vez em Tóquio”, recém-lançada pela Versátil), comparando o cinema o cinema de Ozu ao predominante nos Estados Unidos: “Em seus filmes, Ozu fala de tudo que é essencial ao ser humano sem exibir nenhuma cena de violência”. Mesmo que trate eminentemente da cultura japonesa, este gênio consegue ser universal, o que me remete a uma outra frase, esta do mestre literário Liev Tolstói: “Se queres ser universal, começas por descrever a tua aldeia”. E é essa a síntese do cinema de Ozu. A partir da abordagem de um Japão em processo de rápidas transformações sociais e culturais, ele toca em temas e acontecimentos que dizem respeito a todos os seres humanos, sem exceções.


Cotação e nota: Obra-prima.