sábado, 21 de setembro de 2013

Rush - No Limite da Emoção

Quando pilotos foram heróis


Definitivamente, a Fórmula 1 já não é mais a mesma. Hoje, mesmo com carros superseguros, frequentemente encontramos pilotos sem gana de vencer, que se contentam em serem apenas meros assalariados de uma escuderia e, se for “necessário”, deixam o colega de equipe ultrapassar para ajuda-lo a ganhar um campeonato. Em suma, a F1 deixou de ser um esporte e se transformou em apenas uma mera exibição de montadoras, em busca de dividendos. A Fórmula 1 que conheci, em meados dos anos 80, era mais perigosa, mas ao mesmo tempo muito mais romântica, repleta de pilotos obstinados que buscavam, acima de tudo, a vitória para escrever seus nomes na história do esporte. Eram os tempos de Alain Prost, Nigel Mansell, Nelson Piquet e, claro, Ayrton Senna, aquele que considero o maior piloto ente todos. E falo isso de forma isenta, pois nunca fui um admirador da personalidade dele e detesto o ufanismo desmedido de um Galvão Bueno, mas a verdade é que Senna fez coisas na pista que jamais vi outro piloto fazer (como podemos recordar no documentário "Senna"). Também cheguei a ver, ainda bem garoto, o austríaco Niki Lauda disputando provas e me lembro de perguntar aos meus pais o que havia acontecido com o seu rosto. A resposta: “foi um acidente em que o rosto dele foi queimado”. Recordo, ainda, de considerá-lo um homem extremamente corajoso, pois tinha voltado a correr mesmo depois de um acidente tão grave.

Essa “era de ouro” da Fómula 1 é retratada brilhantemente por Ron Howard em seu novo trabalho, “Rush – No Limite da Emoção”, longa atualmente em cartaz no circuito comercial brasileiro. Na realidade, o filme aborda uma fase ainda anterior àquela que pude acompanhar, nos anos 70, quando os riscos do automobilismo ainda eram maiores do que na citada década oitentista. Para se ter uma ideia, a média de mortes de pilotos era de dois por temporada, ou seja, o risco de morrer a cada Grande Prêmio era muito elevado. Pertence a esse tempo o imaginário de que pilotos eram, antes de tudo, heróis. Foi nessa época que Lauda começou sua trajetória que culminaria em um futuro tricampeonato e na qual possuiu um grande rival, James Hunt, um britânico mulherengo e farrista que parecia ser o oposto do cerebral, concentrado e comedido piloto austríaco. Só em um ponto demonstravam similaridade: a obsessão pela vitória, encarando qualquer desafio para alcançá-la.



Essa rivalidade é o mote de “Rush”, mas Howard não coloca seu foco principal no que acontece nas pistas. Claro que há diversas sequências sensacionais com corridas, ultrapassagens e colisões, mas o longa não é sobre corridas, mas, sobretudo, personalidades. Howard se esmera em analisar a persona dos rivais, mostrando a origem de seus desentendimentos, suas evidentes diferenças e, de forma inteligentíssima, suas semelhanças. Para tanto, conta com um belíssimo roteiro de Peter Morgan, baseado no livro “Corrida Para a Glória”, de Tom Rubython, e que teve ainda a luxuosíssima consultoria do próprio Lauda. Mesmo que em certos momentos a trama acabe fazendo concessões ao esquema hollywoodiano de se adaptar biografias, ela é extremamente envolvente, fazendo com que o espectador tenha a sensação de realmente conhecer aqueles pilotos. Além disso, Howard tomou o cuidado de não transformá-los em “vilão e mocinho”, escapando da armadilha do maniqueísmo. Tanto Lauda quanto Hunt possuem tempos iguais na tela e são expostas suas várias facetas, tanto negativas quanto positivas. Se primeiro somos inclinados a simpatizar com Lauda devido à sua personalidade discreta, logo depois constatamos uma certa arrogância em seu temperamento, além de um jeito rude que acaba por torná-lo um tipo impopular entre os colegas. O oposto do popular Hunt, o qual primeiro desperta antipatia por seu estilo farrista e meio irresponsável, mas que depois demonstra seu lado humano e solidário, além de percebermos que muito do seu comportamento é um disfarce para seus medos e inseguranças. Há, ainda, um particular subtexto acerca da sedução exercida pelos pilotos sobre as mulheres. Mesmo o introvertido Lauda faz valer suas habilidades ao volante para conquistar aquela que seria sua esposa.


Os pilotos são interpretados com muita competência por ambos os atores. Chris Hemsworth, na pele de James Hunt, embora tenha um papel relativamente mais simples, demonstra que pode ir bem além do que faz como o Thor dos filmes da Marvel. Daniel Brühl (lembram dele em “Adeus, Lênin!”?), por sua vez, encarna um Niki Lauda perfeito (chegou a usar próteses dentárias para ficar mais parecido com o verdadeiro), mas, cabe ressaltar, seu trabalho foi facilitado pelo contato que teve com o original, hoje chefe da equipe Mercedes, enquanto Hemsworth não dispôs do mesmo privilégio, pois que Hunt faleceu com apenas 45 anos, vítima de um infarto. De qualquer forma, no duelo entre os dois quem ganha é o púbico e as atuações foram elogiadas por nomes como Emerson Fittipaldi, contemporâneo dos dois pilotos na F1 dos anos 70. Como não poderia deixar de ser, o espectador também é premiado com as fantásticas cenas de corrida, com suas ultrapassagens e acidentes precisamente reconstituídos, principalmente o famoso acidente em que Lauda quase perdeu a vida e teve boa parte do corpo queimado (show de efeitos especiais que não se fazem perceber), além de manter o ritmo e envolvimento ao longo de toda a projeção, um mérito da direção de Howard, cineasta com grande talento em prender o público e que parece ter especial apreço por biografias e tramas baseadas em eventos verídicos, como nos casos de “Uma Mente Brilhante” (A Beautiful Mind, 2001) e “Apollo 13” (1995). Vale o destaque ainda para a trilha sonora de Hans Zimmer, inspirada como há muito tempo não se ouvia nos seus trabalhos (muito superior ao que fez em “O Homem de Aço”).

O resultado é um filme de arrepiar, capaz de agradar tanto à crítica quanto ao público, este com potencial para ser bem mais abrangente do que os aficionados por automobilismo. Arrisco dizer que é o melhor trabalho de Ron Howard, superando o citado e oscarizado “Uma Mente Brilhante”. Aliás, falando em Oscar, não vou estranhar se o longa conseguir várias indicações na próxima edição do prêmio da Academia de Hollywood. Caso venha a obtê-las, será inteiramente justo. E termino pontuando: um dos melhores filmes sobre esporte já feitos.


Cotação:



Nota: 9,5
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Um comentário:

renatocinema disse...

Não sou fã desse esporte, porém, tenho lido muita crítica positiva sobre esse trabalho de Ron Howard.

Seu elogio me deixou com a pulga atrás da orelha.....acho que vou ver, mesmo não sendo fã do estilo.


abs